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“Não queremos reviver luta armada”, diz documentarista

“Codinome Clemente”, filme de Isa Albuquerque, conta a história de Carlos Eugênio Paz, guerrilheiro na luta contra a ditadura

Foto: Divulgação
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Por Elcio Ramalho

“Codinome Clemente”, filme da diretora Isa Albuquerque, foi exibido nesta semana no Festival de Cinema Brasileiro de Paris. Ainda inédito no Brasil, o documentário, que conta a história de Carlos Eugênio Paz, guerrilheiro na luta contra a ditadura militar (1964-1985), revoluciona ao propor um depoimento extremamente honesto e revelador, segundo a cineasta, que falou com a RFI.

Carlos Eugênio da Paz integrou o movimento Aliança Libertadora Nacional e foi durante sua atuação que ele recebeu o codinome “Clemente”. “Ele é um personagem extraordinário, por ter uma capacidade de revelação que não encontrei em nenhum outro militante desse período. Ele coloca claramente como eram os bastidores da luta armada isso é novo”, revela.

Isa Albuquerque conta que já conhecia Carlos Eugênio e, sempre que o ouvia contando sua história, ficava com a impressão de que ela precisava ser registrada e compartilhada. “Clemente” foi um dos homens mais procurados pelo regime militar, sem nunca ter sido preso. “Ele fez parte de uma organização que agregou 15 mil militantes no Brasil inteiro. Todo esse tecido político da clandestinidade é traduzido através das ações armadas do ‘Clemente’. Ele comandava os grupos de fogo e fazia parte de uma ala mais radical e extremista.”

O contexto geopolítico era intenso, como lembra a cineasta, afirmando que o mundo, na época, estava dividido em duas grandes ideologias: o capitalismo e o socialismo. “Todo jovem se via diante de uma escolha. No caso do Carlos Eugênio, ele escolheu pegar em armas para lutar contra a ditadura e implantar um regime socialista. Essa dualidade sempre me chamou atenção e eu sempre quis saber mais desses jovens que me antecederam”, conta Isa Albuquerque.

Esforço de memória

O trabalho de realização da obra não foi fácil. “Foram anos e anos gravando os mesmos depoimentos, mudando de locação – às vezes em casa, às vezes nos locais das ações armadas – e, aos poucos, ele foi elaborando melhor esse processo da autorevelação”, explica. Isa ressalta que, para ela, foi estranho terminar o filme num momento em que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, faz elogios à ditadura militar. “Parece que foi uma construção do destino. [O documentário] chega às telas justamente quando se questiona toda uma narrativa, quando se tenta reconstruir a narrativa dos anos 1960. É um filme contra essa narrativa falseada que está aparecendo.”

Isa Albuquerque considera importante estabelecer esse debate com seu filme no país. “Nós vivemos hoje numa uma sociedade distópica, que elegeu um governo de extrema direita e que defende o armamento da população. Eu sou contra, apesar do filme falar de luta armada”, ressalta.

“Temos um presidente que defende a tortura, eleito pelas fake news. A esquerda perdeu a base, perdeu a narrativa do regime militar. Acho que o filme vem para contribuir, contar que país era esse que sofreu um golpe militar e que obrigou pessoas como Carlos Eugênio Paz, que entrou para a luta armada aos 15 anos, a enfrentar esse destino. Não queremos reviver esse período”, finaliza.

Veja a entrevista completa:

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