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Presente de Natal: uma edição de CartaCapital sem menção ao “dito-cujo”

Confira um artigo exclusivo de nossa Edição de Fim de Ano, que não trará ‘você sabe quem’ para estragar o almoço de família

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Se o clima de fim de ano traz ares de prosperidade e esperança, nada mais justo do que oferecermos um presente de Natal aos leitores que, em 2019, tiveram pouco desses sentimentos em relação à política nacional. A Edição de Fim de Ano de CartaCapital dá as caras neste 27 de dezembro para concretizar um sonho de milhões de pessoas: a possibilidade de debates inteligentes, profundos, urgentes e instigantes sem ter, uma vez sequer, o nome dele para estragar o clima.

O “dito-cujo” que sentou no Palácio do Planalto há quase um ano fez com que questionássemos se estávamos vivendo em uma democracia ou em um delírio coletivo. Quando olhamos para a realidade brasileira, porém, sabemos que ainda é necessário manter a sanidade, a produção de conhecimento e o jornalismo de qualidade.

Para ajudar na missão e agraciar, contamos com as vozes de Mino Carta, Dilma Rousseff, Celso Amorim, Juca Kfouri, Marcio Pochmann, Sidarta Ribeiro, José Sócrates, Saturnino Braga, Cynara Menezes, Esther Solano, Alberto Villas, Ladislau Dowbor, Anita Leocádia Prestes, Marcio Alemão, Jotabê Medeiros, Cadu Oliveira, Luiz Gonzaga Belluzzo, Djamira Ribeiro, Cristiano e Valeska Zanin, Rafael Valim e, claro, o desenho sempre afiado do cartunista Severo.

Para dar início aos trabalhos de 2020, deixamos aqui um aperitivo: a íntegra da coluna “Entre safras e cifrões”, de Cadu Oliveira, sobre quais foram os avanços e recuos no debate e no comércio da maconha em 2019. Seja um Sócio CartaCapital para ter acesso ao conteúdo completo na versão digital e física. Ou compre nas bancas, a partir deste dia 27/12. Apoie o jornalismo em 2020, já que “você sabe quem” não apoia mesmo.

Entre safras e cifrões

Por Cadu Oliveira

O futuro avança sobre os nossos calendários sem pudor. Chegamos ao fim da segunda década do século XXI sem automóveis voando, sem a cura para as principais doenças que afligem o corpo humano, sem respostas para a crise global do capital. Do contrário, temos a retomada do pensamento conservador autoritário, crescente nos índices de destruição do planeta e ainda expansão da crença no terraplanismo. Parece que estamos presos em uma espiral perdida do tempo com ritmo ditado pelo atraso. Armas são fabricadas sem nenhum temor, enquanto flores da maconha aterrorizam as reuniões de políticas públicas.

Essa relação de amor e medo estabelecida pela Cannabis explica muito sobre a nossa espécie. Os primeiros registros do uso da maconha remontam a milhares de anos. Todo esse tempo de convivência não foi, porém, suficiente (ainda) para que alcançássemos uma boa relação com a erva. Dessa forma, a planta que se relaciona com religião, história, arte, medicina e economia segue proibida na maior parte do mundo.

Há exceções, sempre. São lugares como Canadá, a maioria dos estados nos EUA, Holanda, Uruguai e Portugal. Em todos os outros países é possível encontrar, à margem da lei, algum traço de cultura canábica, mas também o risco de se ter problemas com as autoridades locais. No fundo, parece que a questão não está na natureza da planta, mas na dificuldade de se conviver com ela – juntamente com seus símbolos de resistência cultural e prazeres associados ao corpo e à alma.

A mudança desse prisma repressivo não se daria de outra maneira senão pelas engrenagens do capital. Neste ano, a erva esteve, como nunca, na mira dos grandes investimentos. Vários artistas e megaempresários de outros ramos voltaram suas fortunas ao crescente mercado da Cannabis legal. Enquanto isso, os lugares que optaram por cobrar impostos sobre a circulação da ganja enchem os cofres públicos.

O estudo da maconha medicinal avança cada vez mais. Só em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária recebeu mais de 5 mil solicitações para importação de remédios à base de maconha. No início deste mês, a Anvisa autorizou o registro e a fabricação desses remédios no Brasil, bem como sua venda em farmácias. A opção pelo plantio caseiro foi vetada, mantendo o monopólio da indústria farmacêutica.

Mas a maconha não é só droga (ou remédio). Neste ano tivemos mais produções culturais voltadas à Cannabis. O catálogo da Netflix é prova disso, com diversas opções de filmes e documentários sobre marijuana. No Brasil, a HBO estreou a série Pico da Neblina, que imagina como seria um cenário de legalização dentro da periferia de São Paulo.

No mundo da música, canções como Verdinha, de Mc Ludmilla, transformaram-se em hits absolutos, misturando sensualidade e bagulho. Nos EUA, o renomado prêmio de marketing e criatividade Clio Awards reconheceu uma nova categoria, a maconha. Em sua sexagésima edição, a premiação, em parceria com a revista High Times, escolheu os melhores em campanha publicitária, design de produto e marca, audiovisual e responsabilidade social.

A planta que se relaciona com religião, história, arte, medicina e economia segue proibida na maior parte do mundo

O ano também foi marcado pelo perigo relacionado ao uso de vaporizadores e cigarros eletrônicos. Nos EUA, dezenas de usuários morreram por problemas respiratórios ocasionados pelo emprego desses novos apetrechos tecnológicos para fazer fumaça. O alerta veio acompanhado pela crescente moda de vaporizar canetas com óleo de THC concentrado, uma forma de consumir Cannabis de maneira insuspeita, mesmo no ambiente público.

Nasceram ainda formas mais suaves e saudáveis de utilizar a erva. Destaque para o Sparkling Rosé, um vinho espumante que substitui o álcool por THC e CBD. A empresa tem sede na Califórnia e usa um processo de encapsulamento para remover 99,5% do teor alcoólico presente no vinho, adicionando a infusão dos canabinoides e vendendo cada garrafa de 750 mililitros a 38 dólares. E se tem maconha para beber, é claro que também tem para comer. A empresa americana Edible Arrangements lançou uma linha de comestíveis com canabidiol que deve conter batidas, panificados e frutas mergulhadas em chocolate.

O que se percebe, de fato, é que a legalização abre portas para inúmeros avanços, da tecnologia à medicina, passando pela economia. Contudo, seu uso ainda proporciona estigma social e problemas com a lei, seja você um cultivador, seja você um músico de sucesso. O cantor canadense Neil Young mora nos EUA desde 1960, mas, ao tentar obter a cidadania americana, teve dificuldades por admitir o uso de maconha medicinal. E o fundador do Cirque di Soleil, Guy Laliberté, foi detido por cultivar cannabis em sua propriedade particular na Polinésia Francesa.

A Cannabis é a substância ilegal mais consumida do mundo. Deve haver algum mistério em volta de tal vegetal tão cobiçado quanto coibido. Cultivado, mesmo proibido. Se eu pudesse pedir ao Papai Noel um presente à humanidade, seria respeito aos nossos ancestrais e muita sabedoria. Daí o nó sobre a questão da maconha certamente se resolveria.

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