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Friedrich Engels e o fim do direito

Pensador teorizou sobre a Sociologia do Direito com reflexões profundamente atuais

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Friedrich Engels faria 200 anos no último dia 28 de novembro. Apesar de ter sido um pensador de primeira linha, com contribuições centrais e inovadoras para os campos da filosofia, economia e teoria do Estado, Engels se apresentava como coadjuvante no vanguardista pensamento revolucionário que inaugurou junto com seu amigo Karl Marx no fim da primeira metade do século XIX.

A contribuição de Engels vai além da de um mero “segundo violino”, como ele mesmo dizia ao realçar a genialidade de Marx. Uma prova disso está na obra “Socialismo Jurídico”, que escreveu com o jovem Karl Kautsky poucos anos antes de morrer. Anos mais tarde, Kautsky renegaria suas posições originais e acabaria sendo fortemente criticado por Lenin, um visceral opositor às interpretações reformistas do marxismo por parte da Segunda Internacional.

Se Lenin e Rosa Luxemburgo estavam preocupados em mostrar que figuras como Kautsky e Bernstein eram marxistas só no currículo, esta também foi a preocupação do velho Engels e do jovem Kautsky ao fazerem o mesmo com o jurista Anton Menger, entusiasta da tese de que seria possível construir um direito socialista. Em resposta,  Engels e Kaustky explicam que o problema do direito não está em seu conteúdo, e sim em suas formas, de maneira que o título “Socialismo Jurídico” é, por si só, uma ironia na medida em que seus autores deixam claro que isso não existe – ou que não basta tirarmos de dentro do pote o direito ruim, burguês, e colocarmos o direito bom, socialista. Com ou sem lactose, o leite continua sendo leite, afinal.

 

As lições de Engels explicam por que mediações bonitas e progressistas da lei costumam ter um curto prazo de validade. Levando em conta que o direito, em sua essência, deriva do capital, que impõe a criação de uma estrutura jurídica que dê suporte à sua reprodução, não é dourando a pílula e promulgando constituições progressistas que será possível enterrar a sociabilidade capitalista.

O equívoco da Segunda Internacional em achar que de grão em grão a galinha enche o papo – ou que de reforma em reforma chegamos lá – é ainda mais grosseiro na América Latina, como demonstra Daniel Valença no livro “De costas para o Império: o Estado plurinacional na Bolívia e a luta pelo socialismo comunitário”, onde reflete que, por mais admiráveis que tenham sido os avanços na nova constituição boliviana, mudanças nesse plano não são suficientes para conter rupturas institucionais promovidas pelo poder econômico (vide o golpe de novembro de 2019, que destituiu Evo Morales e revigorou a tradição do continente em defenestrar líderes democraticamente eleitos).

O caso da Bolívia expõe não só as limitações de um direito progressista, mas a necessidade do fim do direito como consequência da superação do capitalismo. Traz, ademais, o debate sobre uma sociabilidade na qual os desejos, afetos, carências e necessidades das pessoas deixem de ser mediados por formas jurídicas cujo propósito original e indesviável é garantir a reprodução do capital e a livre circulação de mercadorias mediante a troca entre sujeitos formalmente livres e iguais. É este o horizonte apontado por Engels, um horizonte sem leis, constituições ou coisas do tipo.

Assim, antes de pensar em um direito socialista, insurgente, revolucionário ou afins, é importante refletir por que ainda estamos presos a pensar dentro das formas estabelecidas pelo capitalismo, disseminando, ainda que sem querer, a ideia de que estamos no Fim da História quando mesmo o filósofo Francis Fukuyama, pai dessa tese, decidiu revê-la recentemente.

Engels deixou para nós o ensinamento de que leis, constituições e demais expressões do direito fazem parte dessas formas, sinônimos de escravidão e não de liberdade mesmo em seus moldes mais vanguardistas e sensíveis a questões sociais. O direito verdadeiramente revolucionário é aquele que mira em sua própria extinção. É importante jamais esquecer disso, mesmo que caiamos no clichê de dizer que o aniversariante continua jovem e atual.

Friedrich Engels faria 200 anos no último dia 28 de novembro. Apesar de ter sido um pensador de primeira linha, com contribuições centrais e inovadoras para os campos da filosofia, economia e teoria do Estado, Engels se apresentava como coadjuvante no vanguardista pensamento revolucionário que inaugurou junto com seu amigo Karl Marx no fim da primeira metade do século XIX.

A contribuição de Engels vai além da de um mero “segundo violino”, como ele mesmo dizia ao realçar a genialidade de Marx. Uma prova disso está na obra “Socialismo Jurídico”, que escreveu com o jovem Karl Kautsky poucos anos antes de morrer. Anos mais tarde, Kautsky renegaria suas posições originais e acabaria sendo fortemente criticado por Lenin, um visceral opositor às interpretações reformistas do marxismo por parte da Segunda Internacional.

Se Lenin e Rosa Luxemburgo estavam preocupados em mostrar que figuras como Kautsky e Bernstein eram marxistas só no currículo, esta também foi a preocupação do velho Engels e do jovem Kautsky ao fazerem o mesmo com o jurista Anton Menger, entusiasta da tese de que seria possível construir um direito socialista. Em resposta,  Engels e Kaustky explicam que o problema do direito não está em seu conteúdo, e sim em suas formas, de maneira que o título “Socialismo Jurídico” é, por si só, uma ironia na medida em que seus autores deixam claro que isso não existe – ou que não basta tirarmos de dentro do pote o direito ruim, burguês, e colocarmos o direito bom, socialista. Com ou sem lactose, o leite continua sendo leite, afinal.

 

As lições de Engels explicam por que mediações bonitas e progressistas da lei costumam ter um curto prazo de validade. Levando em conta que o direito, em sua essência, deriva do capital, que impõe a criação de uma estrutura jurídica que dê suporte à sua reprodução, não é dourando a pílula e promulgando constituições progressistas que será possível enterrar a sociabilidade capitalista.

O equívoco da Segunda Internacional em achar que de grão em grão a galinha enche o papo – ou que de reforma em reforma chegamos lá – é ainda mais grosseiro na América Latina, como demonstra Daniel Valença no livro “De costas para o Império: o Estado plurinacional na Bolívia e a luta pelo socialismo comunitário”, onde reflete que, por mais admiráveis que tenham sido os avanços na nova constituição boliviana, mudanças nesse plano não são suficientes para conter rupturas institucionais promovidas pelo poder econômico (vide o golpe de novembro de 2019, que destituiu Evo Morales e revigorou a tradição do continente em defenestrar líderes democraticamente eleitos).

O caso da Bolívia expõe não só as limitações de um direito progressista, mas a necessidade do fim do direito como consequência da superação do capitalismo. Traz, ademais, o debate sobre uma sociabilidade na qual os desejos, afetos, carências e necessidades das pessoas deixem de ser mediados por formas jurídicas cujo propósito original e indesviável é garantir a reprodução do capital e a livre circulação de mercadorias mediante a troca entre sujeitos formalmente livres e iguais. É este o horizonte apontado por Engels, um horizonte sem leis, constituições ou coisas do tipo.

Assim, antes de pensar em um direito socialista, insurgente, revolucionário ou afins, é importante refletir por que ainda estamos presos a pensar dentro das formas estabelecidas pelo capitalismo, disseminando, ainda que sem querer, a ideia de que estamos no Fim da História quando mesmo o filósofo Francis Fukuyama, pai dessa tese, decidiu revê-la recentemente.

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