Luana Tolentino

[email protected]

Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Conceição Evaristo em sala de aula

Projeto realizado por creche em Lauro de Freitas busca proporcionar felicidade e elevar a autoestima principalmente de meninas e meninos negros

Atividade do projeto Escrevivências infantis: diálogos
Apoie Siga-nos no

Publicar na internet textos sobre as práticas pedagógicas que tenho adotado em sala de aula proporciona-me muitas alegrias, entre elas a possibilidade de conhecer projetos realizados por professores e professoras de todo o Brasil. Sinto-me encorajada e fortalecida cada vez que recebo pedagogias comprometidas com a igualdade e com a justiça social.

Por meio do Facebook, conheci o belíssimo trabalho desenvolvido pelo Centro Municipal de Educação Dr. Djalma Ramos, localizado em Lauro de Freitas, município da Região Metropolitana de Salvador. Atualmente, o Centro atende 145 crianças com idade entre 0 e 5 anos. A creche é reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) como “instituição inovadora e criativa”. Nos últimos três anos, o CEMEI esteve entre os vencedores do Prêmio Professores do Brasil.

Em conformidade com a Lei nº 10.639/03, que determina o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira em escolas públicas e privadas do país, desde 2013, o CEMEI Dr. Djalma Ramos realiza projetos que têm como objetivo o combate ao racismo e à discriminação racial. Para tanto, o corpo docente tem partilhado com alunas e alunos o pensamento e a arte de personalidades negras, como Riachão, Carolina Maria de Jesus, Mariene de Castro e também as Ganhadeiras de Itapuã, grupo formado por 17 senhoras que cantam e encantam com cantigas e sambas de roda.

Leia Também:
Educação deve ser arma contra o racismo
“O círculo em sala de aula impede que os alunos fiquem invisíveis”

Neste ano, a vida e a obra de Conceição Evaristo norteiam as práticas de ensino adotadas pela escola baiana. Nascida em Belo Horizonte, Conceição é uma das escritoras mais celebradas na atualidade. Autora de seis livros, em 2015, Olhos d’água, publicado pela editora Pallas, foi vencedora do Prêmio Jabuti. Homenageada em feiras literárias de todo o país, a prosa e os versos de Conceição Evaristo têm sido objeto de estudo de pesquisadores do Brasil e do exterior.

Em conversa via whatsApp, Fátima Santana Santos, coordenadora pedagógica do CEMEI, explicou que o Projeto Escrevivências infantis: diálogos, memórias e histórias com Conceição Evaristo busca “proporcionar felicidade e elevar a autoestima principalmente das meninas e meninos negros. Segundo a educadora, conhecer a produção literária de Conceição Evaristo “impacta no reconhecimento e na valorização da pertença identitária das crianças matriculadas na creche”, o que é fundamental para a formação de indivíduos seguros e confiantes.

De forma pioneira, nos anos de 1980, Fúlvia Rosemberg empreendeu um estudo cujos resultados apontaram que, em geral, as crianças afro-brasileiras recebem tratamento discriminatório nas creches e escolas infantis do país. De acordo com Rosemberg, nos primeiros anos de vida, elas já experimentam “rotinas de espera: espera do banho, da comida, da troca de fraldas, do brinquedo.” A psicóloga concluiu que meninas e meninos negros que acessam esses espaços são socializados para a subalternidade.

Nesse sentido, o ambiente acolhedor e afirmativo proporcionado pelo Projeto Escrevivências infantis: diálogos, memórias e histórias com Conceição Evaristo rompe não somente com as bases extremamente eurocêntricas no qual estão assentadas a educação infantil no Brasil, mas também com as práticas excludentes e discriminatórias presentes no ambiente escolar.
É importante ressaltar que a presença de Conceição Evaristo na sala de aula não beneficia somente as crianças negras, mas também as brancas. Para melhor elucidar essa questão, mais uma fez faço uso do pensamento do antropólogo Kabengele Munanga:

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra interessa não apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos cotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza econômica e social e da identidade nacional. (MUNANGA, 1999, p. 16).

Como educadora e defensora da educação antirracista, sonho diariamente com o fim das práticas educacionais “envenenadas por preconceitos”. A beleza, a riqueza e o cuidado do Projeto Escrevivências infantis: diálogos, memórias e histórias com Conceição Evaristo provam que o meu sonho é possível.

Bibliografia:
Literafro – o portal da literatura Afro-brasileira. Disponível em http://www.letras.ufmg.br/literafro/. Acesso em 25/07/2018
MUNANGA, Kabenguele. Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 1999. p 15-21.

Luana Tolentino é mestra em Educação pela UFOP. Há 10 anos é professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana da cidade. Suas práticas pedagógicas partem do princípio de que é preciso construir uma educação antirracista, feminista e inclusiva, comprometida com o respeito, com a justiça e com a igualdade.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo