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Rio de Janeiro/ Cidade sitiada

Criminosos ateiam fogo em 35 ônibus em retaliação à morte de um miliciano

Rio de Janeiro/ Cidade sitiada
Rio de Janeiro/ Cidade sitiada
Ação da milícia na. Zona Oeste do Rio, em 2023. Foto: Reprodução/Redes sociais
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Os cariocas viveram mais um dia de terror na segunda-feira 23. Milicianos atearam fogo em 30 ônibus, cinco BRTs (veículos articulados usados em corredores expressos) e um trem da Supervia na estação Tancredo Neves, entre os bairros de Paciência e Santa Cruz. Mais de 17 mil crianças ficaram sem aulas, milhares de trabalhadores tiveram de se arriscar em vans clandestinas para retornar às suas casas e os prejuízos das empresas de transporte são estimados em 35 milhões de reais. Os ataques ocorreram em retaliação à morte de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, sobrinho de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe da maior milícia da Zona Oeste do Rio de Janeiro, conhecida como “Bonde do Z” ou “Família Braga”.

Alheio ao suplício imposto pelos criminosos à população carioca, o governador Cláudio Castro celebrou nas redes sociais a operação policial que resultou na morte do líder miliciano. “Hoje demos um duro golpe na maior milícia da Zona Oeste”, escreveu no Twitter, antes de bravatear: “O crime organizado que não ouse desafiar o poder do Estado”. Não apenas desafiou, como expôs a inação das forças de segurança durante a onda de ataques. As imagens captadas pelos telejornais, nas imediações dos focos de incêndio ou a partir de helicópteros, expuseram a letargia dos policiais e bombeiros para isolar as áreas dos ataques e debelar o fogo que reduziu a pó os ônibus.

No início da noite, durante uma balbuciante coletiva de imprensa, Castro informou que 12 suspeitos foram presos por “ações de terrorismo”. No dia seguinte, seis desses “terroristas” haviam sido liberados por falta de indícios de autoria e materialidade nos atos de vandalismo. O governador ainda tentou dividir, na terça-feira 24, a fatura da guerra travada em seu quintal. Segundo ele, não se trata de uma questão fluminense, e sim de “um problema do Brasil”. De fato, o crime organizado avança na maioria dos estados, mas nenhum outro parece ter perdido tanto o controle da situação como o Rio, com boa parte de seu território controlado por milícias e por facções do narcotráfico, sem mencionar as sociedades entre os grupos.

Em resposta aos apelos do governador, o ministro da Justiça, Flávio Dino, enviou mais 145 agentes da Força Nacional para reforçar a segurança no Rio. O grupo se juntará a outros 155 homens que já atuam no patrulhamento. Nas rodovias federais, o policiamento conta com 550 agentes federais, sendo 250 da Polícia Rodoviária Federal e 300 da Força Nacional.

Novo ministério

Após os ataques de milicianos no Rio de Janeiro, Lula voltou a defender, na ­terça-feira 24, a criação de uma pasta específica para enfrentamento à criminalidade. “Quando fiz a campanha, eu ia criar o Ministério da Segurança Pública. Ainda estou pensando em criar, vendo como ele pode interagir com os estados”, disse no programa Conversa com o Presidente. “Queremos compartilhar com os estados as soluções dos problemas.” Ricardo Capelli, ­secretário-executivo do Ministério da Justiça, é o principal nome cotado para assumir a nova estrutura, caso venha mesmo a ser criada.

São Paulo/ Espiral da intolerância

Adolescente vítima de homofobia abre fogo contra colegas em escola pública

Tarcísio de Freitas reconheceu o fracasso do Estado no combate ao bullying – Imagem: Paulo Pinto/ABR

Vítima de bullying por ser homossexual, um adolescente de 16 anos matou a tiros uma estudante e feriu outras duas em uma escola pública no Jardim Sapopemba, Zona Leste de São Paulo, na segunda 23. Aluno do primeiro ano do ensino médio, ele entrou no colégio por volta das 7h30, efetuou os disparos e depois foi apreendido pela Polícia Militar.

“A gente não pode deixar que esse tipo de coisa aconteça. A escola tem de ser um local seguro, tem de ser um local de convivência”, lamentou o governador paulista, Tarcísio de Freitas, ao reconhecer que o Estado falhou no combate ao bullying e à homofobia nas escolas. “Depois de uma situação dessas, você chega à conclusão de que não estamos sendo capazes.”

Giovanna Bezerra, de 17 anos, levou um tiro na cabeça e morreu. As duas feridas foram socorridas e levadas para o Hospital Sapopemba. O advogado Antonio Edio, que representa o atirador, confirmou que o adolescente pegou o revólver do pai escondido para o ataque por “não aguentar mais essa situação de homofobia”. Ao se solidarizar com as vítimas e seus familiares, o presidente Lula criticou o aumento do número de armas de fogo em posse de civis, incentivado por Jair Bolsonaro. “Não podemos normalizar armas acessíveis para jovens na nossa sociedade e tragédias como essas.”

Vale-tudo eleitoral

Em busca de reeleição em 2024, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, passou a adotar os mesmos métodos de seu padrinho político na disputa, Jair Bolsonaro. Em recente entrevista à Rádio Eldorado, insinuou que o deputado Guilherme Boulos, do PSOL, seu principal adversário, tem relações com o Hamas, grupo armado palestino que executou mais de 1,3 mil israelenses, a maioria deles civis. “O eleitor quer saber como é que está a cidade dele, se vai ter prefeito que é amigo da turma do Hamas, se vai ter prefeito que é adepto de invasão, de não atender à legislação.” Após semear a fake news, o emedebista, cuja administração é avaliada positivamente por apenas 23% dos paulistanos, segundo o Datafolha, arrematou: “Sou um cara que respeita as leis, né?” O alcaide parece ignorar o fato de que difamação também é crime.

Cracolândia/ Mad Max paulistano

Para escapar de ataque, motorista atropela 16 usuários de drogas

O foco na repressão e na dispersão dos adictos revelou-se um fiasco – Imagem: Rovena Rosa/ABR

Ao trafegar pela Avenida Rio Branco, no Centro de São ­Paulo, o motorista de um Volkswagen Virtus viu-se cercado por uma horda de usuários de drogas no cruzamento com a Rua dos Gusmões. Eles arrebentaram os vidros do carro, furtaram a bolsa da esposa e um celular na mão de uma criança no branco traseiro. Em atitude desesperada, o condutor acelerou o veículo e atropelou 16 pessoas aglomeradas na cena de uso de crack. Oito vítimas foram hospitalizadas, quatro delas com fratura exposta.

O episódio desnuda a falência da política de guerra às drogas decretada pelo prefeito Ricardo Nunes, do MDB, em parceria com o então governador Rodrigo Garcia (PSDB) e, a partir deste ano, com Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Em junho de 2021, a prefeitura e o governo estadual deflagaram a Operação Caronte, com o objetivo de dispersar os frequentadores da Cracolândia e sufocar o narcotráfico. Na prática, a iniciativa apenas fragmentou a cena de uso, espalhando usuários pela região central. Na região do 3º DP, de Campos Elísios, os roubos duplicaram em dois anos. De janeiro a agosto deste ano, foram 4.766, quase 20 por dia. No mesmo período de 2021, ocorreram 2.282 roubos, pouco mais de nove casos diários.

Irã/ Atrocidade desvelada

Garota de 16 anos morre após espancamento pela polícia da moralidade no metrô de Teerã

A garota foi abordada por não usar o hijab, denunciam ONGs de direitos humanos – Imagem: Redes sociais

A adolescente Armita Geravand, que estava em coma após ter sido espancada pela polícia da moralidade no metrô de Teerã, teve morte cerebral confirmada no domingo 22. Organizações de direitos humanos, como a Hengaw, foram as primeiras a noticiar a hospitalização da garota de 16 anos, que teria sido abordada por violar a lei que obriga o uso do hijab, véu que cobre os cabelos de mulheres muçulmanas. As autoridades iranianas negam a agressão e dizem que a jovem caiu após sofrer uma queda de pressão.

A empresa responsável pelo metrô de ­Teerã divulgou um vídeo que mostra a adolescente desacordada, sendo retirada do trem para a plataforma. O vídeo apresenta, porém, pontos de edição e não mostram o que ocorreu dentro da composição. Em setembro do ano passado, Mahsa Amini, de 22 anos, morreu sob custódia da polícia moral iraniana, após ser presa em Teerã por supostamente não usar o hijab da forma correta. O assassinato desencadeou a maior onda de protestos no país desde a Revolução Islâmica de 1979. A teocracia iraniana reagiu à mobilização com violenta repressão.

Com a bênção de Ancara

O presidente Recep Tayyip Erdoğan apresentou ao Parlamento da Turquia, na segunda-feira 23, a proposta de adesão da Suécia à Otan, a aliança militar liderada por potências ocidentais. Durante meses, Ancara bloqueou a adesão da Suécia à Otan, sob a alegação de que Estocolmo oferece refúgio a militantes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, o PKK. O grupo separatista aderiu à luta armada pela criação de um Estado para o povo curdo e é considerado uma organização terrorista pela Turquia, pela União Europeia e pelos EUA. Erdoğan cedeu aos apelos do governo sueco após barganhar com o presidente norte-americano, Joe Biden, um vantajoso acordo para a aquisição de 40 caças F-16 e 79 kits de modernização para aviões de guerra, ao custo de 20 bilhões de dólares.

Europa/ Tormenta no Báltico

A Otan ameaça retaliar a Rússia por suposta sabotagem em gasoduto

Moscou “não teve nada a ver com isso”, rebateu porta-voz do Kremlin – Imagem: iStockphoto

A Rússia e os países da Otan voltaram a trocar acusações, desta vez por conta de um incidente no Mar Báltico. A Finlândia, que aderiu à aliança militar do Ocidente meses após a invasão da Ucrânia, acusa Moscou de sabotar o Baltic Connector, gasoduto de 77 quilômetros de extensão que assegura o fornecimento de gás natural de ­Helsinque a partir da Estônia.

Diferentemente do ocorrido nos dutos russos Nord Stream, alvos de explosão submarina no ano passado, os investigadores acreditam que uma peça metálica grande e pesada, encontrada perto do local do vazamento, foi lançada intencionalmente de uma embarcação russa. Uma linha de transmissão de dados que corria em paralelo também foi cortada.

Helsinque pediu explicações à China e à Rússia sobre a presença de seus navios na região. Já Edgars Rinkevics, presidente da Letônia, ex-república so­viética vizinha da Estônia e integrante da Otan, sugeriu bloquear as rotas marítimas russas no Mar Báltico, se for comprovada a sua participação.

“Repito mais uma vez: a Rússia não teve nada a ver com isso. Qualquer ameaça tem de ser levada a sério, não importa de quem venha. Qualquer ameaça à Federação Russa é inaceitável”, reagiu Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, advertindo para a possibilidade de uma escalada no conflito em caso de retaliação aos navios russos.

Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 1° de novembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

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