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Joaquim Barbosa sobre o semi-presidencialismo: ‘É uma aventura. Um salto no escuro’

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal explicou porque uma possível experiência brasileira não pode ser comparada à da França

O ex-ministro do STF Joaquim Barbosa
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O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, declarou que a adoção do semipresidencialismo no Brasil seria um ‘erro político imperdoável’, ‘um salto no escuro’. As declarações foram dadas à coluna da jornalista Mônica Bergamo.

Durante a entrevista, ele viu com preocupação o debate sobre o sistema de governo que vem ganhando força com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e de ministros do Supremo Tribunal Federal como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

“Como você vai mudar de uma hora para a outra um sistema [o presidencialismo] que vem sendo aplicado há 130 anos no país, e trocar por algo que não se conhece? Eu acho isso muito irresponsável”, disse, explicando os motivos pelos quais o sistema, que ele diz não ser contra, não daria certo no Brasil.

“A começar pela quantidade absurda de partidos que nós temos. Um sistema desses requer um número pequeno, sólido e coeso de legendas, sem dissensões internas relevantes. Uma base leal que dá sustentação ao governo e não permite que ele caia a cada seis meses. Sem isso, não funciona. E como obter maioria sólida no Brasil, um país que tem 33 partidos?”.

Ainda durante a conversa, Barbosa ponderou que não há como comparar uma possível adoção do sistema no Brasil como a França, por exemplo, que adota o regime, também presente em mais de 50 países. Ele explicou que, no caso francês, o semiparlamentarismo foi adotado para corrigir um sistema que não funcionava e causava crises seguidas.

“A França adotou o sistema parlamentarista em 1871. De 1871 até 1940, início da Segunda Guerra Mundial, o país teve 120 gabinetes, 120 governos! Terminada a guerra, teve 24 governos de 1946 a 1958. Era uma queda de governo a cada seis meses, por qualquer motivo. Se o governo não conseguisse aprovar um projeto de lei, caía. Às vezes a própria maioria do governo derrubava o governo. Ou seja, era uma balbúrdia. Uma instabilidade governamental absoluta, absurda”, explicou.

“Daí a ideia de se injetar nele elementos do presidencialismo, mantendo o sistema parlamentar combinando com a figura de um presidente da República forte, eleito diretamente pelo povo, e não pelo Parlamento”, completou o ex-ministro do STF.

Barbosa colocou que o Brasil não está preparado para o sistema parlamentar, mas que entende muito bem o sistema presidencial. “O Brasil está acostumado, por 130 anos de prática do regime presidencial, a ter como referência um presidente da República. Não vai entender, por exemplo, a queda de um governo a cada seis ou sete meses, proporcionada por pessoas [os parlamentares] com as quais a população não tem nenhuma identificação”, acrescentou, ao também considerar que os dois impeachments tidos no País ao longo de 33 anos ‘faz parte das regras do jogo’.

O ex-ministro projetou o que teria acontecido no Brasil em 2020 se o país estivesse sob o semipresidencialismo. “Provavelmente Jair Bolsonaro nomearia o primeiro-ministro, que tentaria aplicar as medidas necessárias para a crise sanitária e teria a oposição do presidente da Republica. O presidente acabaria destituindo o primeiro-ministro e criaria uma crise enorme com o Congresso”.

Por fim, ele criticou uma possível adoção do sistema de governo para dar poderes aos parlamentares e citou a possibilidade do Congresso, que nem sempre contam com boa representatividade da população, encurralarem presidentes da República. “Adotar o semipresidencialismo na intenção de transferir oficialmente a essência do poder a esses homens seria um erro político imperdoável. É uma aventura. Um salto no escuro.

Barbosa ainda colocou que a crise ela qual passa o País é administrável e que não vê motivos para ‘experimentos exóticos’. “A crise do país é administrável, fácil de resolver com a substituição do atual presidente pelas urnas por qualquer pessoa que seja normal, frequentável, aceitável, democrata, que não traga de volta esse ranço militar que Bolsonaro trouxe”.

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