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Traições, conchavos, politicagem: as entranhas da disputa pelo controle da CBF

Grupos políticos ligados aos clubes, às federações, aos dirigentes “históricos” e ao governo Bolsonaro disputam o comando da federação

Criatura. Caboclo, acusado de assédio, não quer largar o osso. (FOTO: Mauro Pimentel/AFP)
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Poder, vaidade, assédio, interferência governamental e cobiça movimentam a disputa pelo controle da Confederação Brasileira de Futebol, máquina de fazer dinheiro que gera cerca de 1 bilhão de reais por ano. Desde o afastamento, há três meses, de Rogério Caboclo da presidência da entidade, vê-se de tudo um pouco na queda de braço. Grupos políticos respectivamente ligados aos clubes, às federações, aos dirigentes “históricos” e ao governo Bolsonaro disputam o comando da organização, mas nenhum parece ter força suficiente para determinar os rumos no futuro imediato.

As rédeas da condução política no momento estão com as federações e o grupo dos “históricos”, ambos representados no Conselho de Administração formado pelos oito vice-presidentes da confederação. Em reunião no fim de agosto, o restrito colegiado decidiu manter o afastamento de Caboclo, acusado de assédio moral e sexual a uma secretária, e conduziu à presidência interina da entidade o ex-presidente da Federação Baiana de Futebol, Ednaldo Rodrigues, aliado de Ricardo Teixeira e José Maria Marin.

No mesmo dia, as 27 federações estaduais divulgaram uma carta aberta na qual pedem a renúncia de Caboclo. “O futebol deve estar comprometido com o repúdio ao racismo, à xenofobia e a quaisquer outras formas de discriminação e intolerância social, política, sexual, religiosa e socioeconômica”, afirma o documento. As palavras camuflam, no entanto, a tentativa de impedir que o dirigente, afastado por 15 meses, volte a tempo de cumprir os seis meses finais do mandato e influencie a sucessão. Tanto a suspenção de Caboclo quanto a nomeação de Rodrigues precisam ser referendadas pela Assembleia-Geral, da qual participam os cartolas estaduais.

Criador. Del Nero puxa o tapete do afilhado político. (FOTO: Gustavo Serebrenick/Brazil Photo Press/AFP)

Caboclo foi gravado ao perguntar à sua secretária se ela se masturbava. Ainda assim, para convencê-lo a renunciar, o Conselho de Administração concordou em substituir na denúncia o termo “assédio sexual e moral” pela singela “conduta inapropriada”. A concessão não foi suficiente para comover o presidente afastado: “Rodrigues não é presidente da CBF nem de fato nem de direito”, atacou em nota. O dirigente afastado não aceita a punição e recorreu à Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem. A Assembleia-Geral, inicialmente marcada para 25 de agosto, foi adiada até segunda ordem.

Padrinho político de Caboclo, com quem está rompido, o ex-presidente da CBF Marco Polo Del Nero é apontado pelo ex-aliado como responsável pelas denúncias. “Não renunciarei em nenhuma hipótese. Trata-se de mais um golpe eleitoreiro de Del Nero e seus vices para tentar ilegitimamente apossar-se da presidência”, insiste ­Caboclo na nota. Embora há cinco anos tenha sido ­banido do futebol por seu envolvimento no escândalo de corrupção conhecido como “Fifagate”, Del Nero mantém influência na entidade e teria operado a demissão, em junho, do então secretário-geral Walter Feldman, que permaneceu por seis anos na CBF.

Articulada por Gustavo Feijó, vice-presidente ligado a Del Nero, a saída de Feldman, segundo o próprio, foi consequência da tentativa de trazer os times para o processo decisório: “O diálogo com os clubes é a causa do meu afastamento. Antes da minha saída, as equipes da Série A solicitaram uma reunião com a direção da CBF. Queriam propor mudanças, mas houve forte resistência da direção. Eu, que nesses anos todos tive o papel de construir uma relação mais democrática com os clubes, insisti para que essa reunião acontecesse”.

Ednaldo Rodrigues, presidente interino, integra o grupo de Ricardo Teixeira e José Maria Marin

Feldman afirma que acabou punido por ter iniciado um processo de mudança gradativa da cultura política da entidade: “Os clubes eram atendidos regularmente, tinham passagem obrigatória pela CBF, que se tornou uma instituição procurada, dialogada. Passaram a ter a Comissão Nacional de Clubes, conselhos técnicos fortes, reuniões periódicas. Houve um empoderamento dos clubes que assustou uma parte da direção da CBF. Aquela reunião foi a gota d’água”. Enquanto Caboclo se recusa a largar o osso e Del Nero parece disposto a exercê-lo por intermédio do conselho de vice-presidentes, o ex-secretário-geral propõe um movimento a favor de eleições antecipadas: “Quando existe uma crise, é o momento de aprofundar o processo de construção democrática. O ideal seria a antecipação das eleições para superarmos tudo isso. Hoje temos em lados opostos os clubes, as federações e os vice-presidentes. Agora seria o momento do pacto, de reunir todo mundo para sair da crise. Os clubes, as federações, o torcedor e o próprio futebol são afetados, mas só os oito vices é que vão resolver”.

A indefinição sobre quem de fato controla a CBF tem estimulado as pretensões de alguns outsiders ligados ao governo Bolsonaro. Essa é a explicação para a decisão tomada em julho por um juiz de primeira instância do Rio de Janeiro que determinou a intervenção na entidade e a nomeação como interventores o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e o presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Carneiro. Os dois chegaram a comparecer à sede da CBF para tomar posse, mas a decisão foi revertida pelo Tribunal de Justiça. Ainda cabe recurso.

Oportunismo. “Parça” de Bolsonaro, Landim adota os métodos do ex-capitão na disputa pelo poder. (FOTO: Thiago Ribeiro/Agif/AFP)

Feldman define a tentativa de intervenção como “conduta absolutamente equivocada”, pois o Tribunal de Justiça não tem jurisdição sobre a CBF. “Eu diria que houve ingerência. Uma intervenção desse tipo poderia caracterizar interferência externa ao futebol, o que a Fifa não admite. Poderia levar eventualmente a uma intervenção da Fifa. Ela fez isso em episódios semelhantes.”

Após ganhar notoriedade por defender a liberação de público nos estádios no auge da pandemia, se aproximar de Bolsonaro e ser citado como substituto do general Hamilton Mourão na chapa presidencial de 2022, Landim, levado em conta seu estilo de gestão no Flamengo, não é garantia de democracia. No melhor estilo bolsonarista, o presidente rubro-negro manobrou para afastar seu principal adversário, o ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello, das próximas eleições no clube. O motivo da punição, aprovada por 52 votos a 30 no Conselho Administrativo, foi uma entrevista na qual Bandeira diz que a tragédia do Ninho do Urubu, quando morreram dez adolescentes da base do futebol, teria sido evitada se houvesse mais atenção da atual diretoria.

Em meio à confusão, Landim, aliado de Bolsonaro, tentou um golpe

“O processo foi político, com o claro objetivo de me afastar do clube e do próximo pleito eleitoral”, afirma Bandeira de Mello. “Não há qualquer fundamento técnico ou jurídico que justifique a denúncia e a punição, o que foi cabalmente demonstrado na minha defesa. Interpus recurso para que essa injustiça seja revertida.” O que acontece no Flamengo, diz, é um reflexo do País: “Há semelhanças evidentes, na medida em que o ódio e a intolerância vêm se sobrepondo aos legítimos interesses do clube e ao espírito de harmonia que deveria prevalecer”.

Sobre a CBF, Bandeira de Mello afirma ser preciso buscar novos caminhos. “Eu sempre fui um crítico do modelo de governança do futebol brasileiro, motivo pelo qual não votei no presidente da CBF recentemente afastado. Embora reconheça que muitos dirigentes profissionais da entidade são competentes e qualificados, não poderia concordar com um sistema que praticamente exclui os clubes das decisões que orientam nosso futebol.” Além dos times, os atletas e outros profissionais deveriam ser incluídos na discussão, defende.  “A democratização do processo decisório e a possibilidade de alternância de poder certamente contribuiriam para minimizar os problemas.” Desde a presidência do falecido João ­Havelange, o forte da CBF nunca foi a democracia, mas as negociatas.

Publicado na edição nº 1173 de CartaCapital, em 2 de setembro de 2021.

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