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Trump testa os candidatos a vice em sua chapa como se estivesse em um programa de tevê

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Fidelidade. Trump procura alguém diferente de Pence, que se recusou a atropelar a Constituição e referendar um golpe – Imagem: Gage Skidmore e Patrick T. Fallon/AFP
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O último a ocupar o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos acabou alvo de uma multidão violenta que exigia seu enforcamento. Mesmo assim, enquanto Donald Trump se aproxima da nomeação republicana para presidente neste ano, não faltam candidatos ansiosos para ser seu vice.

É seguro presumir que Mike Pence, companheiro de chapa de Trump em 2016 e 2020, não conseguirá o trabalho desta vez. Sua recusa em cumprir a exigência do chefe de anular as últimas eleições causou uma ruptura permanente e fez de Pence um traidor e alvo dos rebeldes de 6 de janeiro de 2021.

Decididos, os substitutos de Trump em campanha nas recentes prévias partidárias em Iowa e nas primárias de New Hampshire, ambas vencidas com folga, têm tentado superar-se mutuamente com extravagantes demonstrações de lealdade. “Está muito claro que ele realiza essas audições abertas como se fosse O Aprendiz”, disse Kurt Bardella, estrategista democrata. “Ele vai flertar com todo mundo. Ele os fará dançar. Todos eles vão se rebaixar, se humilhar e disputar esse lugar.”

Quando concorreu pela primeira vez à Presidência, em 2016, Trump entendeu a necessidade de um vice-presidente que ajudasse a reforçar o apoio entre os republicanos evangélicos e conservadores, que suspeitavam do astro de reality show em seu terceiro casamento. Pence, então governador de Indiana e ferrenho conservador social, pertencia ao que Trump gosta de chamar de elenco central. Neste ano, os aliados de Trump e os estrategistas republicanos acreditam que ele precisa de auxílio para atrair eleitores suburbanos indecisos em alguns estados-chave, onde as eleições de novembro provavelmente serão decididas. Muitos comentaristas preveem, portanto, a escolha de uma mulher ou pessoa de cor, especialmente desde o fim do direito constitucional ao aborto.

Segundo Michael Steele, ex-presidente do Comitê Nacional Republicano, um dos fatores importantes para Trump é “o quanto eles seriam bajuladores, não apenas em termos de ‘Oh, eu te amo, Donald Trump’, mas também de ‘Você me ama o suficiente para que, quando eu lhe disser para violar seu juramento da Constituição, você o faça?’ Esta pessoa, para mim, é Elise Stefanik”.

Stefanik, 39 anos, a mulher de mais alto escalão na conferência ­republicana na Câmara dos Deputados e um dos primeiros integrantes do Congresso a apoiar Trump, parece ter cronometrado perfeitamente sua candidatura. Ela ganhou destaque nacional no mês passado, depois de envergonhar os diretores de três universidades importantes sobre o antissemitismo em seus campi durante uma audiência no Congresso, o que levou dois a renunciar posteriormente. ­Stefanik reivindicou vitória e declarou: “Sempre entregarei resultados”. Trump a teria descrito como uma “matadora”.

Desde então, Stefanik superou até mesmo o notoriamente obsequioso ­Pence. Pouco depois de Trump ter descrito os condenados por crimes na insurreição no Capitólio como “reféns”, ela repetiu o termo no emblemático programa da NBC Meet the Press. Quando Trump confundiu sua rival Nikki ­Haley com a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, enquanto falava sobre o dia 6 de janeiro, Stefanik negou descaradamente o que todos tinham ouvido.

Outra candidata é Kristi Noem, no segundo mandato como governadora de Dakota do Sul, após uma vitória esmagadora na reeleição em 2022. Ela ganhou atenção nacional depois de se recusar a impor a obrigatoriedade do uso de máscara no estado durante a pandemia. ­Noem fez campanha para Trump em vários eventos em Iowa no início deste mês. Depois, há o senador da Carolina do Sul Tim Scott, afro-americano. Scott era um antigo rival republicano de Trump, mas desistiu da disputa em novembro. Desde então, apoiou o ex-presidente e disse-lhe durante seu discurso de vitória em New Hampshire: “Eu simplesmente o amo”.

O ex-presidente não tem pressa em escolher o companheiro de jornada. E cobra fidelidade canina

Outros potenciais companheiros de chapa são a ex-secretária de Imprensa de Trump na Casa Branca e atual governadora do Arkansas, Sarah Huckabee ­Sanders, Ben Carson, secretário de Habitação de Trump, Kari Lake, que perdeu por pouco a candidatura para governadora do ­Arizona em 2022 e agora concorre ao Senado, o deputado da Flórida Byron ­Donalds, a deputada da Geórgia Marjorie Taylor Greene e o senador de Ohio J.D. Vance.

Parece haver uma ampla resistência à escolha de Haley, ex-embaixadora na ONU e rival à nomeação republicana. Em 19 de janeiro, ela disse que ser companheira de chapa estava “fora de questão”, enquanto Trump disse que “provavelmente” não a escolheria. Desde então, as relações entre os dois azedaram, com Trump a usar insultos como “cérebro de pássaro” e Haley criticando a idade e a acuidade mental dele. Além disso, as opiniões agressivas de Haley sobre a política externa, incluindo o apoio militar à Ucrânia, são uma heresia para a base “América em primeiro lugar” de Trump. O locutor de direita Tucker Carlson prometeu recentemente: “Eu não apenas não votaria a favor dessa chapa, como lutaria contra ela com toda a minha força”.

Trump disse publicamente que já se decidiu, mas segundo consta ainda telefona para amigos, apoiadores e doadores para pedir conselhos sobre quem deve escolher. Os riscos são extraordinariamente altos desta vez, e o velho ditado frequentemente citado do vice de Franklin Delano Roosevelt, ­John ­Nance Garner – “A Vice-Presidência não vale uma jarra de urina quente” –, talvez não se aplique em 2024: Biden tem 81 anos e Trump, 77, o que significa que a ­capacidade de um vice-presidente assumir o comando nunca foi tão pertinente.

Trump pode não estar com pressa de tomar uma decisão final. Quanto mais acenar com a perspectiva da Vice-Presidência, mais os aspirantes vão se ajoelhar e fazer tentativas elaboradas para cair em suas boas graças. Wendy Schiller, cientista política da Universidade Brown, concorda. “Ele acha que não precisa de ninguém para vencer esta eleição, então meu palpite é de que ele exigirá que muita gente importante lhe venha prestar homenagem. Depois, ele vai esperar a convenção, em julho, para anunciar, porque quer deixar claro que os vips são irrelevantes. De modo geral, estamos mais preocupados com quem será seu vice-presidente do que ele próprio.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1296 de CartaCapital, em 07 de fevereiro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Reality show’

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