Lava Jato/ Tardio despertar

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região declarou a suspeição de Eduardo Appio e anulou todas as decisões do juiz no âmbito da Lava Jato. A Oitava ­Turma do TRF4 concluiu o julgamento na quarta-feira 6, horas após o ministro Dias ­Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, considerar imprestáveis as provas dos acordos de leniência da Odebrecht – no mesmo despacho, o magistrado reconheceu que Lula foi vítima de “um dos maiores erros judiciais da história do País”.

Appio foi afastado da 13ª Vara Federal de Curitiba em maio, após ser acusado de aplicar um trote no filho do desembargador Marcelo Malucelli, fato negado pela defesa do juiz. Agora, ao julgar uma das 28 reclamações do Ministério Público Federal contra Appio, os desembargadores da Oitava Turma elencaram uma série declarações do magistrado à mídia, com críticas aos métodos lavajatistas, para apontar sua suspeição.

“A Lava Jato não precisa de juízes defensores ou críticos daquilo que foi levado a efeito desde o início das investigações”, avaliou o relator Loraci Flores de Lima. “O que se busca”, emendou, “é um magistrado que atue de forma equidistante.” Peculiar a repentina preocupação do TRF4 com a isenção do Judiciário. Quando Sergio Moro ocupava a 13ª Vara, o tribunal não enxergou qualquer traço de suspeição no magistrado, depois considerado parcial e incompetente para julgar os casos de Lula pela Suprema Corte.

A anulação das decisões de Appio não chega a comprometer investigações que causam enorme dor de cabeça para a República de Curitiba. O caso do grampo ilegal na cela do doleiro Alberto Youssef, revelado em primeira mão por CartaCapital, já havia sido transferido para a 23ª Vara Federal. Além disso, o STF avocou para si todos os processos relacionados ao advogado Rodrigo Tacla Duran, antigo colaborador da Odebrecht que acusa Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol de extorqui-lo para evitar sua prisão no curso das investigações da Lava Jato.

O último suspiro

Inconformada com o despacho de Dias Toffoli que invalidou as provas do acordo de leniência da Odebrecht e identificou na República de Curitiba o “ovo da serpente” dos ataques à democracia, a Associação Nacional dos Procuradores da República apresentou um recurso no STF contra a decisão, que segundo a entidade teria “extrapolado” os limites legais. Para a ANPR, o ministro não poderia entrar em assuntos disciplinares, que seriam da competência do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Dificilmente a Suprema Corte vai curvar-se ao esbirro corporativista. Na prática, a decisão de Toffoli representa uma pá de cal para a maior parte dos acordos fechados pela finada Lava Jato.

Fake news/ Mentira grotesca

MPF pede que Damares Alves e a União indenizem a população de Marajó

“Isso tudo é falado nas ruas”, tentou se esquivar a senadora – Imagem: William Meira/MMFDH

O Ministério Público Federal no Pará ajuizou, na terça-feira 12, uma ação civil pública para que a União e a senadora Damares Alves, do PL, indenizem a população de Marajó. O caso refere-se a uma declaração da ex-ministra de Jair Bolsonaro em culto evangélico, durante as eleições de 2022, contendo informações falsas e sensacionalistas sobre abuso sexual e tortura às crianças do arquipélago. Os 19 procuradores da República que assinam a petição inicial cobram uma reparação de 5 milhões de reais (metade do valor para cada réu), valor que deve ser revertido em projetos sociais na região.

Em 8 de outubro de 2022, a recém-eleita senadora afirmou que as crianças de Marajó tinham os “dentinhos arrancados” para a prática de sexo oral e eram obrigadas a comer comida pastosa “para que o intestino fique livre para a hora do sexo anal”. Acrescentou ter tomado conhecimento dessas práticas criminosas enquanto ministra de Estado, mas jamais apresentou provas dessas denúncias e tampouco esclareceu as providências tomadas pelo governo. “Isso tudo é falado nas ­ruas de Marajó”, esquivou-se, quando a fake news foi exposta. Agora, vejam só, a pudica parlamentar diz que só vai se pronunciar nos autos “por se tratar de um assunto que envolve crianças”.

Precioso acervo

A Faculdade de Economia e Administração da USP inaugura, em 22 de setembro, a exposição “Uma Viagem Pela História do Pensamento Econômico: A Biblioteca de Delfim Netto”. Em 2011, o economista e professor emérito da FEA-USP, hoje com 95 anos, doou parte de seu acervo para a sua alma mater – mais de 260 mil itens, entre livros, artigos de compêndios, artigos de periódicos e outros materiais. No conjunto, figuram algumas preciosidades, como as primeiras edições de The General Theory of Employment, Interest and Money, obra seminal de John Maynard Keynes, lançada em 1936, e de An Inquiry into the Nature and Causes of Wealth of Nations, de Adam Smith, em três volumes, de 1776. Organizada pela professora Maria Dolores Montoya Diaz, a mostra estará aberta à visitação pública a partir de 25 de setembro, de segunda a sexta, das 7h30 às 21h30.

Patrimônio histórico/ Precioso achado

Arqueóloga que revelou Cais do Valongo ganha prêmio internacional

A descoberta de Tania Lima agora é Patrimônio Mundial da Unesco – Imagem: Acervo pessoal

Responsável pela descoberta do Cais do Valongo durante as obras de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, a arqueóloga carioca Tania Andrade Lima é uma das vencedoras do prêmio Hypatia Award 2023. Concedida pela Confederação dos Centros Internacionais para a Conservação do Patrimônio Arquitetônico, a honraria celebra o trabalho de profissionais que contribuem para o progresso científico em suas áreas de atuação. No caso, Lima será homenageada pelos serviços prestados à Arqueologia, à História e ao Patrimônio Cultural da humanidade.

As escavações lideradas por ela revelaram, em 2011, o antigo cais de pedra reservado para o desembarque de africanos escravizados. Estima-se que mais de 1 milhão de cativos tenham passado pelo local, que começou a ser construído no fim do século XVIII e só foi concluído em 1811. Pela importância da descoberta, o sítio arqueológico Cais do Valongo foi declarado Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, a Unesco, em 2017. A cerimônia de premiação do Hypatia será realizada em 16 de outubro, na cidade italiana de Florença.

Ucrânia/ Pés de barro

Zelenski é responsável pela corrupção no país, avaliam 78% dos ucranianos

A mídia ocidental deve estar aos prantos com a revelação – Imagem: Presidência da Ucrânia

Incensado como herói da resistência pela mídia ocidental, Volodimir ­Zelenski não parece gozar do mesmo prestígio em seu próprio país. Para 78% da população ucraniana, o presidente é responsável pelos escândalos de corrupção que atingem o governo e as forças armadas, revela uma pesquisa realizada pela Fundação Iniciativas Democráticas, pelo Centro Razumkov e pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev. Foram consultados 2.011 eleitores, entre julho e agosto, em todas as regiões livres da ocupação russa.

Uma semana antes da divulgação da sondagem, Zelenski viu-se forçado a demitir seu ministro da Defesa, Oleksii Reznikov. Em parte, devido à pressão das potências ocidentais, insatisfeitas com o pífio avanço da contraofensiva ucraniana. Mas, internamente, pesavam os escândalos de desvio de recursos dos valores enviados pelo Ocidente para o esforço de guerra. Não bastasse, Reznikov foi acusado de omissão diante da corrupção instalada nas forças armadas, inclusive a venda de isenções para o alistamento obrigatório no serviço militar. A pesquisa não aferiu, porém, o desempenho de Zelenski na condução da guerra contra os russos.

A queda do beijoqueiro

Luis Rubiales renunciou, no domingo 10, à presidência da Federação Espanhola de Futebol. O dirigente também abandonou o posto de vice-presidente da Uefa, a federação europeia. Vacilante na adoção de medidas para combater o racismo nos estádios, sobretudo após os ataques sofridos pelo brasileiro Vinicius Jr., atacante do Real Madrid, Rubiales caiu em desgraça por outro motivo. Após a final da Copa do Mundo feminina, deu um beijo à força na atacante Jenni Hermoso, da seleção espanhola. Suspenso pela Fifa, Rubiales foi acusado de violência sexual por duas ministras do premier Pedro Sánchez. O beijoqueiro não resistiu à pressão e saiu de fininho.

Filipinas/ Mordaça arrancada

Maria Ressa, Nobel da Paz de 2021, é absolvida de outra acusação

A jornalista denunciou a sangrenta guerra às drogas de Duterte – Imagem: R. Oberhammer/DW

Vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2021, a jornalista ­Maria Ressa e o site de notícias Rappler, do qual ela é cofundadora, foram absolvidos de uma acusação de fraude fiscal por um tribunal das Filipinas, na terça-feira 12. Este é o último dos cinco processos judiciais por evasão fiscal instaurados contra a publicação durante o governo de Rodrigo Duterte.

Ressa e o Rappler ganharam prestígio e repercussão internacional pela cobertura crítica à guerra às drogas encampada por Duterte, que incentivou abertamente execuções extrajudiciais de suspeitos envolvidos com o narcotráfico. A carnificina resultou na morte de 10 mil cidadãos, segundo estimativas de organizações de ­defesa dos direitos humanos.

Para silenciar a jornalista, o governo Duterte acusou o site noticioso de receber financiamento de investidores estrangeiros em 2015, o que é proibido pela legislação local. Se condenada, Ressa poderia ser sentenciada a mais de 30 anos de reclusão. Apesar da absolvição, ela ainda é alvo de uma denúncia por difamação, que pode custar a ela até sete anos de detenção. No poder há 14 meses, o atual presidente do país, Ferdinand Marcos Jr., afirma que não pretende intervir nos casos judiciais que remontam à gestão anterior.

Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 20 de setembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’