CartaCapital
Incêndios/ Um novo “Dia do Fogo”
O governo federal desconfia de ação criminosa nos estados


Crescem as suspeitas no governo federal de que nada foi por acaso nos incêndios simultâneos e destruidores no interior de São Paulo e em outros estados. Após uma reunião com o presidente Lula no domingo 25, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou a compará-los ao “Dia do Fogo”, ação orquestrada por fazendeiros na Amazônia em 2019. “Tem uma situação atípica. Você começa a ter em uma semana, praticamente em dois dias, vários municípios queimando ao mesmo tempo. Isso não faz parte da nossa curva de experiência na nossa trajetória de tantos anos de abordagem do fogo”, afirmou a ministra. Em São Paulo, o número de focos de incêndio, mais de 2,3 mil, é 42% maior do que o recorde anterior, registrado em 2010. Lula também se pronunciou, na rede X. “Significa que tem gente colocando fogo de maneira ilegal, uma vez que todos os estados do País já estão avisados e proibiram o uso de fogo de manejo”, escreveu o presidente. “A Polícia Federal vai investigar e o governo vai trabalhar com os estados no combate aos incêndios.” A PF deu início a 31 investigações e três suspeitos de provocar as queimadas foram presos em Batatais, São José do Rio Preto e em Goiás. Dois funcionários de uma usina em Urupês, interior paulista, morreram enquanto combatiam o fogo. Houve bloqueio total ou parcial de estradas e restrições a atividades no aeroporto. A fumaça deu um toque lúgubre à festa do peão em Barretos, onde o agro celebra suas fivelas de ouro e suas camionetes 4×4 e pranteia suas dores de corno. Ficou difícil saber se os frequentadores sofriam de amor ou de problemas respiratórios.
SOS Pacífico
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, apresentou na terça-feira 27 um relatório que constata a elevação acelerada do nível do mar em ilhas do Oceano Pacífico. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, o nível na região subiu 15 centímetros no intervalo de 30 anos. A média global foi de 9,4 centímetros. “As populações, economias e ecossistemas de toda a região sudoeste do Pacífico são muito afetados pelos efeitos em cascata da mudança climática”, afirmou no documento a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo. “É cada vez mais evidente que estamos ficando sem tempo para reverter a maré.”
BC/ Independente de fato
Gabriel Galípolo é escolhido para substituir Roberto Campos Neto
Galípolo não é refém da Faria Lima – Imagem: Elio Rizzo/Banco Central do Brasil
O presidente Lula anunciou na quarta-feira 28 a indicação de Gabriel Galípolo para o comando do Banco Central a partir de 2025, em substituição ao bolsonarista Roberto Campos Neto. Atual diretor de Política Monetária da instituição, Galípolo vinha a ser preparado para o desafio desde a posse do petista. Aos 42 anos, foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda nos primeiros meses do atual governo e presidiu o Banco Fator. Ainda não há data para a sabatina no Senado que irá (ou não) confirmar a sua nomeação. Jornalistas econômicos informaram, de forma generalizada, que a escolha, esperada, teria sido bem recebida pelos agentes do mercado. Mas há sempre um senão, uma lição a dar. Quem voltou a exercer o papel de garoto de recados da Faria Lima foi o ex-presidente do BC Armínio Fraga. Em entrevista, Fraga disse temer o risco de repetição do “voluntarismo” da administração Dilma Rousseff. Meses atrás, aconselhou Galípolo a “não se meter a besta”. A ilação parece conversa de comadres. Nada se fala a respeito de Campos Neto, primeiro presidente da instituição após a aprovação da independência. O neto de Bob Fields conspurcou o cargo ao manipular de forma ideológica as expectativas, cevar o terrorismo econômico e manter as taxas de juros em patamar injustificável. O medo de Fraga reflete, no fundo, um fato: enfim o Banco Central terá um presidente e uma diretoria independentes, principalmente da influência da turma da bufunfa.
Barreira superada
Pela primeira vez na história, o governo federal liberou, na quarta-feira 28, o serviço militar feminino. As mulheres que completarem 18 anos em 2025 poderão se alistar nas Forças Armadas, de forma voluntária, entre os meses de janeiro e junho do próximo ano. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, havia antecipado a novidade há algumas semanas, após uma reunião com comandantes militares. Ao serem incorporadas às tropas, elas estarão sujeitas aos mesmos direitos, deveres e penalidades previstos na carreira. Publicado no Diário Oficial da União, o decreto “reforça a máxima de que o lugar da mulher é onde ela quiser”, celebrou Lula.
Caso Marielle/ Dentro e fora
Decisões diferentes para Domingos e Chiquinho Brazão
Os irmãos seguem presos no Rio de Janeiro – Imagem: Michel Jesus/Agência Câmara e Acervo/Alerj
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça indeferiu, por unanimidade, o pedido de impeachment do conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Domingos Brazão. A decisão mantém Brazão no cargo, apesar de ele estar preso desde 24 de março, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018.
O pedido de impeachment foi protocolado por deputados e vereadores do PSOL do Rio de Janeiro. O relator do pedido no STJ, Raul Araújo, argumentou, porém, que a suposta autoria intelectual de um homicídio não se enquadra como crime de responsabilidade. Foi acompanhado no voto pelos demais ministros do tribunal.
No mesmo dia em que a decisão veio a público, o deputado Chiquinho Brazão, irmão de Domingos e também preso por envolvimento na morte de Marielle, ficou mais próximo de perder o mandato. Por 15 votos a um, o Conselho de Ética da Câmara recomendou ao plenário a cassação do parlamentar. Gutemberg Reis, do MDB fluminense, foi o único a votar contra o parecer da relatora Jack Rocha, do PT capixaba.
Venezuela/ Sem diálogo
Maduro, apoiado pelas Forças Armadas, opta pelo isolamento
Diplomado, Maduro ignora os apelos externos por transparência, projeta o próximo mandato e cerca os opositores – Imagem: Federico Parra/AFP
Após sugerir, em vão, novas eleições, o presidente Lula voltou ao ponto de partida em relação à Venezuela. No sábado 24, divulgou uma nota conjunta com o colega colombiano, Gustavo Petro, na qual pede a divulgação das atas eleitorais. “Ambos os presidentes permanecem convencidos de que a credibilidade do processo poderá ser restabelecida mediante a publicação transparente dos dados desagregados por seção eleitoral e verificáveis”, afirma o texto. Continua estranho, para dizer o mínimo, o desenrolar dos acontecimentos. O Superior Tribunal de Justiça venezuelano realizou uma auditoria em tempo recorde, constatou a vitória de Nicolás Maduro nos termos anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral, mas decretou segredo do processo, o que impede a divulgação das informações do escrutínio solicitadas por Lula e Petro. A oposição continua a reivindicar a vitória nas urnas e mantém a mobilização nas ruas. As Forças Armadas reafirmaram a lealdade a Maduro, enquanto o Ministério Público e o governo promovem um cerco aos adversários do presidente. Antagonista de Maduro na disputa, Edmundo González foi novamente convocado a depor em um inquérito que investiga os crimes de usurpação de funções da autoridade eleitoral, falsificação de documentos oficiais e incitação de atividades ilegais, entre outros. González recusou-se a comparecer no primeiro depoimento. Caso ignore três convocatórias, a Procuradoria-Geral está autorizada a emitir uma ordem de prisão. Integrante do CNE indicado pelos opositores, Juan Carlos Delpino afirmou em entrevista a The New York Times que houve irregularidades no processo eleitoral. Chamado de “traidor da pátria” por chavistas, Delpino acabou exonerado das funções no conselho.
Sob nova direção
Gustavo Pimenta, vice-presidente de Finanças, assumirá o comando da Vale a partir do próximo ano, decidiu o conselho de administração da mineradora. Pimenta vai substituir Eduardo Bartolomeo, que está à frente da empresa desde março de 2019. O governo, acionista da companhia, tentou emplacar, sem sucesso, o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas a indicação foi sabotada por outros sócios. Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, afirmou recentemente que “nunca houve ingerência” de Brasília no processo sucessório.
Gaza/ A carnificina não para
O acordo de cessar-fogo continua uma quimera
Em Gaza, a população só tem a morte no horizonte – Imagem: Eyad Baba/AFP
Enquanto mantém um jogo de provocações com o Hezbollah na fronteira com o Líbano, Israel continua a aniquilar vidas na Faixa de Gaza. Na manhã da terça-feira 27, ataques com mísseis a Deir el-Balah e Khan Younis fizeram outras 20 vítimas. O total de mortos ultrapassou faz tempo a marca dos 40 mil. Negociadores dos Estados Unidos insistem na tese de avanços nas negociações por um cessar-fogo, mas faltariam “detalhes”, a começar pela lista de reféns e prisioneiros a serem trocados. Para o Hamas, Washington participa de um teatro cujo objetivo é dar mais tempo às tropas israelenses para completar o genocídio no enclave palestino. Segundo Bassem Naim, integrante do grupo armado, o Hamas não está disposto a aceitar as novas condições impostas pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Tel-Aviv recusa-se a desocupar a Faixa de Gaza, mesmo por etapas. Quer manter indefinidamente o controle da fronteira com o Egito e de dois corredores que cortam o território, sob o pretexto de inibir a circulação de armas e a reorganização dos “inimigos”. Netanyahu só presta contas à extrema-direita do país, força que o mantém no poder e adia seu encontro com a Justiça.
O Estado sou eu
Sem conseguir montar uma coalização liberal para governar a França, o presidente Emmanuel Macron decidiu extrapolar os limites de seu poder. Na segunda-feira 26, Macron recusou-se a nomear como primeira-ministra Lucie Castets, da “Nova Frente Popular”, bloco de esquerda que elegeu o maior número de parlamentares nas últimas eleições, apesar de ter ficado longe de uma maioria absoluta. As lideranças da NFP acusam o presidente de ser um autocrata e ameaçam ingressar com um pedido de impeachment. “A resposta popular e política deve ser rápida e firme”, publicou nas redes sociais Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, principal partido da Nova Frente Popular.
Big Tech/ Nem tudo é permitido
Pavel Durov, do Telegram, é preso na França
O bilionário é acusado de burlar as normas europeias – Imagem: Redes sociais
Acusações de cyberbullying, tráfico de drogas, crime organizado e promoção do terrorismo levaram à detenção de Pavel Durov, fundador e principal executivo do aplicativo de mensagens Telegram, o preferido da República de Curitiba, em um aeroporto nos arredores de Paris. Chamado de “Zuckerberg russo”, Durov nasceu em São Petersburgo e se tornou uma das tantas figuras caricatas do universo da tecnologia. Gaba-se, entre outros feitos, de ter mais de cem filhos biológicos ao redor do mundo, por ter doado esperma quando mais jovem e menos rico. Deixou a Rússia em 2014 por se negar a aceitar regras do governo impostas à sua primeira plataforma, a VK. O Telegram foi criado em 2018 e por muito tempo alimentou a fama, infundada, como aprenderam Sergio Moro e companhia, de ser inviolável. Seu patrimônio é calculado em 15,5 bilhões de dólares. Ao jornal britânico The Guardian, um investigador francês declarou: “Chega de impunidade”. Em comunicado, o Telegram rechaçou as acusações. A rede diz cumprir as leis da União Europeia e que seu diretor-executivo não tem nada a esconder e viaja com frequência pelo continente. As divergências com o governo russo aparentemente ficaram no passado. O Kremlin criticou a prisão e ofereceu apoio a Durov.
Publicado na edição n° 1326 de CartaCapital, em 4 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.