CartaCapital
Para matar a saudade
Se alguém tinha dúvida de que era preciso, primeiro, salvar vidas para depois socorrer a economia durante a pandemia de Covid-19, a indústria do turismo tem a resposta, enterrando de vez o discurso negacionista do presidente Jair Bolsonaro, que trabalhou todo o tempo contra os […]


Se alguém tinha dúvida de que era preciso, primeiro, salvar vidas para depois socorrer a economia durante a pandemia de Covid-19, a indústria do turismo tem a resposta, enterrando de vez o discurso negacionista do presidente Jair Bolsonaro, que trabalhou todo o tempo contra os protocolos sanitários. Um dos setores mais atingidos desde o início da disseminação do Coronavírus e que amargou os piores índices econômicos do período, o turismo começa a dar sinais de recuperação no Brasil, depois de ficar paralisado a maior parte da pandemia. De março a outubro de 2020, a queda foi brusca e o mercado praticamente deixou de funcionar. No verão passado, ensaiou uma retomada, mas, a partir de fevereiro deste ano, com a segunda onda da Covid no País, o setor voltou a fechar, retornando de forma gradual com o início da vacinação, em março. De maio em diante, com o avanço da vacinação, as pessoas trocaram o confinamento por viagens e, hoje, em algumas regiões, os números superam o faturamento de 2019, considerado um ano histórico para o mercado.
O Nordeste é o maior exemplo desse crescimento. Alguns dos destinos têm alcançado, nos últimos meses, 100% de ocupação, como Fernando de Noronha e outras praias paradisíacas de águas mornas. Um levantamento da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), em parceria com a UP Soluções, mostra que a região segue uma tendência anterior à pandemia e é a mais procurada do turismo doméstico. De junho a agosto, os destinos preferidos foram Salvador, Praia do Forte e Porto Seguro, na Bahia; Porto de Galinhas e Recife, em Pernambuco; Fortaleza, no Ceará; Natal, no Rio Grande do Norte; São Luís, no Maranhão; e Maceió e Maragogi, em Alagoas. Atualmente, dois em cada três pacotes vendidos são para o mercado nacional.
ANTES DA PANDEMIA, OS BRASILEIROS GASTAVAM MAIS DE 19 BILHÕES DE REAIS NO EXTERIOR POR ANO. AGORA, PASSARAM A VALORIZAR OS DESTINOS DOMÉSTICOS
“O Nordeste é uma preferência histórica e agora isso ficou mais evidente. Toda crise traz alguma oportunidade. Com a pandemia, o brasileiro passou a valorizar mais o turismo doméstico, até porque muitos destinos internacionais estavam fechados”, explica Marina Figueiredo, vice-presidente da Braztoa. “Esperamos que o Brasil, privilegiado em belezas naturais, dê valor ao que tem. Se prefeitos, governadores e o presidente investissem na indústria de turismo, não existiria tanto desemprego no País”, acrescenta Manuel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), ressaltando que, antes da pandemia, o brasileiro deixava 19 bilhões de reais por ano em outros países, e menos de um terço desse valor no turismo interno.
As praias nordestinas sempre atraem muitos turistas e, com a pandemia, a procura ficou ainda maior. A região segue o protocolo da comunidade científica, que orienta as pessoas a optarem por lugares abertos, com menor possibilidade de contaminação. Os resorts são os queridinhos dos viajantes. Isso, porque o turista tem procurado locais que concentram num só lugar acomodação confortável, lazer e serviços. Em outro extremo, alguns buscam pousadas simples e afastadas de locais badalados. “Temos observado uma preferência por destinos com atividades ao ar livre, resorts à beira-mar, hotéis de serra e montanha, turismo de aventura e ecoturismo”, explica Maria Ângela Carvalho, da seção baiana da Associação Brasileira de Agências de Viagem, a Abav.
Arquitetura. O Farol da Barra, em Salvador, e o casario de Recife Antigo são uma pequena amostra da riqueza cultural nordestina
O casal Anamaria Nascimento e Wilson Silva, por exemplo, trocou destinos longos que costumava fazer antes da pandemia por viagens próximas do Recife, onde mora. “Temos dado cada vez mais valor aos destinos regionais, em contato com natureza e lugares abertos. Se não fosse a pandemia, não teríamos valorizado isso e perderíamos a oportunidade de conhecer lugares incríveis. Após um ano e meio em casa, estávamos sentindo muita falta disso”, relata Anamaria, acrescentando que, recentemente, o casal passou por Aracaju (SE), Triunfo (PE), Areia e Bananeiras (PB), Costa do Sauípe (BA), Jericoacoara (CE), Delta do Parnaíba (PI) e Lençóis Maranhenses (MA), dividindo-se entre praias, dunas, lagos, cachoeiras, cidades históricas e resorts.
Essa demanda reprimida do turista que passou mais de um ano confinado ou, como já se fala no meio turístico, a revenge travel (viagem de vingança) tem deixado a indústria do turismo e os estados nordestinos otimistas. Praticamente, todos os estados concederam incentivos fiscais às empresas do setor, no sentido de socorrê-las durante a pandemia e estimular a retomada do mercado. O retorno da iniciativa traduz-se em números. O Ceará, por exemplo, chegou a ter apenas 58 voos por mês na pandemia. Agora são mais de 4 mil e espera chegar, em dezembro, com 90% da malha aérea funcionando, como era antes. “Vamos continuar convivendo com a Covid-19, com os protocolos, mas estamos quase com os números de 2019 e chegamos até aqui sem fechar um só hotel”, comemora Arialdo de Melo Pinho, secretário de Turismo do Ceará.
A CHAMADA REVENGE TRAVEL, VIAGEM DE VINGANÇA DE QUEM FICOU CONFINADO POR MUITO TEMPO, ALIMENTA O OTIMISMO DO SETOR
O aquecimento do setor turístico também é visível em Sergipe. “No feriado de 12 de outubro tivemos uma ocupação de 90% a 100% na nossa rede hoteleira, o que mostra que o estado está na rota daquilo que as pessoas estão procurando: praias, serras, cachoeiras e cidades históricas, a maioria a céu aberto”, destaca Sales Neto, secretário de Turismo de Sergipe. A Bahia talvez tenha sido o estado mais afetado pela crise do Coronavírus, uma vez que o turismo de eventos é um dos seus carros-chefes, com festas o ano inteiro. “Nosso turismo não parou, ele apenas ficou proibido, porque não era permitido nem fazer batizados”, lamenta Maurício Bacelar, secretário de Turismo da Bahia, acrescentando que o governo estadual criou um projeto específico para lidar com a retomada do setor, que vai desde a imposição de um protocolo de segurança, passando pela qualificação e capacitação dos profissionais e gestores do setor, até a realização de obras de infraestrutura, para facilitar o acesso dos visitantes e a promoção de novos roteiros no estado.
Outro destino que tem atraído muitos turistas é o litoral alagoano, considerado o “Caribe” brasileiro. Algumas praias ainda são pouco exploradas, como na Rota Ecológica dos Milagres, chamando atenção de quem busca contato com a natureza e tranquilidade. As consagradas Porto de Galinhas e Carneiros, em Pernambuco; Pipa e São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte; Morro de São Paulo e Porto Seguro, na Bahia; e Jericoacoara e Canoa Quebrada, no Ceará, continuam em alta. João Pessoa, na Paraíba, também não saiu do radar dos turistas, sobretudo daqueles que não gostam de se afastar totalmente dos centros urbanos, mas não abrem mão de praia, sol e belas paisagens. É também na capital paraibana onde o sol nasce primeiro no Brasil, mais precisamente na Praia de Ponta do Seixas, a parte mais oriental das Américas. Diante de tantas belezas, dá para entender o porquê de o Nordeste ser o destino preferencial dos viajantes brasileiros e de tantos estrangeiros. •
“O CRESCIMENTO VEM COM AS VACINAS“
Magda Nassar, da Abav, analisa as perspectivas do setor para 2022
“As medidas de prevenção devem permanecer“, avalia
É visível o otimismo na indústria do turismo, mesmo com a pandemia da Covid-19 ainda em curso. Em entrevista a CartaCapital, a presidente da Abav, Magda Nassar, garante que as empresas estão preparadas em relação aos protocolos sanitários, os quais serão incorporados por muitos anos. “O viajante tem de fazer a parte dele, que é cumprir as medidas de segurança. A indústria do turismo tem feito a sua e a ciência tem feito a dela, que é a vacina. Esses três itens em conjunto vão gerar uma segurança de 100% para os turistas.”
CartaCapital: Como a senhora avalia a retomada do turismo no Nordeste?
Magda Nassar: O setor de turismo foi superafetado com a pandemia, não só no Nordeste, mas no Brasil inteiro. Foram meses dificílimos. Em outubro de 2021, a gente começou a sentir uma pequena recuperação, em decorrência das férias de verão. Logo após o Carnaval tivemos uma queda abrupta, com a segunda onda de Covid. Hoje, o cenário é muito diferente. Desde março, quando a vacina se tornou uma realidade no País, aumentou a busca pelo turismo. Temos certeza absoluta de que esse crescimento vem acompanhado do aumento da vacinação. O ano de 2022 promete ser bastante interessante.
CC: Que tipo de exigências os turistas fazem no contexto da pandemia?
MN: Bem, o vírus não desapareceu, não foi erradicado, então os protocolos são supernecessários, aliados à vacinação, que todo mundo sabe ser efetiva. O viajante tem de fazer a parte dele, que é de cumprir os protocolos de prevenção, a indústria do turismo tem feito a sua, e a ciência tem feito a dela, que é a vacina. Esses três itens em conjunto vão gerar uma segurança de 100% para os turistas.
CC: As pesquisas revelam uma predileção dos brasileiros pelo Nordeste. Como está sendo a retomada na região?
MN: O Nordeste sempre foi o destino número 1 do brasileiro e a região tem mesmo uma infraestrutura excelente. Hoje, não oferecemos apenas sol e praia, temos gastronomia, artesanato, cultura, shows e outras atividades. Vemos um desenvolvimento galopante, há cidades muito preparadas para receber o turista e acredito que estamos consolidando essa posição de destaque.
CC: Qual é a diferença entre o turismo de antes e pós-pandemia?
MN: Estamos adquirindo novos hábitos. É só lembrar dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos EUA, fato que afetou os procedimentos de segurança no mundo inteiro. Quando passamos pelo raio X, às vezes é preciso retirar o sapato ou se submeter a um escaneamento mais completo. Ninguém pode levar líquido na bagagem de mão, são procedimentos que foram incorporados ao hábito de viajar. Assim será com a pandemia. Usar máscara, álcool em gel, manter o distanciamento social e as vacinas em dia são protocolos que dificilmente serão dissociados das viagens nos próximos anos.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1187 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE DEZEMBRO DE 2021.
CRÉDITOS DA PÁGINA: ALEX ROBINSON/ROBERT HARDING/AFP E ISTOCKPHOTO – ABAV, PREFEITURA DE RECIFE E MINISTÉRIO DO TURISMO
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