CartaCapital
Educação/ Fracasso civilizatório
O analfabetismo funcional continua um grave problema


De 2018 para cá, o Brasil foi incapaz de combater de maneira eficaz o analfabetismo funcional. Segundo estudo coordenado pela Ação Educativa, 29% dos cidadãos entre 15 e 64 anos têm conhecimentos rudimentares: leem palavras isoladas, frases curtas ou somente identificam números familiares, contatos telefônicos, endereços e preços, entre outras habilidades simplórias. É o mesmo índice de sete anos atrás. A situação piora na faixa da população acima de 50 anos e o porcentual chega a 51%. Em contraposição, são 84% os brasileiros funcionalmente alfabetizados de 15 a 29 anos. A desigualdade, claro, reflete-se e retroalimenta: enquanto 41% dos brancos são considerados alfabetizados intermediários ou proficientes, 31% dos pretos e pardos estão nessa condição e 19% de amarelos e indígenas. Outro dado alarmante é o fato de 12% dos detentores de diplomas universitários serem analfabetos funcionais. “Um resultado melhor só pode ser alcançado com políticas públicas significativas no campo da educação e não só da educação, mas também na redução das desigualdades e nas condições de vida da população”, afirmou Roberto Catelli, da Ação Educativa. “Quando essa população continua nesse lugar, ela permanece numa exclusão que vai se mantendo e reproduzindo ao longo dos anos.” Ana Lima, coordenadora do estudo, completa: “O importante agora é assegurar avanços no desenvolvimento contínuo das habilidades de letramento e numeramento dos brasileiros, tanto para aqueles que ainda estão na escola quanto para os que já estão fora dela”.
Por outro lado
O aumento da renda per capita e da expectativa de vida elevou a posição do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano. Passamos da posição 89 para 84 entre 193 nações avaliadas pelo Pnud, programa das Nações Unidas. Em termos educacionais, o Brasil ficou estacionado. O levantamento constata uma progressão mais lenta do mundo, o que adia o objetivo de um IDH universalmente elevado em 2030.
Última hora/ Fé iluminista
Robert Francis Prevost, novo papa, escolhe o nome de Leão XIV
Depois de cinco votações, a fumaça branca saiu da chaminé, para alegria e alívio dos fiéis em vigília na Praça de São Pedro. A inspiração em Leão XIII diz muito sobre as inclinações do eleito – Imagem: Andreas Solaro/AFP, Acervo/Museu de Roma, Tiziana Fabi/AFP e Alberto Pizzoli/AFP
O sol ainda não havia se posto às 19h14 em Roma, 14h14 da tarde no Brasil, quando o cardeal francês Dominique Mamberti se dirigiu à sacada do Vaticano para o anúncio secular. “Habemus papam”, pronunciou Mamberti, para o delírio dos fiéis prostrados na Praça de São Pedro. Após dois dias de conclave e cinco votações, o sucessor de Francisco será o norte-americano Robert Francis Prevost, de 69 anos, nascido em Chicago, mas com atuação pastoral na América Latina, em particular no Peru. A experiência eclesial provavelmente pesou a seu favor na disputa com outro nome favorito nas bolsas de apostas, o italiano Pietro Parolin. Próximo de Jorge Bergoglio, secretário de Estado da Santa Sé, segunda posição na hierarquia da Igreja, faltava a Parolin a experiência em dioceses e no contato direto com os cristãos.
Não se espere de Prevost o mesmo carisma e o mesmo humor de Francisco. Reservado, arredio a entrevistas e à exposição pública, o novo papa terá de recorrer a outras habilidades para conter a ala conservadora e manter em curso as reformas do antecessor rumo a uma instituição mais inclusiva, acolhedora e humana. Em declarações recentes, o pontífice externou suas afinidades com os princípios jesuítas que guiaram Bergoglio. O papa, afirmou, não deve ser um “príncipe” em seu reinado, ao contrário. “O bispo é chamado automaticamente para ser humilde, para estar perto daqueles que serve, para caminhar com eles, para sofrer com eles e procurar formas de viver melhor a mensagem do Evangelho no meio de sua gente.”
A escolha da alcunha Leão XIV também revela a inclinação de Prevost para um papado iluminista. Leão XIII foi sumo pontífice entre 1878 e 1903, período de agitação mundial. Vincenzo Gioacchino Buzzi abriu a Igreja à modernidade e aos avanços científicos e sistematizou o pensamento social da Cúria, apesar de criticar o comunismo. Saudou o fim da escravidão no Brasil e não poupou o capitalismo. A encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891, alertava para a situação precária dos trabalhadores. “A usura voraz”, escreveu, “veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância e de insaciável ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio dos trabalhadores (…), que se tornaram um quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que assim impõe um jugo quase servil à imensa multidão dos operariados.” Mais contemporâneo impossível.
Embora o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha comemorado a nomeação do primeiro papa norte-americano, Leão XIV servirá de contraponto ao republicano e à extrema-direita.
Cartão vermelho
O boliviano Miguelito, revelado pelo Santos e emprestado ao América Mineiro, foi detido em flagrante por injúria racial contra Allano, do Operário de Ponta Grossa, em partida válida pela Série B do Brasileirão. O juiz do encontro, Alisson Sidnei Furtado, executou o “protocolo antirracismo” da CBF ao receber o relato da ofensa. No fim da peleja, Miguelito foi preso e encaminhado à delegacia. O boliviano, que nega o crime, teria se referido ao zagueiro adversário como “preto do caralho”. Liberado pela Justiça, o jogador vai responder em liberdade.
Freio à baixaria
Em decisão inédita, o Conselho de Ética da Câmara aprovou a suspensão, por três meses, do mandato do deputado Gilvan da Federal, do PL capixaba, em razão de ofensas dirigidas à ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Durante uma sessão da Comissão de Segurança Pública, em abril, o parlamentar chamou Gleisi de “prostituta do caramba” e resgatou o codinome “Amante” atribuído a ela na lista da Odebrecht entregue à Lava Jato, em um processo no qual a ministra foi absolvida por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal. A punição foi aprovada por 15 votos a 4. Como a suspensão é inferior a 120 dias, não haverá convocação de suplente. Durante o período, Gilvan ficará sem salário, sem acesso à cota parlamentar e à verba de gabinete, e todos os seus assessores serão exonerados.
Brasília/ Solução caseira
Cida Gonçalves é substituída por Márcia Lopes no Ministério das Mulheres
Lula entre Cida Gonçalves e Márcia Lopes: transição pacífica – Imagem: Ricardo Stuckert/PR
Teria o presidente Lula desistido de uma reforma ministerial digna do nome? As mudanças recentes na Esplanada dos Ministérios resultaram de circunstâncias externas à vontade do petista. Primeiro, Juscelino Filho, enfim denunciado pela Procuradoria-Geral da República por mau uso de emendas parlamentares, deixou o Ministério das Comunicações. Depois, Carlos Lupi não resistiu ao escândalo dos descontos nas aposentadorias e pediu o chapéu na Previdência. Na segunda-feira 5, antes do tour por Rússia e China, Lula anunciou a troca no comando do Ministério das Mulheres. Sai Cida Gonçalves, entra Márcia Lopes, assistente social e ministra do Desenvolvimento Social em 2010, último ano do segundo mandato do presidente. Em uma demonstração de unidade, a ex e a nova titular da pasta participaram da transmissão da posse. “Assumo esta missão com humildade, coragem e o compromisso de toda uma trajetória dedicada à justiça social, à defesa dos direitos humanos e à construção de políticas públicas que transformam vidas, especialmente a vida das mulheres neste País”, escreveu Márcia Lopes em uma rede social.
Terrorismo doméstico
A Polícia Civil do Rio de Janeiro frustrou um plano de atentado com explosivos improvisados e coquetéis molotov durante o show gratuito de Lady Gaga na Praia de Copacabana, no sábado 3. A operação “Fake Monster” prendeu dois suspeitos: um homem no Rio Grande do Sul, por porte ilegal de arma, e um adolescente no Rio, por posse de pornografia infantil. Ambos faziam parte de um grupo extremista que recrutava jovens online para ataques contra crianças e a comunidade LGBTQIA+. Com mais de 2 milhões de espectadores, o evento ocorreu sem incidentes. A cantora norte-americana só foi informada da ameaça após o término do espetáculo.
Golpismo/ Naquela mesa está faltando ele
Carlos Bolsonaro merecia figurar no núcleo golpista da mentira
Carluxo comandava o gabinete do ódio, mas saiu ileso – Imagem: Eduardo Barreto/Câmara Rio
Os sete integrantes do quarto núcleo da tentativa de golpe, responsáveis, de acordo com a Procuradoria-Geral da República, por operar a máquina de fake news contra as urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral em 2022, parte do plano golpista comandado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, viraram réus por determinação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. O núcleo da mentira era formado pelos majores de pijama Ailton Barros e Angelo Denicoli, pelo engenheiro Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, contratado pelo PL para lançar suspeitas sobre o sistema eletrônico, pelo subtenente Giancarlo Rodrigues, o tenente-coronel Guilherme Almeida, o coronel Reginaldo Vieira e o agente da PF Marcelo Bormevet. A denúncia contra o grupo quatro foi analisada antes do três, marcada para daqui a duas semanas. O julgamento faz lembrar o samba de Nelson Gonçalves e Raphael Rabello. Naquela mesa está faltando ele. Carlos Bolsonaro, vulgo Carluxo, idealizador e mentor do gabinete do ódio, não figura entre os acusados. Por quê?
8 de Janeiro/ A enésima boia inflada
Câmara suspende ação contra Ramagem e abre brecha para salvar Bolsonaro
Bons companheiros. Não faltam exemplares no Congresso – Imagem: Lula Marques/Agência Brasil
O plenário da Câmara aprovou, na quarta-feira 7, um projeto que suspende a ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem, do PL. Relatado pelo colega Alfredo Gaspar, do União Brasil, o texto abre brecha para a anulação de todo o processo relativo à trama golpista de 2022, incluindo outros réus. É a enésima boia inflada para tentar salvar Jair Bolsonaro de uma condenação.
Como de costume, o projeto é inconstitucional e deve ser anulado pelo Supremo Tribunal Federal. Há duas semanas, o ministro Cristiano Zanin enviou um ofício ao presidente da Câmara, Hugo Motta, esclarecendo que a Casa só teria competência para analisar os crimes imputados a Ramagem após sua diplomação como deputado. Ou seja, ele poderia livrar-se das acusações por dano qualificado ao patrimônio e deterioração de bem tombado nos atos de 8 de janeiro de 2023, mas continuaria a responder pelos crimes de associação criminosa, golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito por atos cometidos quando era diretor da Abin. Já a tentativa de estender a decisão da Câmara a outros réus da ação penal, incluindo Bolsonaro, é um completo devaneio.
Os bolsonaristas sabem disso, mas jogam para a plateia. Querem forçar o STF a anular uma decisão da Câmara e, assim, alimentar a narrativa de uma suposta perseguição judicial contra o “Mito”. O episódio evidencia, porém, a fragilidade da base de Lula: deputados de vários partidos que integram o governo, como União Brasil e MDB, votaram em peso a favor do projeto.
Extremismo na Romênia
Marcel Ciolacu, premier romeno, renunciou, na segunda-feira 5, na esteira do fracasso de seu candidato, pró-Ocidente, nas eleições presidenciais. O segundo turno será disputado entre George Simion, de extrema-direita, que obteve 40,93% dos votos válidos, e Nicusor Dan, o centrista que administra a capital, Bucareste (20,98%). A eleição, inicialmente marcada para dezembro, foi adiada depois de o conselho de segurança do país denunciar “ataques híbridos russos” durante a campanha. De nada adiantou. Simion é um poste de Calin Georgescu, político pró-Moscou impedido de disputar o cargo.
Congresso/ Cabe mais um?
Câmara aprova projeto para ampliar número de deputados de 513 para 531
O impacto anual da mudança é estimado em 64,6 milhões de reais – Imagem: Zeca Ribeiro/Agência Câmara
A Câmara aprovou, na terça-feira 6, um Projeto de Lei que amplia de 513 para 531 o número de deputados federais, além de redistribuir a proporção de representantes por estado. A proposta teve 270 votos favoráveis, 207 contrários e uma abstenção. O texto agora segue ao Senado.
O número atual de deputados foi estabelecido por uma lei complementar de 1993. Ela determinava que a representação de cada unidade da federação deveria ser proporcional à sua população. A nova mudança atende a uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. No ano passado, os ministros da Corte entenderam ser necessária uma revisão com base nos dados do Censo Demográfico de 2022, realizado pelo IBGE.
Caso o Congresso não tome uma decisão até 30 de junho, a palavra final caberá à Justiça Eleitoral. O texto aprovado cria 18 novos assentos na Câmara, beneficiando nove estados: Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. O impacto anual dessa ampliação é estimado em 64,6 milhões de reais.
Publicado na edição n° 1361 de CartaCapital, em 14 de maio de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.