CartaCapital
Judiciário/ Parceria escusa
Toffoli determina que Transparência Internacional seja investigada por gerir recursos da Lava Jato


O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a Transparência Internacional seja investigada por apropriação indevida de recursos públicos na época da Lava Jato. A decisão é uma resposta à notícia-crime apresentada pelo deputado Rui Falcão, do PT, e pelos advogados Marco Aurélio de Carvalho e Fernando Hideo Lacerda.
A peça, revelada em primeira mão por CartaCapital em 2021, questiona a cooperação entre o Ministério Público Federal e a ONG sediada em Berlim para gerir uma multa de 2,3 bilhões imposta ao Grupo J&F. No despacho, Toffoli diz que a instituição privada pode ter recebido valores que deveriam ter sido destinados ao Tesouro Nacional: “Tal providência faz-se necessária especialmente para investigar eventual apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional e seus responsáveis”.
Em 2021, CartaCapital apontou uma estreita colaboração da Transparência Internacional com a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, desnudada por diálogos entre procuradores interceptados por um hacker e apreendidos na Operação Spoofing. Em fevereiro de 2017, Deltan Dallagnol cita uma parceria com a ONG para criar um “selo” para candidatos às eleições de 2018 que “se comprometam com as dez medidas de combate à corrupção”.
Diálogos entre Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, e Dallagnol, então chefe da força-tarefa, revelam que a ONG era convocada a defender a Lava Jato em artigos e entrevistas. Em maio de 2018, Dallagnol pediu a Brandão uma defesa pública do procurador Fernando Santos Lima, alvo de investigação por quebra de decoro no Conselho Nacional do Ministério Público.
“Se a TI fizesse uma nota falando sobre a importância da liberdade de expressão dos membros do MP, atendidos os limites legais”, sugere Dallagnol. Alguns dias depois, Brandão responde: “Conseguimos. Vou tentar escrever algo amanhã”. Em 22 de maio, a ONG publicou um texto, expressando sua “preocupação com a ameaça ao direito de liberdade de expressão de procuradores e promotores de Justiça”. Dallagnol então orienta: “Não precisa ter repercussão. (…) Faremos chegar a quem importa”.
A Transparência Internacional diz que jamais recebeu repasses do acordo de leniência do Grupo J&F: “Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a TI Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de ‘recursos compensatórios’ (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção”.
Farra bolsonarista no Bolsa Família
Em nova etapa da revisão do CadÚnico, o governo federal excluiu 1,7 milhão de famílias unipessoais, compostas de apenas um integrante, do grupo de beneficiários do Bolsa Família. Isso porque, apesar de afirmarem no cadastro que moravam sozinhas, essas pessoas dividiam a casa com outros familiares, o que caracteriza a irregularidade dos dados. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, o número de famílias unipessoais cresceu 220% durante o governo de Jair Bolsonaro. Os registros saltaram de 1,84 milhão, em dezembro de 2018, para 5,88 milhões em 2022.
STF/ Prisão confirmada
Gilmar Mendes nega novo pedido de liberdade de Silvinei Vasques
O ex-diretor da PRF alega ter intolerância a glúten – Imagem: Marcelo Camargo/ABR
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou novo pedido de liberdade de Silvinei Vasques, diretor da Polícia Rodoviária Federal no governo de Jair Bolsonaro. O policial argumenta que precisa de uma alimentação especial por ser intolerante a glúten e ter dificuldade de absorver nutrientes. Em dezembro, o ministro Alexandre de Moraes já havia recusado esse pedido, mas a defesa apresentou recurso à Corte. Mendes esclareceu não ter poder de revisar decisões de outros ministros do STF.
Vasques está preso desde agosto do ano passado, após ser alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga o suposto uso da máquina pública para interferir nas eleições de 2022. Por determinação do então diretor da PRF, agentes da corporação intensificaram a fiscalização nas rodovias federais em 30 de outubro daquele ano, o que dificultou o deslocamento de eleitores no segundo turno da disputa presidencial. As blitze foram concentradas em estradas do Nordeste, onde Lula teve expressiva votação no primeiro turno e confirmou o favoritismo na etapa decisiva.
Tabu racial no Exército
O general André Luiz Aguiar Ribeiro assumiu, em dezembro do ano passado, o comando da 6ª Região Militar, responsável pelas tropas do Exército nos estados da Bahia e Sergipe. Ele é um dos raros negros a chegar a uma posição de alto comando nas Forças Armadas. À Folha de S.Paulo, o ex-militar e pesquisador Sionei Leão, autor do livro Kamba’Race – Afrodescendências no Exército Brasileiro (Fundação Astrojildo Pereira), confirmou que o oficial é apenas a terceira pessoa de pele preta a atingir o segundo degrau da patente mais importante da força terrestre: “General de Divisão, três estrelas”. Em mais de 200 anos de história, nenhum negro atingiu o degrau mais alto da carreira no Exército, o de general de quatro estrelas. Ribeiro tem a chance de superar esse lamentável tabu.
First Mile/ “minoria pode ter desvirtuado”
Ramagem admite possíveis “atividades ilícitas” na Abin sob sua gestão
Ele alega ter iniciado a apuração contra servidor afastado pelo STF – Imagem: Gilmar Felix/Ag. Câmara
Pivô do escândalo de espionagem na Agência Brasileira de Inteligência, o deputado Alexandre Ramagem admitiu,
em entrevista ao Metrópoles,
a possibilidade de que tenham ocorrido “atividades ilícitas” no órgão durante a sua gestão.
A Polícia Federal investiga se a estrutura da Abin foi utilizada para espionar ilegalmente adversários de Jair Bolsonaro,
em uma operação que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados
ao próprio Ramagem e
ao vereador Carlos Bolsonaro.
Ainda assim, Ramagem se diz vítima de perseguição e aponta, como possível responsável pelo uso indevido do programa espião First Mile, o agente Paulo Maurício Fortunato, diretor de Operações da Abin ao longo de sua gestão. O servidor foi afastado de suas funções por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Na casa de Fortunato, os agentes da PF apreenderam 170 mil dólares em espécie, o equivalente a mais de 800 mil reais – uma “poupança familiar”, segundo a versão apresentada por sua defesa.
Sem apresentar provas, Ramagem sustenta que as primeiras apurações internas a respeito da conduta do servidor ocorreram sob sua tutela. “Eu que fiz toda apuração, que gerou a exoneração dele”, afirmou ao Metrópoles. “Por que eu agora estou sendo investigado? Esse é o absurdo da perseguição”. O ex-diretor da Abin deve prestar depoimento à PF no fim de fevereiro.
Argentina/ De ônibus a van
O pacotaço de Milei volta à estaca zero no Congresso
Imagem: Ciaran McCrickard/WEF
Na segunda-feira 5, o presidente da Argentina, Javier Milei, deu início a uma insólita viagem internacional. Milei passou por Israel, a nova meca da extrema-direita global, antes de seguir ao Vaticano, onde se encontrará com o papa Francisco, a quem xingava até outro dia de “comunista” e “representante do mal”. O autoproclamado libertário decidiu iniciar o tour sem saber o desfecho da votação dos principais pontos do pacotaço de medidas enviadas ao Parlamento. Na quinta-feira 1°, após muitos impasses e intensa negociação, os deputados aprovaram uma versão desidratada da chamada “lei-ônibus”, que na forma final bem poderia ser chamada de “lei-van”. Nem assim. Na terça-feira 6, a oposição impôs derrotas dolorosas ao governo na votação dos principais pontos das medidas e obrigou a base a propor uma manobra inédita no Congresso: reiniciar a tramitação da proposta. Enquanto Milei visitava o Muro das Lamentações em Jerusalém, seus representantes descumpriam os compromissos assumidos com governadores e parlamentares “independentes”. Em vez de apresentar as compensações prometidas, a tropa de choque de Milei preferiu manter o clima de campanha: atacou os opositores e possíveis aliados e insistiu na “denúncia” da casta política, apesar de a espinha dorsal da equipe ser formada por nomes tradicionais da direita argentina. “O limite de tolerância foi ultrapassado. É uma nova bobagem a cada dia”, afirmou ao Página 12 um deputado moderado antes disposto a chegar a um acordo com os governistas. O Brasil assistiu a este filme recentemente.
Morre Piñera
Um acidente de helicóptero abreviou a vida de Sebastián Piñera, ex-presidente do Chile de 74 anos. O acidente aconteceu na tarde da terça-feira 6 na zona rural de Ilihue, a 920 quilômetros da capital Santiago. Piñera pilotava o helicóptero e estava acompanhado de três passageiros, segundo informações oficiais. O empresário de direita governou o país duas vezes, de 2010 a 2014 e de 2018 a 2022. No segundo mandato, explodiram os protestos que resultaram na proposta de mudança constitucional, posteriormente rejeitada em duas ocasiões pelos chilenos, e na eleição do jovem esquerdista Gabriel Boric. Em mensagem, o presidente Lula declarou-se “surpreso e triste”.
Gaza/ Acordo incerto
Aumenta o ceticismo em torno das negociações de uma trégua
A população de Gaza sofre com os bombardeios e as privações. Israel quer tornar o enclave inabitável? – Imagem: Mohammed Abed/AFP
Nos últimos dias, o medo derrotou a esperança no Oriente Médio. Um certo silêncio paira sobre as negociações de uma trégua de 35 dias e uma nova troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos. Os ataques à Faixa de Gaza continuam, por sua vez, intensos. Segundo especialistas de Direitos Humanos, Israel tem destruído de forma sistemática edifícios na fronteira com o intuito de criar um muro de destroços, uma espécie de zona-tampão no enclave. “Há evidências crescentes de que querem tornar inabitáveis grandes porções de Gaza”, afirmou Nadia Hardman, da Human Rights Watch. Familiares de reféns israelenses nas mãos do Hamas também se mostram cada vez mais preocupados, dada a duração do conflito, que completou cinco meses na quarta-feira 7. “A cada segundo que um negócio não é fechado, o preço sobe. O número de reféns que não regressam vivos aumenta. O número de soldados a arriscar suas vidas sem um plano claro para o dia seguinte aumenta”, lamentou Carmit Katzir, irmã do cativo Elad Katzir, durante protesto contra Benjamin Netanyahu em Tel-Aviv. Igualmente aumenta a tensão na região. Os rebeldes houthis voltaram a atacar um navio britânico no Mar Vermelho. Os Estados Unidos revidaram, na sequência de bombardeios no Iêmen, Iraque e Síria. O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, iniciou uma nova viagem pelo Oriente Médio para acalmar os ânimos e tentar conter um alastramento do conflito. É a quinta turnê. As quatro anteriores não foram suficientes.
Vingança a galope
Em retaliação ao ataque que matou três soldados norte-americanos em uma base militar na Jordânia, a Força Aérea dos EUA bombardeou alvos na Síria e no Iraque, provocando quase 40 mortes na sexta-feira 2. Segundo Bassem al-Awadi, porta-voz de Bagdá, a ofensiva matou ao menos 16 pessoas no oeste iraquiano, incluindo civis. Já o Observatório Sírio de Direitos Humanos informa que as bombas ianques causaram ao menos 23 baixas. Na véspera, Washington havia anunciado uma operação contra mais de 85 alvos ligados à Guarda Revolucionária do Irã e às milícias que ela apoia, mesmo após Teerã ter negado qualquer participação no ataque com drone à base dos EUA.
El Salvador/ Pinta de ditador
Nayib Bukele obtém vitória esmagadora nas urnas
Bukele celebrou a “maior vitória eleitoral da história” – Imagem: Yuri Cortez/AFP
O porcentual até se encaixa na anedota sobre certas “democracias”, nas quais os ditadores são consagrados com quase 100% da preferência dos eleitores. Depois de nomear juízes amigos e obter uma interpretação heterodoxa da Constituição que lhe permitiu concorrer à reeleição – a Corte Suprema entendeu que a renúncia seis meses antes do pleito era suficiente para derrubar o veto legal a um segundo mandato –, o presidente salvadorenho, Nayib Bukele, amealhou mais de 80% dos votos no domingo 4. “Hoje El Salvador quebrou todos os recordes de todas as democracias em toda a história do mundo”, afirmou no discurso de vitória. “Nunca um projeto ganhou com o número de votos que conquistamos hoje. É, literalmente, a porcentagem mais elevada de toda a história.” Bukele governa com mão de ferro. Ameaçou no passado fechar o Congresso, impôs estado de exceção em 2022, suspendeu direitos individuais e autorizou prisões em massa, a pretexto de combater as gangues. Há um ano, inaugurou a maior cadeia da América Latina, com capacidade para 40 mil detentos. São inúmeros os relatos de violação dos direitos humanos. Em sua defesa, Bukele exibe a redução dos homicídios: de 100 por 100 mil habitantes, em 2019, para 2,4 em 2023.
Luto na Namíbia
O presidente da Namíbia, Hage Geingob, morreu no domingo 4, aos 82 anos, vítima de um agressivo câncer. Ele estava internado em um hospital da capital, Windhoek. O dirigente foi primeiro-ministro por 12 anos, um recorde de longevidade na nação africana, antes de se tornar, em 2014, o terceiro presidente do país. Na juventude, ele lutou pela independência da Namíbia, que pertencia à África do Sul. Por causa do seu ativismo, precisou exilar-se duas vezes: primeiro em Botsuana e, depois, nos EUA. Ao comunicar a morte à população, o vice-presidente, Nangolo Mbumba, que assumiu a Presidência interina, pediu calma e serenidade, “enquanto o governo cuida de todas as providências, preparativos e outros protocolos estatais necessários”.
Espanha/ Daniel Alves no banco
Começa o julgamento do boleiro acusado de estupro
O jogador vai mudar pela quinta vez sua versão dos fatos – Imagem: David Zorrakino/AFP
Em sua carreira como jogador de futebol, Daniel Alves raramente esquentou o banco de reservas. O ex-lateral direito passará, no entanto, as próximas semanas colado a um, o banco dos réus. O julgamento pela acusação de estupro começou na segunda-feira 5. Cabisbaixo, Alves acompanhou os primeiros depoimentos. Um biombo impedia sua visão da mulher que o acusa e que manteve o depoimento perante o tribunal, reforçado por uma prima e uma amiga. A defesa conseguiu que o boleiro preste depoimento por último. De acordo com relatos da mídia espanhola, o jogador apresentará uma nova versão dos acontecimentos, a quinta: estaria bêbado na ocasião e “sem plena consciência do que fez”. Alves está preso de forma preventiva desde 20 de janeiro do ano passado. A Justiça negou quatro pedidos de liberdade provisória, sob a alegação de risco de fuga para o Brasil. O Ministério Público pede pena de nove anos de prisão.
Publicado na edição n° 1297 de CartaCapital, em 14 de fevereiro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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