CartaCapital
A Semana: Golpe pelo Zap
Em mensagens de áudio, aliados de Bolsonaro tramaram passar por cima do comandante do Exército e mobilizar 1,5 mil soldados para derrubar Lula


Depois de ter ajudado o tenente-coronel Mauro Cid, braço direito de Jair Bolsonaro, a intermediar a obtenção de documentos fraudulentos de imunização contra a Covid-19, o ex-major Ailton Barros, tratado como “segundo irmão” pelo ex-capitão, pode tornar-se uma peça-chave nas investigações sobre a invasão das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. Mensagens de áudio obtidas pela Polícia Federal flagraram conversas de Barros com o então assessor especial da Casa Civil, coronel Élcio Franco, nas quais se discutiu abertamente um golpe de Estado contra Lula.
No diálogo, gravado na segunda semana de dezembro do ano passado, os dois reclamam da resistência do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, às ideias golpistas e falam até mesmo em prender um ministro do Supremo Tribunal Federal. “O Freire não vai. (…) Está com medo das consequências”, lamenta o coronel Élcio Franco, próximo ao ex-ministro Walter Braga Netto. Barros retruca e sugere mobilizar os efetivos do Exército: “Esse Alto-Comando de merda não quer fazer as porras. É preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes. Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1,5 mil homens”.
Além de ter de se explicar à PF sobre o que estavam tramando, Barros será enquadrado pelo Tribunal de Contas da União, que pediu a suspensão da pensão de 22 mil reais que sua “viúva” recebe da União. Após ser excluído do Exército, o ex-major forjou documentos que atestavam sua morte para obter o pagamento. Está enrolado até o pescoço, a menos que consiga negociar uma delação contra Bolsonaro.
O mensaleiro da Lava Jato
Na terça-feira 9, em depoimento ao juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Federal de Curitiba, o advogado Rodrigo Tacla Duran acusou o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, braço direito de Deltan Dallagnol na força-tarefa da Lava Jato, de receber até 500 mil dólares em pagamentos mensais para não processar doleiros investigados pela operação. A oitiva ocorreu por videoconferência, após a falta de garantias para que Tacla Duran retornasse ao Brasil sem ser preso. A ordem de prisão expedida em 2016 por Sergio Moro foi suspensa, mas um desembargador com fortes relações pessoais com o ex-juiz renovou o pedido. “A proteção era praticada mediante a cobrança de uma taxa, para que o doutor Carlos Fernando se comprometesse à não persecução penal dos doleiros que participavam da mesada”, diz o delator. O ex-procurador nega a acusação. “Desafio ele (Tacla Duran) a provar.”
Lava Jato/ Com a ajudinha de Tio Sam
Em relatório oficial, Moro menciona cooperação do FBI com a operação
O ex-juiz viajou para Washington com a comitiva presidencial em 2019 – Imagem: Edilson Rodrigues/Ag.Senado
Relatórios de uma viagem feita aos EUA por Sergio Moro, quando era ministro da Justiça, confirmam que o FBI ficou “à disposição” da força-tarefa da Lava Jato. Obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pela Agência Sportlight, os documentos revelam que Moro esteve em Washington em março de 2019, como integrante da comitiva de Jair Bolsonaro. No dia 18, Rhouda Fegali, chefe de operações internacionais do FBI, ofereceu um almoço ao ex-juiz, visando agradecer pelos “trabalhos já realizados” e trocar “impressões para atividades futuras”. Às 17 horas do mesmo dia, Moro reuniu-se com Christopher Wray, diretor do FBI.
Em dado momento, o ministro fala abertamente sobre a cooperação: “A diretora do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional) agradeceu ao FBI os trabalhos levados a cabo para a Operação Lava Jato, ressaltando a importância da iniciativa de terem destacado uma equipe para ficar à disposição do Brasil para os trabalhos”.
Até mesmo o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, parece convencido de que houve, de fato, uma cooperação informal. “Antes achava fantasioso o fato de os advogados do PT e muitos próceres do PT dizerem que os americanos se meteram nessa confusão (a Lava Jato). Hoje já não acho tão implausível que tenha havido esse tipo de combinação”, disse no programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira 8.
Sem a proteção do capitão
Na quarta-feira 10, o Supremo Tribunal Federal anulou o indulto concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao ex-deputado federal Daniel Silveira, condenado a 8 anos e 9 meses de reclusão pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação. Na semana anterior, a Corte já havia formado maioria pela inconstitucionalidade do perdão presidencial, em uma ação movida pelo PSOL. Desde fevereiro, Silveira cumpre pena em uma cela coletiva na Cadeia Pública Pedrolino Werling de Oliveira, conhecida como Bangu 8. Foi parar no cárcere assim que perdeu a imunidade parlamentar. E não tem mais a quem recorrer para escapar do cumprimento da pena.
Regulação/ Revide às Big Techs
O MPF interpela o Telegram por ofensiva contra o PL das Fake News
A empresa publicou um anúncio semeando o medo para os usuários – Imagem: iStockphoto
A Procuradoria da República em São Paulo pediu que o Telegram se manifeste, em até dez dias, sobre mensagens enviadas aos usuários na terça-feira 9 contra o PL das Fake News, a criar mecanismos para o combate à desinformação no ambiente digital. O ofício é assinado pelo procurador Yuri Corrêa da Luz. O MPF quer saber de quem partiu a ordem para o envio da postagem e qual é o trecho dos termos de uso da plataforma a permitir o disparo em massa. O descumprimento das determinações, acrescenta o procurador, pode configurar crime de desobediência judicial.
O texto enviado pelo Telegram aos seus usuários diz que “o Brasil está prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão”. Na postagem, intitulada A democracia está sob ataque no Brasil, a plataforma elenca motivos pelos quais considera a regulamentação das redes sociais “uma das legislações mais perigosas”. O anúncio foi publicado no grupo oficial do aplicativo no Brasil, com 62 mil inscritos.
Banco Central/ Sopro de esperança
Gabriel Galípolo chega em momento decisivo para salvar a política monetária
Economista de formação sólida, ele foi presidente do Banco Fator – Imagem: Washington Costa/MF
Caso raro de autoridade da área econômica, com bom trânsito tanto no Congresso quanto na iniciativa privada, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, assumirá o posto de diretor de Política Monetária do Banco Central. A instituição está conflagrada sob a presidência de Roberto Campos Neto, que por seis vezes consecutivas manteve a Selic em 13,75%, a taxa mais alta do mundo, a despeito dos numerosos indícios de que o remédio está matando a economia nacional.
Ex-presidente do Banco Fator, Galípolo não tem, contudo, um olhar restrito ao mercado financeiro. Considerado um economista de formação sólida e com um olhar permanente para a história, ele trabalhou na área de Parcerias Público-Privadas no governo de São Paulo, depois em uma consultoria que se tornou referência em infraestrutura, lecionou na PUC de São Paulo e foi conselheiro da Fiesp. Coautor de três livros com Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial e colunista desta revista, o novo diretor do BC tem uma visão arejada e atualizada de política monetária e deverá dar importante contribuição ao País em um momento decisivo.
Tributo a Zelic
Uma das principais vozes a denunciar a violência cometida contra os povos indígenas no Brasil, o pesquisador Marcelo Zelic morreu na segunda-feira 8, aos 59 anos, após sofrer um acidente vascular cerebral. Vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Zelic era coordenador do Projeto Armazém Memória e foi o responsável por organizar na Comissão Nacional da Verdade as denúncias de violações dos direitos humanos dos povos indígenas no período da ditadura. Neste ano, com a decisão do governo de expulsar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomâmi, o pesquisador destacou-se ao participar de discussões sobre saúde indígena.
Memória/ Despedida precoce
O ex-deputado David Miranda morre aos 37 anos no Rio de Janeiro
Miranda tinha dois filhos adotivos com o jornalista Glenn Greenwald – Imagem: Redes sociais
Após nove meses de internação na UTI da Clínica São Vicente, no Rio, o ex-deputado federal David Miranda morreu na manhã da segunda-feira 8, às vésperas de completar 38 anos. O parlamentar foi internado em agosto de 2022 com uma infecção gastrointestinal que se espalhou e provocou septicemia. Criado na Favela do Jacarezinho, David destacou-se como liderança jovem e foi eleito vereador em 2016, pelo PSOL, partido pelo qual conquistou também um mandato de deputado federal em 2019 como suplente de Jean Willys, que renunciou após receber ameaças.
Nas últimas eleições, concorreria a um novo mandato pelo PDT, mas acabou desistindo por causa da doença. David destacou-se ao atuar ao lado do marido, o jornalista Glenn Greenwald, nas revelações feitas pelo ex-analista Edward Snowden sobre espionagens feitas pelo governo dos EUA. Em 2019, foi eleito pela revista Time como um dos dez principais “líderes da nova geração”. Ele deixa dois filhos. “David era singular: o homem mais forte e compassivo que conheci. Não consigo descrever a perda e a dor”, resumiu Greenwald em comunicado.
EUA/ Trump condenado
O ex-presidente pagará 5 milhões de dólares a escritora por abuso sexual
O júri livrou o republicano da acusação de estupro – Imagem: Seth Wenig/AFP
De condenação em condenação, o destino do ex-presidente Donald Trump talvez não seja retornar ao Salão Oval da Casa Branca, mas ocupar um cubículo iluminado por uma janela quadrada em alguma penitenciária dos Estados Unidos. Na terça-feira 9 foi anunciada a sentença contra o republicano na ação movida pela escritora E. Jean Carroll na esfera cível. Apesar de rejeitar a acusação de estupro, o júri reconheceu o abuso sexual e a difamação. Trump foi condenado a pagar indenização de 5 milhões de dólares, cerca de 25 milhões de reais, à vítima. Carroll, de 79 anos, acusou o empresário de estuprá-la em uma loja de departamento na década de 1990. Como o crime prescreveu, ele não pode mais ser levado à prisão. A condenação é, no entanto, o prenúncio das tormentas que o ídolo de Bolsonaro vai enfrentar nos próximos tempos, especialmente nos processos por fraude fiscal e sedição, em decorrência do estímulo à invasão do Capitólio. “Não tenho ideia de quem é essa mulher. Esse veredicto é uma desgraça, uma continuação da maior caça às bruxas de todos os tempos”, reclamou o ex-presidente.
Convulsão no Paquistão
A prisão de Imran Khan, ex-primeiro-ministro do Paquistão, na terça-feira 9 por suspeita de corrupção provocou uma onda de protestos violentos nas ruas da capital Islamabad. Khan foi detido na Suprema Corte, onde trabalha atualmente. Não foi a primeira tentativa de levar à cadeia o ex-premier, que responde a uma centena de processos e havia sido deposto pelo Parlamento em abril do ano passado. Das outras vezes, fiéis correligionários impediram a polícia de cumprir o mandado. O partido de Khan postou uma mensagem: “Povo do Paquistão, esta é a hora de salvar o país. Você não terá outra oportunidade”.
Equador/ O pescoço de Lasso
Presidente vira alvo de processo de impeachment
Lasso não tem apoio popular nem uma base parlamentar forte – Imagem: Bolivar Parra/Presidência do Equador
A instabilidade política na América do Sul não tem ideologia. Por motivos diferentes, países do subcontinente estão mergulhados em crises e sobram raras ilhas de constância. No Equador, o presidente-banqueiro Guillermo Lasso, de direita, enfrentará um processo de impeachment, aprovado por 88 dos 116 congressistas (houve cinco abstenções) e avalizado pela Corte Constitucional. Lasso é acusado de peculato na administração da estatal Frota Petroleira Equatoriana. O ambiente lhe é hostil. A oposição liderada do exterior pelo ex-presidente Rafael Correa controla 50 cadeiras, contra 10 do partido governista. Embora os contratos sob suspeita tenham sido assinados antes da posse do atual mandatário, os opositores o acusam de fazer vista grossa à corrupção. Encurralado, sem apoio popular, Lasso ameaça usar de uma prerrogativa da Constituição, a chamada “morte cruzada”, para dissolver o Parlamento e convocar novas eleições gerais. Os defensores do impeachment precisam de 92 dos 123 votos da Assembleia Nacional.
Publicado na edição n° 1259 de CartaCapital, em 17 de maio de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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