CartaCapital
Memória/ O futebol de luto
Morrem duas lendas, Zagallo e Beckenbauer


Em um intervalo de 48 horas, duas lendas do futebol mundial penduraram de vez as chuteiras. Zagallo tinha 92 anos, Franz Beckenbauer, 78. Ao lado do francês Didier Deschamps, o brasileiro e o alemão formavam um trio singular no esporte mais popular do planeta, vencedores de Copas do Mundo tanto como jogadores quanto como treinadores. À beira do gramado e diante dos microfones, Zagallo era impulsivo, apaixonado, em contraste com sua personalidade dentro de campo, um ponta-esquerda disciplinado e aguerrido, “moderno” para seu tempo, que recompunha o setor defensivo e criava as condições para o brilho dos companheiros mais talentosos. Um carregador de piano, não por acaso chamado de “formiguinha”. Beckenbauer também era um jogador à frente do seu tempo, de porte imperial, apelidado de Kaiser, às vezes zagueiro, às vezes volante, líder nato, cabeça erguida, visão panorâmica, jogo limpo, da mesma linhagem de cavalheiros do porte de Ademir da Guia, Franco Baresi e Zinedine Zidane. Embora o futebol continue a evoluir e a encantar os fãs, a produzir máquinas de gols como Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, Zagallo e Beckenbauer desfilaram pelos gramados em um momento glorioso, quando o esporte atingiu o estado da arte. Tão sublime quanto uma escultura de Michelangelo, tão surpreendente quanto uma peça de Shakespeare, tão dramático quanto uma tragédia grega. Zagallo, registre-se, continua a ser o único tetracampeão da história.
Cadeiras reocupadas
O futebol brasileiro começou 2024 sem treinador na Seleção e sem presidente na CBF. O cenário alterou-se rapidamente na última semana, mas o resultado não era bem o que os aficionados pelo esporte desejavam. Diante da recusa do técnico italiano Carlo Ancelotti, que preferiu renovar o contrato com o Real Madrid, o comando do time canarinho foi confiado a Dorival Júnior, que ajudou o São Paulo a conquistar o inédito título da Copa do Brasil em 2023. Quem esperava por renovação na CBF também deu com os burros n’água. Afastado do cargo por uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o cartola baiano Ednaldo Rodrigues retornou à chefia da confederação por força de uma liminar concedida por Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O caso será analisado pelo plenário da Corte.
Governo/ Lewandowski na Justiça
O ex-ministro do Supremo assume o lugar de Flávio Dino
Muda o ministro, muda o estilo – Imagem: Nelson Jr./STF
Prestes a assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino tentou até o último minuto emplacar Ricardo Capelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e assessor de longa data, em seu lugar, mas o presidente Lula, adiantava o noticiário político na quarta-feira 10, havia pendido por outro Ricardo. Lewandowski, aposentado do STF, será o substituto de Dino na pasta. Em termos de estilo, trata-se de uma mudança da água para o vinho. Ou melhor, do vinho para água. Lewandowski não é político de carreira, muito menos tem a verve do antecessor. Essa diferença provavelmente pesou na escolha. Dino foi importante ao longo de 2023 no embate verbal com o bolsonarismo, mas ficou muito exposto. Chamar de embate chega, aliás, a ser generosidade. O ministro da Justiça aplicou nocautes sucessivos na turba de congressistas ignorantes que se achava capaz de confrontá-lo. A poeira tende a baixar com Lewandowski, assim como os holofotes sobre a pasta. Os desafios continuam, no entanto, gigantescos. Cabe ao novo ministro colocar em marcha um plano eficiente de combate ao crime organizado.
Planeta em ebulição
O ano passado foi o mais quente da história, alerta o observatório Copernicus, da Agência Espacial Europeia. Com picos de calor em diversas partes do planeta, inclusive nos oceanos, a temperatura média global chegou a 14,98°C, exatamente 1,48°C acima do estimado em 1850, marco inaugural da Segunda Revolução Industrial. Esse aumento passa perto da meta traçada pelo Acordo de Paris, a recomendar que a temperatura global não exceda, até o fim deste século, 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Em 2023, metade dos dias do ano ultrapassaram esse patamar. A média superou em 0,17°C o recorde anterior, de 2016. “Provavelmente, acabamos de passar pelo ano mais quente da história. E, possivelmente, o mais quente ou um dos mais quentes dos últimos 100 mil anos”, lamentou o diretor do Copernicus, Carlo Buontempo, ao apresentar o relatório na terça-feira 9.
Terra Yanomâmi/ O morticínio persiste
Lula cobra esforço de ministros para proteger indígenas do garimpo
Fiscais do Ibama foram recebidos a tiros ao menos dez vezes em 2023 – Imagem: Ibama
Em reunião com ministros na terça-feira 9, o presidente Lula cobrou providências para cessar a onda de violência que assola os Yanomâmis. “Vamos ter de fazer um esforço ainda maior, utilizar todo o poder que a máquina pública pode ter, porque não é possível que a gente possa perder uma guerra para o garimpo ilegal, o madeireiro ilegal, para pessoas que estão fazendo coisas contra a lei. Temos territórios indígenas demarcados.”
Equipes de fiscalização do Ibama foram recebidas a tiros ao menos dez vezes na Terra Indígena Yanomâmi, entre fevereiro e dezembro de 2023, segundo um balanço das operações divulgado pelo instituto na sexta-feira 5. O número refere-se às operações para retirada de invasores da reserva. Segundo o órgão, esse trabalho reduziu em 85% as áreas de mineração ilegal.
Alvos da fúria dos garimpeiros, os Yanomâmis também seguem ameaçados pela desnutrição – voltaram a circular imagens de indígenas esquálidos – e por doenças infectocontagiosas. De janeiro a novembro de 2023, foram registradas 308 mortes de indígenas da etnia. Esse número é quase igual ao de 2022 inteiro, último ano da gestão Bolsonaro, quando foram registrados 315 óbitos.
França/ É uma cilada, Attal
O primeiro premier abertamente gay do país tem a dura missão de tentar reabilitar Macron
Ele também é o mais jovem a ocupar o cargo – Imagem: Lodovic Marin/AFP
Após a renúncia da primeira-ministra Élisabeth Borne, responsável por uma impopular reforma da Previdência na França, Emmanuel Macron nomeou seu carismático ministro da Educação, Gabriel Attal, para ocupar o cargo na terça-feira 9. Identificado com a ala mais à esquerda do partido do presidente, o Renascimento, ele torna-se o mais jovem premier da história moderna do país europeu e também o primeiro abertamente gay.
Conhecida como a “Dama de Ferro” da França, Borne teve uma sobrevida bem menos longeva que a original britânica, Margaret Tatcher. Despertou a fúria de amplos setores da sociedade francesa ao patrocinar uma reforma que aumentou a idade mínima e o tempo de contribuição para os trabalhadores terem acesso à aposentaria. A dura legislação contra os imigrantes só contribuiu para engrossar as manifestações pela sua queda.
Agora, Macron busca beneficiar-se da popularidade de Attal na tentativa de reconciliar-se com o eleitorado francês, de preferência antes das eleições para o Parlamento Europeu previstas para junho. Analistas franceses alertam, porém, para o risco de o novo premier perder seu capital político na arriscada operação de tentar lustrar a imagem turva do presidente.
Pet não é comida
Em decisão histórica, o Parlamento da Coreia do Sul aprovou, na terça-feira 9, uma legislação que proíbe a comercialização de carne de cachorro. Há tempos essa indústria entrou em declínio no país, em meio a campanhas pelos direitos dos animais e ao desgaste da imagem internacional do país. O consumo da controversa iguaria, uma prática secular na península coreana, não é explicitamente proibido nem legalizado, mas o abate e a venda passarão a ser punidos com dois a três anos de prisão a partir de 2027.
Equador/ Na rota dos cartéis
Fuga de chefe do narcotráfico desencadeia onda de violência no país
Líder dos Choneros, Fito cumpria uma pena de 34 anos de prisão – Imagem: Forças Especiais/Equador
Líder da maior quadrilha de tráfico de drogas do Equador, Adolfo Macías, mais conhecido como Fito, fugiu da prisão no domingo 7. Para facilitar o trabalho de captura do foragido, o recém-empossado presidente Daniel Noboa decretou um novo estado de exceção. Segundo seu governo, mais de 3 mil agentes de segurança estão no encalço do líder da gangue Los Choneros, incluindo homens das Forças Armadas.
O estado de exceção mostrou-se realmente necessário. Em várias regiões do país, foram registrados ataques com explosivos, inclusive a detonação de um carro-bomba em Quito. Policiais foram sequestrados e ao menos dez pessoas foram assassinadas. Criminosos fizeram reféns na Universidade de Guayaquil e também interromperam uma transmissão ao vivo da emissora de tevê TC.
Desde 2011, Fito cumpria pena de 34 anos de reclusão na Penitenciária Regional de Guayaquil, com capacidade para 4,4 mil detentos. Ele acumula condenações por crime organizado, tráfico de drogas e assassinato. Localizado entre Colômbia e Peru, os maiores produtores de cocaína do mundo, o Equador sofre com uma sangrenta disputa entre facções criminosas que possuem estreitas ligações com cartéis internacionais.
Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 17 de janeiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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