CartaCapital
Privatização/ Pelo ralo
Assembleia Legislativa de São Paulo aprova a venda da Sabesp


Em uma sessão marcada por confronto entre manifestantes e a Polícia Militar, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, na quarta-feira 6, a proposta de Tarcísio de Freitas para privatizar a Sabesp, a companhia estadual de água e saneamento. O placar foi arrasador. Ao todo, 62 de um total de 94 deputados votaram a favor do projeto do governo. Houve um único voto contrário. Em protesto, a oposição retirou-se logo após a confusão, alegando que o plenário estava contaminado com o gás das bombas de efeito moral.
O governador não teve dificuldades de angariar um número de votos muito superior ao necessário, mesmo após o vexame da Enel – empresa privada de distribuição de energia – no apagão que deixou 2 milhões de paulistanos sem luz por mais de 72 horas. Acreditava-se que o episódio poderia aumentar a resistência às privatizações, mas os governistas não acreditam que serão punidos nas urnas por terem liberado a venda da Sabesp.
Agora, a oposição redireciona seus esforços em duas frentes. Primeiro, a batalha nos tribunais, questionando pontos específicos do projeto e os procedimentos do governo. Depois, na Câmara Municipal de São Paulo, onde os vereadores se mostram mais resistentes à proposta. A Sabesp tem um contrato de prestação de serviços com a capital paulista, responsável por cerca de metade do faturamento da empresa, a incluir uma “cláusula antiprivatização” – caso a iniciativa privada assuma o controle da companhia de economia mista, o acordo é rescindido automaticamente.
Com a rescisão do contrato, o município pode encampar as instalações da Sabesp, como reservatórios e estações de tratamento de água e esgoto, e abrir uma nova licitação para empresas dispostas a prestar os serviços. Interessado no apoio do governador para seu projeto de reeleição, o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, não pretende criar dificuldades. Mas vereadores da base, como o presidente da Câmara, Milton Leite, do União Brasil, criticam a privatização e acreditam que o tema pode contaminar o debate eleitoral em 2024.
Candotti, herói da ciência
Se é possível pensar em um alento, ao menos o físico Ennio Candotti viveu para assistir à derrota de Jair Bolsonaro. O ex-presidente era a antítese do professor, um militante da divulgação científica. Nascido em Roma, chegou em São Paulo ainda menino, em 1951. Presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em duas ocasiões, de 1989 a 1993 e de 2003 a 2007, e foi um dos fundadores das revistas Ciência Hoje e Ciência das Crianças, além da versão argentina, Ciencia Hoy. Em 1999 recebeu da Unesco o prêmio Kalinga, por sua contribuição à divulgação científica. Ocupava o cargo de diretor-geral do Museu da Amazônia. Candotti morreu na quarta-feira 6, aos 81 anos.
AlfaCon/ Escola de horrores
Ex-PM viraliza em vídeo no qual zomba da violação de cadáveres de mulheres
Guedes alega que foi apenas “um exemplo” em sala de aula – Imagem: Redes sociais
Nas redes sociais, viralizou um vídeo no qual o ex-policial militar Evandro Guedes, fundador da escola preparatória AlfaCon, especializada em concursos para profissionais da segurança pública, minimiza a pena prevista para quem viola corpos de mulheres no necrotério. Ao exemplificar a prática, ele menciona as assistentes de palco do programa Pânico. “Meu irmão, com aquele ‘rabão’. E ela infartou de tanto tomar ‘bomba’ na porta do necrotério. Duas da manhã, não tem ninguém, quentinha ainda. O que você vai fazer? Vai deixar esfriar? Meu irmão, eu assumo o fumo de responder pelo crime.”
O ex-policial ainda ensina a usar secador de cabelo no corpo após ele esfriar. Guedes reconhece que a prática é criminosa, mas acrescenta: “A pena é desse tamanhozinho (sic)”. Segundo o Código Penal, a punição prevista para vilipêndio de cadáver é de um a três anos de detenção e multa. Após a repercussão, Guedes disse que o vídeo foi “editado de forma a parecer que o professor em questão era praticante do crime, o que não é verdade”. No Instagram, Guedes disse ter dado apenas “um exemplo”.
Não é a primeira vez que a AlfaCon dá mau exemplo. Em 2016, Ronaldo Bandeira, agente da Polícia Rodoviária Federal, descreveu o uso de spray de pimenta contra suspeitos detidos no camburão de viaturas. “A pessoa fica mansinha”, disse, em meio a risadas, antes de negar a autoria do feito: “Sacanagem, eu não fiz isso, não”. À época em que o vídeo repercutiu na mídia, ele também disse que era uma “situação fictícia”.
Punição exemplar
A juíza Danielle Galhano Pereira da Silva, da 18ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou o ex-deputado estadual Fernando Cury, do União Brasil, a 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de importunação sexual contra a então colega Isa Penna, do PCdoB. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma multa de 20 salários mínimos, a serem doados para uma entidade pública ou privada, e pela prestação de serviços à comunidade. Em 16 de dezembro de 2020, Cury foi flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa se aproximando de Isa por trás e apalpando a lateral de seu corpo, perto de um dos seios, durante uma sessão plenária.
Fake News/ À espera de Godot
Moraes dá ultimato para a Meta entregar vídeo postado por Bolsonaro
Inquérito investiga a participação do ex-presidente no 8 de Janeiro – Imagem: Marcelo Camargo/ABR
Na terça-feira 5, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deu prazo de 48 horas para a Meta, controladora do Facebook, entregar um vídeo difundido por Jair Bolsonaro em 10 de janeiro, dois dias após os atos golpistas que devastaram Brasília. O conteúdo foi apagado pelo ex-presidente horas após a publicação. Em caso de descumprimento, a big tech terá de pagar multa de 100 mil reais por dia.
Bolsonaro é alvo de um inquérito que investiga sua participação nos ataques às sedes dos Três Poderes. Um dia antes do despacho de Moraes, a Procuradoria-Geral da República reiterou seu pedido para a Meta ser obrigada a disponibilizar o vídeo compartilhado pelo ex-capitão, no qual um procurador de Mato Grosso sustentava, sem provas, que Lula teria vencido a eleição em razão de fraude no voto eletrônico. Há 11 meses o Ministério Público Federal espera o envio do material pela empresa.
Venezuela/ Outra dor de cabeça
Maduro reaviva uma disputa com a Guiana
O presidente venezuelano cria um novo foco de tensão na América do Sul, como se faltassem problemas – Imagem: Ministério de Relações Exteriores da Venezuela
Ao pensar no colega Nicolás Maduro, é provável que o presidente Lula se lembre de Gardelón, personagem de Jô Soares famoso pelo bordão “Muy amigo”. Maduro empenha-se em deitar por terra o esforço de reinclusão de seu país nas instâncias diplomáticas e comerciais. Não faz muito tempo, Lula mediou a reaproximação de Caracas e Washington. Em troca da garantia de eleições transparentes, sem perseguição à oposição, os Estados Unidos acenaram com o fim do injustificável embargo imposto à Venezuela. A calmaria durou pouco. Em busca de uma causa para animar as bases, Maduro decidiu reavivar uma antiga disputa territorial com a Guiana. O governo venezuelano decidiu ignorar uma decisão do Tribunal de Haia anunciada na sexta-feira 1° e manteve o plebiscito no domingo 3 a respeito da criação de um novo estado, Essequibo, em uma área correspondente a 70% da atual Guiana. Os dois países disputam esse pedaço de terra desde o século XIX. Do total de eleitores, 96% aprovaram a proposta. Não se sabe ainda por quais vias Maduro pretende atender o “desejo popular” confirmado na consulta pública, se por meio da Justiça ou das armas, mas a simples retomada do assunto elevou as tensões na fronteira Norte brasileira, em um momento de incertezas quanto ao futuro da unidade sul-americana após a eleição de Javier Milei na Argentina. O presidente venezuelano aproveitou o resultado das urnas para enviar um recado a Joe Biden. “Estados Unidos, eu aconselho, longe daqui. Deixem que a Guiana e a Venezuela resolvam este assunto em paz.” Detalhe: a reivindicação territorial ressurge após a descoberta de novas reservas de petróleo na região.
George Santos vai à luta
O norte-americano filho de brasileiros George Santos entrou para a história da política dos Estados Unidos. Eleito deputado pelo Partido Republicano, Santos não resistiu ao terceiro processo de cassação. Perdeu o cargo na sexta-feira 1°, por 311 votos a 114. O parlamentar era acusado de variados crimes, incluído o uso indevido de fundos eleitorais, que teriam sido usados, entre outros, em tratamentos de beleza e assinatura de um site pornô. Como descendente de brazucas, Santos é, porém, um guerreiro, não desiste nunca. O ex-deputado, relata a rede britânica BBC, rapidamente arrumou outro modo de sobrevivência. Agora vende vídeos na plataforma Cameo. O autointitulado “ex-ícone do Congresso” cobra 200 dólares, quase mil reais, por gravação.
Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 13 de dezembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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