Sob o signo de Pirandello

As declarações de Lula nas suas duas últimas visitas causam rebuliço e diversas interpretações mundo afora

As visitas à China e aos Emirados Árabes deram o que falar – Imagem: Ricardo Stuckert/PR

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Assim é, se lhe parece
é o título de uma peça de Luigi Pirandello, o mais prolífico e completo escritor do século passado, como romancista, contista, teatrólogo e ensaísta, Prêmio Nobel em 1934

Ao tomar a palavra, Lula amiúde empolga-se com a sua própria autenticidade, embora nem sempre seja feliz no tom, a despeito da solerte assessoria do conselheiro especial Celso Amorim, a seu lado em diversas funções. Como chanceler, Amorim esteve com o presidente na tentativa de mediação da crise iraniana, conduzida juntamente com o presidente turco Recep Erdogan, em 2010. Nas duas entrevistas com as quais agora Lula ganha as manchetes, uma na recente viagem à China, outra nos Emirados Árabes, manifesta-se a respeito do conflito russo-ucraniano, e na sua fala, em ambas as ocasiões, exibe uma vocação pirandeliana.

Ambos os pronunciamentos se prestam a mais de uma interpretação, mas a mais transparente, a primeira, parece indicar a desaprovação da política dos Estados Unidos, a bem do melhor entendimento das razões de Vladimir Putin. Colhe de surpresa, desta forma, quantos o imaginaram neutral, embora um fio condutor supostamente lógico se desenrole ao longo de suas declarações. Conforme já se deu em outras oportunidades, Lula alegou não ter sido bem compreendido, conquanto suas palavras tenham sido cristalinas. É a partir delas que a situação se oferece à análise dos meios políticos nas mais diversas instâncias, desde as casas parlamentares até as organizações midiáticas. Com ­Amorim, Mino Carta conversou longamente na madrugada entre segunda e ­terça-feira, que para o conselheiro especial já era o dia seguinte, em virtude do fuso de cinco horas. Naquele momento, o desfecho do enredo parecia inimaginável, sem retirar ­Pirandello da ribalta. É evidente que ­Lula aspira a um papel de protagonista, e não é coisa de hoje. Houve um momento em que CartaCapital chegou e enxergar nos comportamentos do presidente a intenção de substituir o próprio papa. Não faltou quem inventasse um entrecho jocoso e anedótico, pelo qual Lula intervinha no Vaticano e, peremptoriamente, aposentava o papa Francisco para ele mesmo sentar-se ao lado de São Pedro na transferência aos gentios da graça divina.

Celso Amorim, fiel escudeiro – Imagem: Getty Images/AFP

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4 comentários

Wilson Roberto Barbosa Ramos 27 de abril de 2023 17h28
Parece que a única forma de isenção aceita é a concordância com o europeísmo. Paulo, em comentário anterior, concluiu que o único objetivo dos EUA com o conflito na Ucrânia é derrubar Putin. Vou além, não se preocupam com Putin, por pior que de fato ele seja. O que os EUA querem é colocar alguém dos seus no lugar de Putin. Não tem nada contra o autoritarismo, querem apenas controlar o autoritário, a exemplo do que fizeram na Ucrânia. E Lula sabe o que fizeram no Brasil também.
PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 23 de abril de 2023 21h37
O presidente Lula é um homem eminentemente sincero em suas considerações e argumentos. Não é de hoje que a mídia nativa tenta lhe atingir na seara política e diplomática. Mas Lula fala o que é a pura realidade e porque ele não pode dizer o que pensa, enquanto outros fazem coisas que não podem ser criticados? Qual a moral que tem os EUA e a União Europeia para criticar o presidente Lula, depois de tudo o que fizeram contra o Iraque, Líbia, América Latina... Porque o presidente não pode ter uma opinião do que foi a ocupação da Ucrânia, o que motivou o presidente Putin invadir o país vizinho, porque ele queria entrar na OTAN e se tornar uma ameaça bélica ao povo russo, além de que seus governo fez contra as minorias russas que estavam em seus territórios, além das práticas neonazistas que sempre adotaram. O que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky fez para contribuir para a paz entre o seu país e a Rússia, senão provocar o tempo todo e não aceitar acordos com os russos a fim de evitar tantas mortes de seus povos e destruição de seu país? Lula disse somente a verdade: Nem a Rússia, nem a Ucrânia, nem a União Europeia contribuem para a paz nessa guerra. E os Estados Unidos e OTAN só querem desestabilizar o governo russo, senão derruba-lo e apear Putin do poder. O boicote econômico caiu por terra, depois do acordo com a China. Os países europeus e Estados Unidos estão financiando com armas, munições e muito dinheiro a Ucrânia para vencer a guerra contra a Rússia. O presidente Lula falou o que é simplesmente a realidade dos fatos e não pode ser crucificado por isso, principalmente porque sempre foram os europeus e Estados Unidos que sempre desrespeitaram a soberania da América latina e do Brasil, porque foi sempre governado por presidentes subalternos a Washington. Meus parabéns ao presidente Lula. O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, em recente encontro com Lula, disse que pensa diferente do Brasil e enviaria armas para a Ucrânia. Se isso não é fomentar a guerra, o que é então? Eis que devemos chamar o papa Francisco para esclarecer se Lula tem ou não razão no que pensa e no que diz. Para mim, Lula está coberto de razão, caro Mino!
Cauê Porcé 23 de abril de 2023 01h58
Celso Amorim fez e continua fazendo um grande trabalho nas relações do Brasil com o mundo. A China mostra seus pontos em comum com o Brasil e o mundo parece ter expectativas com o terceiro mandato de Lula.
Mauricio Jose Falcao Carneiro 23 de abril de 2023 00h25
Tá passando da hora de dar um chega pra lá nos EUA

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