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Justiça chilena cassa mandato de filha de Salvador Allende

Maria Isabel Allende perdeu mandato de senadora após imbróglio envolvendo tentativa de venda da casa do seu pai para o Estado chileno, com o objetivo de transformar a residência do ex-presidente em um museu

Justiça chilena cassa mandato de filha de Salvador Allende
Justiça chilena cassa mandato de filha de Salvador Allende
A senadora chilena Isabel Allende em 5 de dezembro de 2024. Foto: Claudio Cavalieri /Senado
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O Tribunal Constitucional do Chile decidiu nesta quinta-feira 3 destituir a senadora Maria Isabel Allende Bussi de seu cargo, acatando uma denúncia apresentada por parlamentares da oposição ao governo do presidente Gabriel Boric.

Ela foi acusada de ferir a Constituição ao tentar vender a histórica residência de seu pai, o falecido presidente socialista Salvador Allende, ao Estado chileno.

Maria Isabel Allende é homônima da escritora chilena-americana Isabel Allende, filha de um primo de Salvador Allende, que se exilou na Venezuela durante a ditadura no Chile.

A controvérsia começou no final de 2024, quando o governo anunciou a compra da antiga residência de Allende por 933 milhões de pesos chilenos (5,5 milhões de reais) ao final de dezembro.

O objetivo era transformar a casa em um museu sobre a vida do líder da Unidade Popular (UP), deposto em 1973 por forças militares alinhadas com o general Augusto Pinochet.

A operação envolveu a assinatura de contratos com herdeiros do ex-presidente, entre eles, a neta de Salvador Allende e ex-ministra da Defesa Maya Fernández e uma de suas filhas, a senadora Isabel Allende.

No entanto, ambas estavam constitucionalmente impedidas de firmar convênios com o Estado devido a seus cargos públicos. Fernández comandava a Defesa até março deste ano, quando renunciou após a polêmica.

Uma investigação judicial foi aberta sobre o caso, que buscava esclarecer se houve fraude contra o tesouro na compra da residência. O governo reverteu a decisão apenas três dias após anunciar a compra.

Além da casa da família Allende, o governo anunciou a compra da residência do ex-presidente chileno Patricio Aylwin (1990-1994), também para transformá-la em um museu, uma proposta que não foi bem recebida e recebeu críticas da oposição. Após a polêmica, Boric demitiu a então ministra de Bens Nacionais, Marcela Sandoval. Outros seis funcionários da pasta também pediram demissão.

“Memória de Allende permanece intacta”

De acordo com a mídia local, que teve acesso ao despacho do órgão, a decisão foi acatada por 8 votos a 2 e põe fim a uma carreira parlamentar ininterrupta de três décadas da socióloga. Allende foi a primeira mulher a presidir o Senado no país.

Segundo o jornal espanhol El País, entre os juízes favoráveis à destituição estão duas ministras nomeadas pelo presidente Boric em 2022. A medida entrará em vigor assim que ela e sua legenda, o Partido Socialista (PS), forem oficialmente notificados.

“A memória do presidente Allende permanecerá intacta. A decisão judicial não a mancha. Hoje não haverá museu, mas ainda haverá ruas e praças com seu nome em todo o Chile e no mundo, bem como seu legado político e o carinho de milhões de compatriotas”, disse a socióloga em um comunicado.

“Em meus mais de 30 anos como servidora pública, nunca usei meu cargo para ganho pessoal e sempre respeitei a Constituição e a lei”, acrescentou Allende, ressaltando que a família agiu de “boa fé”.

Segundo ela, todas as indicações legais para a venda da residência foram seguidas, e a transação nunca se concretizou. “Nunca recebemos nenhum dinheiro por um projeto que não prosperou”, afirmou.

A senadora é considerada uma embaixadora de sua família, que se tornou símbolo de resistência contra a repressão militar enfrentada no país nos anos 1970 e 1980.

Ultradireita vitoriosa

A decisão foi tomada como uma vitória política pelo ultradireitista Partido Republicano meses antes da próxima eleição presidencial no país, marcada para novembro. A sigla encabeçou a petição ao lado de membros da coalizão Chile Vamos, que inclui a Renovação Nacional (RN) e a União Democrática Independente (UDI).

“Agradecemos pela resolução de aceitar nosso pedido de destituição da senadora Isabel Allende por ter cometido um delito constitucional (…) Parlamentares não podem firmar contratos com o Estado, e uma pessoa que está no cargo há mais de 30 anos não poderia deixar de estar ciente disso”, disse o presidente do Partido Republicano, Arturo Squella, em um comunicado à imprensa.

“Grave precedente”

A porta-voz do governo chileno, Aysén Etcheverry, disse que a decisão “abre um grave precedente”.

“Como poder executivo, é claro que devemos respeitar as decisões do Tribunal Constitucional, mas não podemos deixar de lamentar”, disse.

“A senadora Isabel Allende representa uma trajetória política, profissional e pessoal de compromisso democrático que marcou profundamente a história de nosso país. Estamos convencidos de que ela e sua família agiram de boa fé”, acrescentou.

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