CartaCapital
Justiça/ Solidão na queda
STF forma maioria para condenar e cassar Carla Zambelli


“E muito peso para as minhas costas”, desabafou Carla Zambelli na terça-feira 25, em entrevista ao blog de Andréia Sadi, da GloboNews. Naquele momento, o Supremo Tribunal Federal já havia formado maioria para condenar a deputada federal do PL pelos crimes de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal. No entanto, a parlamentar se referia a outro julgamento, aparentemente mais doloroso para ela. O que realmente pesava sobre seus ombros era a acusação feita, no dia anterior, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que a responsabilizou pela derrota eleitoral de 2022.
De certa forma, ambos os julgamentos estão ligados ao mesmo episódio. Em 29 de outubro de 2022, véspera do segundo turno das eleições, Zambelli perseguiu um homem negro pelas ruas com uma pistola nas mãos, após uma discussão política no bairro dos Jardins, em São Paulo. Um segurança da deputada chegou a disparar e foi preso pela Polícia Civil. Embora tivesse porte de arma, Zambelli não poderia tê-la manuseado em público, colocando em risco a vida de transeuntes. Além disso, a legislação proíbe o transporte de armas nas 48 horas que antecedem o pleito nas proximidades de um colégio eleitoral – e havia um nas imediações.
Os vídeos da patética perseguição protagonizada pela parlamentar – talvez uma desequilibrada admiradora de séries policiais – rapidamente viralizaram nas redes sociais. Ainda assim, é um contrassenso atribuir exclusivamente a esse episódio os mais de 2,1 milhões de votos de vantagem que garantiram a vitória de Lula na corrida presidencial. Como de hábito, Bolsonaro tenta responsabilizar terceiros pelo próprio fracasso e abandona outra denodada combatente pelo caminho. Mas Zambelli deveria estar mais preocupada com o outro julgamento – aquele que pode selar seu destino.
Mesmo após o ministro Kássio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro ao Supremo, ter pedido vista do processo, os colegas Dias Toffoli e Cristiano Zanin anteciparam seus votos, formando maioria para a condenação: seis a zero. Agora, a deputada precisa que algum magistrado reveja sua posição até a devolução dos autos, no prazo de até 90 dias. Virtualmente, ela já está condenada a uma pena de cinco anos e três meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além da perda do mandato.
Brasil no topo das secas mais severas
Um estudo publicado na revista Science revela que as megassecas – períodos de estiagem com duração mínima de dois anos – tornaram-se cada vez mais frequentes e devastadoras nas últimas quatro décadas. A pesquisa analisou 13 mil eventos desse tipo entre 1980 e 2018, e o Brasil apareceu duas vezes entre os dez casos mais severos. A seca na Amazônia Sul-Ocidental, entre 2010 e 2018, foi classificada como a sétima mais intensa do mundo. À época, comunidades ribeirinhas ficaram isoladas devido ao ressecamento dos rios, enquanto a floresta tornou-se ainda mais vulnerável a incêndios – os focos de queimadas aumentaram 30%. Já a crise hídrica que assolou o Sudeste entre 2014 e 2017 ocupa a nona posição no ranking. O Sistema Cantareira operou em níveis críticos, e a região mais populosa do País enfrentou um drástico racionamento de água.
Memória/ Luto mineiro
Fuad Noman, prefeito reeleito de Belo Horizonte, morre aos 77 anos
Noman disputou a eleição de 2024 em meio ao tratamento contra um câncer – Imagem: Redes Sociais
O prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), morreu na quarta-feira 26, aos 77 anos, em decorrência de complicações de um linfoma não-Hodgkin. Ele estava internado no Hospital Mater Dei desde 3 de janeiro, quando deu entrada com um quadro de insuficiência respiratória aguda.
Noman sofreu uma parada cardiorrespiratória e chegou a ser reanimado, mas seu estado evoluiu para um choque cardiogênico, condição em que o coração não consegue bombear sangue para o pulmão e o restante do corpo. O prefeito iniciou o tratamento contra o câncer em julho do ano passado, enquanto ainda estava em pré-campanha para a reeleição. “Ele dedicou o que tinha de vida para essa realização. Não tenho dúvida de que privou parte da própria saúde, mas era um homem realizado”, afirmou o oncologista Enaldo Melo de Lima, ao comunicar o falecimento.
Economista e servidor de carreira do Banco Central, Noman ocupou cargos na Casa Civil da Presidência da República durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e foi secretário em administrações de Minas Gerais, nas gestões de Aécio Neves e Antonio Anastasia. Assumiu a Prefeitura de Belo Horizonte em 2022, após a saída de Alexandre Kalil, que disputou o governo estadual e acabou derrotado por Romeu Zema.
Acordo bilionário
O presidente Lula anunciou, na quarta-feira, 26, um acordo entre a Embraer e a companhia aérea japonesa All Nippon Airways para a compra de 20 jatos E–190. O negócio, estimado em cerca de 10 bilhões de reais, prevê a entrega inicial de 15 unidades, com a possibilidade de aquisição de mais cinco. O anúncio foi feito durante a participação de Lula no Fórum Empresarial Brasil–Japão, em Tóquio. Na ocasião, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, destacou ainda o avanço nas negociações para que o setor aéreo japonês adote o Combustível Sustentável de Aviação (SAF). Segundo o Planalto, o Brasil possui ampla expertise no tema.
NBD/ Combinado com os russos
Reeleita, Dilma Rousseff comandará o Banco dos Brics por mais 5 anos
A extensão do mandato de Dilma recebeu o aval de Vladimir Putin – Imagem: Redes Sociais NDB
Por unanimidade, a ex-presidente Dilma Rousseff foi reeleita para comandar o Novo Banco de Desenvolvimento. Com sede em Xangai, na China, o Banco dos BRICS, como é conhecido, foi criado em 2014 e financia projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Desde sua criação, o NBD aprovou o equivalente a 39 bilhões de dólares para financiar 120 projetos nos países do grupo.
De acordo com a regra de rotatividade, caberia à Rússia indicar o novo presidente da instituição financeira. No entanto, o presidente Vladimir Putin defendeu a extensão do mandato de Dilma ainda no ano passado, argumentando que as restrições impostas ao seu país devido à guerra na Ucrânia poderiam comprometer a atuação de um dirigente russo à frente do Banco dos BRICS.
O mandato tem duração de cinco anos. Dilma assumiu o comando da instituição na metade do período, após ser escolhida por Lula para substituir o economista Marcos Troyjo, indicado por Jair Bolsonaro. Um dos fundadores dos BRICS, o Brasil detém 19% das cotas do NBD, a maior participação do País em bancos de desenvolvimento multilaterais.
Cisjordânia/ Pogrom sionista
Cineasta palestino vencedor do Oscar é espancado por colonos e sequestrado por soldados israelenses
Os ataques se intensificaram após a premiação em Hollywood – Imagem: Hazem Bader/AFP
Os moradores palestinos de Susya, na Cisjordânia, haviam acabado de encerrar o jejum diário do Ramadã quando dezenas de colonos judeus invadiram o vilarejo armados com porretes, facas e até um rifle M16. Escoltado por soldados israelenses, o bando se dirigiu à casa de Hamdan Ballal, co-diretor de No Other Land – Sem Chão, na versão distribuída no Brasil –, vencedor do Oscar de Melhor Documentário. Lá, os colonos começaram a atirar pedras contra a residência e o carro do cineasta, que foi espancado antes de ser entregue aos militares. A vítima, e não os agressores, foi levada sob custódia.
O relato é de cinco ativistas judeus americanos do Center for Jewish Nonviolence (CJNV) ouvidos pelo diário britânico The Guardian. Diversos vídeos divulgados pela organização confirmam a veracidade do relato. O ataque ocorreu na noite de segunda-feira 24. Somente na tarde do dia seguinte, Ballal e outros dois palestinos foram liberados de uma delegacia de polícia em Kiryat Arba, após passarem a noite vendados, no chão.
As Forças de Defesa de Israel alegam que os três palestinos foram detidos por arremessar pedras contra os soldados que chegaram para conter o distúrbio. A versão é refutada pelos ativistas do CJNV, que também foram alvo da fúria dos colonos: tiveram seus carros depredados ao registrar o ataque. “A polícia estava lá desde o começo e não interveio”, afirmou Basel Adra, outro diretor de No Other Land. “Enquanto os soldados apontavam suas armas para nós, os colonos atacavam as casas de palestinos.”
Francisco recebe alta hospitalar
Depois de 38 dias de internação, o Papa Francisco recebeu alta no domingo 23. Antes de deixar o Hospital Universitário Gemelli, em Roma, o pontífice apareceu na sacada do seu quarto para saudar os fiéis que oravam pela sua recuperação. Aos 88 anos, Francisco foi internado com uma infecção respiratória grave, diagnosticada como pneumonia bilateral. Durante sua estada, ele passou por tratamento intensivo, com ventilação mecânica não invasiva e oxigenoterapia de alto fluxo. Agora, em recuperação no Vaticano, o líder religioso seguirá em repouso por dois meses e precisará de tratamentos de fisioterapia respiratória e exercícios de fala – sua voz ficou alterada após o prolongado uso de aparelhos para auxiliar na respiração.
Turquia/ Opositor encarcerado
Erdogan é alvo de protestos após a prisão de prefeito de Istambul
Mais de 1,1 mil manifestantes foram presos pela polícia turca – Imagem: Yasin Akgul/AFP
A prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, desencadeou uma gigantesca onda de protestos na Turquia. Desde quarta-feira 19, a polícia prendeu mais de 1,1 mil manifestantes, além de jornalistas que cobriam os atos. Muitos desses profissionais foram detidos em suas próprias casas, denunciou a ONG Repórteres Sem Fronteiras. Acusado de fraudar licitações e aceitar subornos, Imamoglu é o principal opositor do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, no cargo desde 2014.
O prefeito de Istambul também é acusado de colaborar com o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), organização classificada como terrorista por Ancara, mas a Justiça referendou sua prisão apenas no caso relacionado às acusações de corrupção. Ele assumiu a prefeitura da capital econômica da Turquia em 2019, tirando do poder o AKP, partido de Erdogan. O resultado das eleições foi considerado uma derrota humilhante para o presidente, que governou a cidade nos anos 1990. Desde então, Imamoglu enfrenta uma avalanche de processos judiciais que, segundo seus apoiadores, visam apenas retirá-lo do jogo político.
Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 2 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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