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EUA liberam cultivo de alimentos em áreas de preservação

O agro no Brasil está usando essas informações para justificar o aumento do desmatamento em área de produção. Um erro enorme, dizem especialistas

Foto: Jaelson Lucas/AEN
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A preocupação com a segurança alimentar, que aumentou com a guerra entre Rússia e Ucrânia, levou o governo dos Estados Unidos a autorizar o plantio em áreas de conservação ambiental. A medida foi tomada pelo Departamento de Agricultura dos EUA a pedido dos produtores americanos e deverá reforçar a colheita de trigo, milho, cevada e oleaginosas.

O governo americano tem dois programas que pagam produtores rurais que estão em áreas “ambientalmente sensíveis”, como encostas, margens de rios e entorno de nascentes, para preservar as terras por prazos de dez a 15 anos. Serão contemplados os agricultores que estão em seu último ano de contrato.

A medida foi anunciada pelo USDA, o Departamento de Agricultura dos EUA, no último dia 26 de maio. Segundo o secretário de Agricultura americano, Tom Vilsack, os produtores poderão encerrar voluntariamente e sem penalidade seus contratos, “para que estejam em posição de trabalhar agora nessa terra, para prepará-la para uma colheita ou potencialmente pensar em outras culturas que podem ser cultivadas durante o inverno.”

Com a medida, será possível o plantio nessas terras antes de outubro deste ano, para a safra 2022/2023. O total estimado da área a ser liberada é de cerca de 1,6 milhão de hectares, tamanho superior ao que é plantado de soja nos estados de Rondônia, Roraima e Pará, segundo estimativa da consultoria Pátria Agronegócios.

De acordo com Samanta Pineda, advogada especialista em direito ambiental, essas terras agora liberadas para cultivo nos EUA se assemelham mais às áreas de preservação permanentes no Brasil, e não as de floresta nativa.

“São áreas dentro de propriedades, não florestas públicas”, afirmou Samanta.

Pacote de ajuda na UE

A União Europeia (UE) também adotou medidas para tentar mitigar os efeitos da guerra sobre o fornecimento de alimentos. Em março deste ano, o bloco aprovou um pacote de ajuda de US$ 550 milhões para seus agricultores e liberou o cultivo em terras de pousio — técnica utilizada para “descansar” a área por um determinado período de tempo.

“Principal tema até recentemente na agenda global, o meio ambiente perdeu lugar para a fome. O Brasil não planta mais em áreas de preservação ambiental, mas é retaliado”, afirmou o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.

O deputado ambientalista Rodrigo Agostinho (PSB-SP) enfatizou que, tanto na UE, como nos EUA, a discussão sobre segurança alimentar e o aumento da área agricultável tem como foco áreas já degradadas. Nenhuma liberação incide em áreas importantes para a conservação:

“O agro no Brasil está usando essas informações para justificar o aumento do desmatamento em área de produção. Um erro enorme. Nem na Europa nem nos Estados Unidos o aumento da área agricultável é em área de floresta. O Brasil tem 50 milhões de hectares de áreas desmatadas e que não estão sendo utilizadas. Não precisamos continuar derrubando floresta”.

Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, afirmou que a guerra na Ucrânia não pode justificar o que chamou de retrocesso. Segundo ele, o problema da fome não está na escassez, e sim na distribuição de alimentos.

“Estamos nessa luta de que não é necessário avançar a fronteira agrícola e avançar na área de produção. Essa lógica deveria valer para os americanos também, que adotaram uma solução de curto prazo e podem gerar problemas de longo prazo”, disse Pinto.

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, José Sismeiro, reclama do subsídio dado nos Estados Unidos que torna o produto brasileiro menos competitivo.

“Produzir alimentos não é crime, é uma benção. Mas é injusto que, quando é no caso dos EUA, é uma reserva estratégica, onde o produtor americano recebe para não plantar tendo lucro, enquanto o produtor brasileiro faz uma reserva de 20% de sua área total e não recebe nada por isso”, disse.

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