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Para compensar paralisia pela Covid, o mercado de festivais quer viver 4 anos em dois

No agitado calendário de shows marcados para os próximos dois anos no Brasil, há espaço, inclusive, para a volta dos ­Backstreet Boys

(FOTO: Ariel Martini/Lollapalooza Brasil e Grupo Prisa)
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Quando o quinteto pop ­Backstreet Boys se apresentou na Jeunesse Arena (Rio), no dia 13 de março de 2020, o público dava os primeiros sinais de preocupação com a pandemia, que, à altura, ainda tinha um quê de filme de ficção científica. Os lugares vazios na plateia e na arquibancada mostravam que algumas pessoas, mesmo tendo comprado ingressos, preferiram ficar em casa.

Foi, porém, no dia seguinte que o universo do showbiz teve a exata noção da gravidade da situação. Depois de o governo e a prefeitura de São Paulo terem desaconselhado eventos públicos com a presença de mais de 500 pessoas, o show paulista do grupo foi cancelado. O que aconteceu em seguida foi um efeito cascata. Vários festivais foram adiados por período indeterminado. A cadeia produtiva da música ainda contabiliza os prejuízos, mas começa a se preparar para fazer a engrenagem voltar a girar.

O Lollapalooza e o Rock in Rio estarão de volta em 2022. O primeiro acontecerá em março, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. O segundo será em setembro e tem a lotação praticamente esgotada. Roberto Medina, idealizador do Rock in Rio, promete, ainda, para setembro de 2023, outro festival de proporções gigantescas, desta vez em São Paulo – o The Town.

O Allianz Parque, em São Paulo, outro ícone no calendário de shows, prepara a retomada para 4 de dezembro. “Estamos com 48 reservas de shows e 32 reservas de eventos corporativos. É um número superior ao nosso recorde, que foi de 28 shows em 2019”, diz Cláudio Macedo, CEO da WTorre Entretenimento. “Faremos quatro anos em dois.”

Há ainda quem tenha enfrentado a pandemia de frente. O DC Set Group formatou uma empresa no ano de 2019 para trabalhar com eventos de grande porte – desde exposições a festivais tradicionais de música e eventos internacionais. “A pandemia nos afetou de forma agressiva. É tempo de reconexão”, afirma Rodrigo Mathias, CEO da companhia.

Entre os profissionais do showbiz, tornou-se corriqueiro, não sem razão, o lamento “fomos os primeiros a fechar e os últimos a abrir”. Uma pesquisa feita pela União Brasileira dos Compositores (UBC), em parceria com a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), divulgada em julho de 2020, consultou 883 músicos, cantoras e compositores. Eles perderam 86% de renda, e 30% não tinham ganhado 1 centavo sequer no período.

“A ideia sempre foi trabalharmos com plateia completa”, diz Macedo, do Allianz Parque

A situação não é exclusiva do Brasil. Um levantamento feito pela UK Music, entidade que cuida dos direitos dos músicos britânicos, mostra que, no Reino Unido, um em cada três músicos perdeu o emprego em decorrência do Coronavírus. Cabe lembrar ainda que a indústria do entretenimento carrega consigo os mercados do turismo e dos eventos.

Os Estados Unidos e a Europa têm experimentado eventos ao vivo, desde março deste ano. Eles vão de baladas e festivais de pequeno porte a apresentações em grandes ginásios, nos quais o público só entra se levar um comprovante de vacinação. Foi assim com a performance do quinteto americano de rock Foo Fighters, no Madison Square Garden, em junho. A apresentação foi sucedida por concertos do cantor Harry Styles e da banda Eagles, entre outros grandes nomes do showbiz.

No Brasil, a volta demorou um pouco mais. Desde abril de 2020, o mercado musical vinha vivendo, basicamente, de lives. No segundo semestre do ano passado, surgiram as apresentações em Drive-ins. Mas o desconforto de se ver um show trancado em um carro, somado ao posterior aumento no número de casos de Covid-19, fez com que a iniciativa fosse por água abaixo.

Meses atrás, houve uma leve abertura para concertos, musicais e casas de pequeno porte, mas ainda com limitação do público. Apenas desde a segunda-feira 1º de novembro o governo do estado de São Paulo autorizou a realização de espetáculos sem limite de ocupação. Ao contrário do que aconteceu com os cinemas ou teatros, os grandes espaços de shows preferiram não trabalhar enquanto havia o limite.

“A ideia sempre foi trabalharmos no esquema de plateia completa, não reduzida”, diz Macedo. O Allianz Parque retorna à rotina de megaespetáculos com uma apresentação de Alexandre Pires e Seu Jorge. Na sequência, haverá o Boteco do Gusttavo, do cantor sertanejo ­Gusttavo Lima, que teve quase todos os ingressos vendidos apenas três horas depois de ter sido anunciado.

Macedo, CEO da WTorre, deixa claro que as apresentações seguirão à risca os mandamentos do novo normal. Haverá totens de álcool em gel espalhados pelo estádio, teste de Covid, obrigatoriedade da carteira de vacinação e o uso de máscara em áreas comuns. Outra novidade será um aplicativo no qual o espectador poderá pedir um lanche e pegá-lo no balcão, sem necessidade de contato físico.

Volta. O Lollapalooza, adiado em 2020 e em 2021, deve acontecer em março do ano que vem no Autódromo de Interlagos. (FOTO: Helena Yoshioka/Rock In Rio Oficial)

Segundo um levantamento feito pela Associação Brasileira dos Produtores de Eventos (Abrape), em julho do ano passado, 48% dos entrevistados afirmaram sentir falta de ir a shows. Passado um ano, esse porcentual tinha aumentado mais 2%. A pesquisa indicou, em 2020, que 66% dos consultados acreditavam ser muito arriscado ir a espetáculos. Hoje, esse número baixou para 44%. E se, em 2020, apenas 10% dos entrevistados disseram que iriam sem medo a um show, hoje o porcentual é três vezes maior. A máscara é, contudo, a condição exigida pela maioria para a volta a esses espaços.

Outro estudo, feito pelo Datafolha e pelo Instituto Cultural Itaú, mostra que 24% da população sentiu falta de shows. ­Trata-se da segunda atividade cultural da qual as pessoas mais sentiram falta na pandemia – em primeiro lugar apareceu o cinema. Uma pesquisa concluída, na semana passada, na França mostrou, ao mesmo tempo, que, apesar da manifestada saudade dos shows, os franceses ainda estão reticentes quanto ao retorno. Enquanto 51% das pessoas que tinham o hábito de ir ao cinema voltaram a uma sala após a exigência do passaporte da vacina, no caso dos shows esse número é de apenas 27%.

Aqui, por outro lado, a procura por ingressos do Rock in Rio funcionou como indicativo de que o público está de fato disposto a retornar às aglomerações musicais. Colocados à venda no fim de setembro, os 200 mil bilhetes Rock in Rio Card – que permitem ao comprador escolher o dia que deseja assistir antes da venda oficial – se esgotaram em menos de uma hora e meia. “Não acredito no novo normal. O normal é dar a mão, abraçar e beijar”, aposta Medina.
O otimismo do criador do Rock in Rio é compartilhado por Martins, do DC Set Group. A empresa uniu-se ao empresário Phil Rodriguez para investir pesado em apresentações de grupos internacionais e prevê também um retorno triunfal de Roberto Carlos aos palcos, numa ­performance em estádio.

Uma pesquisa indica que 44% das pessoas ainda acham arriscado ir a um show

Para Paulo Baron, da Toplink, empresa que investe em apresentações de grupos de heavy metal, o cataclismo provocado pela pandemia no universo dos shows “separou o aventureiro do profissional competente” e, a partir do controle da pandemia, quem sobreviveu terá muito o que colher. “Um ponto que merece atenção, e acredito que impactará diretamente na recuperação, será como os diferentes governos regionais vão se posicionar em relação a essa retomada”, acrescenta Anna Luiza Fonseca, CEO da Íntheggra e Especialista em Diplomacia Corporativa.

Apesar de o presencial ser o coração desse negócio, há ainda quem acredite em uma mudança no próprio perfil da atividade. “A gente aprendeu métodos que serão vitais para os próximos quatro, cinco anos”, diz Cairê Aroas, da Diverti Eventos, que cuida de grandes eventos e rodeios. “Acredito numa mistura híbrida de apresentações ao vivo e virtuais.”

No agitado calendário de shows marcados para os próximos dois anos no Brasil, há espaço, inclusive, para a volta dos ­Backstreet Boys, que tiveram a turnê interrompida em plena ponte Rio-São Paulo. A DNA Tour do grupo está marcada para janeiro de 2023.

Publicado na edição nº 1183 de CartaCapital, em 4 de novembro de 2021.

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