CartaCapital
Memória/ A serviço do Brasil
O diplomata Samuel Pinheiro Guimarães honrou o Itamaraty


O diplomata Samuel Pinheiro Guimarães era metódico e detalhista. Escrevia de forma compulsiva e fazia questão de compartilhar seus textos com amigos e jornalistas. Ideias organizadas em tópicos, argumentos expostos nos mínimos detalhes, visão abrangente da realidade, franqueza absoluta. Esteve ao lado do ex-chanceler Celso Amorim desde os tempos da Embrafilme e é um dos responsáveis por dar forma à diplomacia “ativa e altiva” que marcou o Itamaraty nos dois mandatos anteriores do presidente Lula, agora revivida. Amorim e Guimarães viveram altos e baixos no ministério, entre avanços e recuos, mas imprimiram, em parceria, uma marca. Ergueram a coluna vertebral da política externa do País após a ditadura e os anos de genuflexão de Fernando Henrique Cardoso. O esforço não foi em vão. Apesar dos estragos, o corpo diplomático brasileiro resistiu à invasão dos quadrúpedes e espécimes rastejantes na era Bolsonaro. Em uma nota longa e emocionada, Amorim, agora assessor especial da Presidência da República, despediu-se do companheiro. “Vale notar outra característica do Samuel: sua impressionante dedicação ao serviço público. Talvez haja algum outro servidor público tão devotado”, anotou. “Mas nenhum foi mais do que ele. Esta dedicação absoluta à causa pública e esta firmeza na defesa das ideias, contudo, não o impediam de conciliar – quando era necessário, politicamente, para alcançar um objetivo maior.”
Guimarães morreu na segunda-feira 29. Tinha 84 anos.
Coação eleitoral
O juiz Carlos Alberto Pereira de Castro, da 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis, condenou as lojas Havan e seu proprietário, Luciano Hang, a pagar 85 milhões de reais por coagir seus funcionários a votar em Jair Bolsonaro em 2018. Segundo a ação movida pelo Ministério Público do Trabalho, o empresário ameaçou fechar lojas e dispensar empregados, caso o petista Fernando Haddad ganhasse a eleição. Além disso, os trabalhadores teriam sido constrangidos a participar de “atos cívicos” e a responder enquetes em terminais de computadores da Havan, informando em quem votariam. Ao portal UOL, o primeiro a noticiar o caso, Hang classificou como “descabida e ideológica” a decisão do magistrado.
Saúde/ Zumbido perigoso
Brasil pode registrar até 4,2 milhões de casos de dengue em 2024
O El Niño criou as condições climáticas perfeitas para o Aedes aegypti se proliferar – Imagem: iStockphoto
O Brasil enfrenta um preocupante surto de dengue, alertou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, na terça-feira 30. Nas primeiras quatro semanas de 2024, foram registrados 217 mil casos da doença, número três vezes superior às 65,3 mil ocorrências do mesmo período do ano anterior. Ao todo, a moléstia provocou 15 mortes. Outros 149 óbitos estão sob investigação.
O Ministério da Saúde atribui essa explosão de casos às ondas de calor e chuvas intensas, que foram agravadas pelo fenômeno El Niño e criaram as condições climáticas ideais para a proliferação do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da arbovirose. Além disso, foi identificado o ressurgimento dos sorotipos 3 e 4 da dengue no território nacional.
Pelos cálculos da área técnica da pasta, 2024 deve terminar com 1,9 milhão de casos da doença no País. Essa estimativa pode variar, porém, de 1,4 milhão a 4,2 milhões de ocorrências até o fim do ano.
Cálculo oportunista
Na segunda-feira 29, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara de Fazenda Pública, determinou que a prefeitura de São Paulo, sob o comando do emedebista Ricardo Nunes, retome no prazo de cinco dias o serviço de aborto legal no Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital. O descumprimento pode gerar multa diária de 50 mil reais. Em 17 de janeiro, outro magistrado já havia ordenado a retomada do atendimento, mas ofereceu ao município a possibilidade de transferir os casos de interrupção de gravidez para outras unidades de saúde. No Brasil, o aborto só é autorizado em caso de feto anencéfalo, de gestação de risco para a mãe ou para mulheres vítimas de estupro, mas o prefeito parece mais preocupado em marcar pontos com o eleitorado bolsonarista.
França/ Cerco a Paris
Agricultores em fúria bloqueiam rodovias de acesso à Cidade Luz
O movimento contribuiu para melar o acordo UE–Mercosul – Imagem: Sameer Al-Doumy/AFP
A capital francesa amanheceu, na segunda-feira 29, com oito rodovias de acesso bloqueadas por tratores de produtores rurais enfurecidos com o governo de Emmanuel Macron. O movimento, liderado pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores, exige que o presidente corte impostos que incidem sobre o diesel de máquinas agrícolas e relaxe os termos do “acordo verde” da União Europeia, a impor um crescente número de exigências ambientais para os alimentos produzidos pelos países do bloco.
Os agricultores franceses também defendem restrições à importação de grãos da Ucrânia e pedem a rejeição do acordo da UE com o Mercosul. Em relação a esse último ponto, nem precisava o tratoraço. Há tempos Macron cria obstáculos ao tratado de livre-comércio e já pediu à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o fim das negociações.
O presidente francês queria impor aos agricultores dos quatro países do Mercosul as mesmas normas ambientais exigidas dos produtores na Europa, mas se recusou a aceitar um sistema de conciliação, caso qualquer das partes resolvesse suspender importações de forma intempestiva.
Venezuela/ Cartas marcadas
Sob influência de Maduro, Suprema Corte do país torna inelegível a principal opositora do governo
Corina Machado teve os direitos políticos cassados por 15 anos – Imagem: Vamos Venezuela
A Suprema Corte da Venezuela revalidou a inelegibilidade de María Corina Machado, a principal adversária de Nicolás Maduro, por 15 anos. A ex-deputada havia sido eleita nas primárias da oposição para enfrentá-lo nas eleições presidenciais deste ano, ainda sem data confirmada.
Machado foi declarada inelegível pela primeira vez em 2015, após ser acusada de irregularidades administrativas no período em que atuou como deputada. Foi alvo ainda de rumoroso processo de cassação do mandato parlamentar, após ter participado, em março de 2014, de uma reunião da Organização dos Estados Americanos como “embaixadora suplente” do Panamá. Na ocasião, ela denunciou violações aos direitos humanos que teriam sido cometidas na repressão policial a protestos contra Maduro.
Por conta da inabilitação eleitoral da principal opositora do regime, os EUA avaliam a possibilidade de retomar sanções contra a Venezuela, informou o porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller, no sábado 27. Segundo o comunicado de Washington, a decisão do tribunal “contradiz o compromisso assumido pelos representantes de Nicolás Maduro de organizar eleições presidenciais justas em 2024”.
Falência anunciada
As intervenções do governo chinês adiaram por certo tempo o destino anunciado. E ele veio na segunda-feira 29. Com dívidas acumulas de 300 bilhões de dólares (cerca de 1,5 trilhão de reais), a incorporadora Evergrande, segunda maior do país, teve sua falência decretada por um tribunal de Hong Kong, depois de não chegar a um acordo com credores estrangeiros. A companhia anunciou, no entanto, a continuidade das operações no país. A maior parte da dívida foi contraída com compradores locais de imóveis.
Oriente Médio/ Ameaça de retaliação
Biden culpa Teerã por ataque que matou três soldados dos EUA
O Exército ianque confundiu drone inimigo com equipamento próprio – Imagem: Planet Labs/AFP
O governo iraniano negou, na segunda-feira 29, ter tido qualquer participação no ataque que matou três militares dos EUA e deixou outros 34 feridos no nordeste da Jordânia. Joe Biden havia responsabilizado grupos apoiados por Teerã e prometido retaliação. “As acusações foram feitas com objetivos políticos específicos para reverter a realidade da região”, rebateu o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Nasser Kanaani.
O grupo Resistência Islâmica no Iraque, composto de milícias xiitas supostamente financiadas pelo regime iraniano, reivindicou a autoria do ataque. Biden não deu detalhes sobre a retaliação prometida, mas deve ter ficado constrangido com uma revelação feita pelo Financial Times. Segundo o jornal britânico, as tropas norte-americanas na Jordânia confundiram o drone inimigo com um equipamento próprio, deixando a base sem defesa naquele momento. A informação é atribuída a autoridades de Washington.
Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 07 de fevereiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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