CartaCapital
Despedida honrosa
Políticos e colegas lembram o protagonismo de Mino Carta no jornalismo e na vida brasileira


“O Brasil perde, hoje, o seu melhor jornalista”, lamentou Lula na tarde da terça-feira 2, ao comparecer ao velório de Mino Carta, seu “companheiro há quase 50 anos”. Na ocasião, o presidente recordou que o jornalista foi o primeiro a estampar o então líder sindical na capa de uma revista, em 1978. “Foi gentileza do Mino ter se disposto, em um momento importante do recomeço da luta dos trabalhadores, a fazer uma capa na IstoÉ, que me ajudou e me colocou no cenário brasileiro da imprensa.”
Antes de deixar Brasília e viajar para São Paulo para participar do funeral – na companhia dos ministros Luiz Marinho (Trabalho) e Sidônio Palmeira (Comunicação Social), do presidente nacional do PT, Edinho Silva, e do deputado federal Rui Falcão –, Lula decretou luto oficial de três dias e publicou um emotivo texto nas redes sociais. “Mino fez história no jornalismo brasileiro: criou e dirigiu algumas de nossas principais revistas, formou gerações de profissionais e, sobretudo, mostrou que a imprensa livre e a democracia andam de mãos dadas”, escreveu o presidente. “Em meio ao autoritarismo do regime militar, as publicações que dirigia denunciavam o abuso dos poderosos e traziam a voz daqueles que clamavam pela liberdade.” O presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto, também compareceu.
A coragem de enfrentar os poderosos sempre foi uma marca distintiva de Mino Carta, observa o colega Juca Kfouri. “Ele jamais se omitiu, jamais se submeteu. Precisou inventar os próprios empregos a partir de um determinado momento, porque era uma pessoa absolutamente intransigente com os princípios dele”, afirmou o jornalista, antigo colunista de CartaCapital. “Não se pode pensar em escrever a história da imprensa brasileira sem que haja um capítulo especialíssimo só dedicado ao Mino.”
O jornalista “mostrou que a imprensa livre e a democracia andam de mãos dadas”, disse o presidente Lula
Diretor de Jornalismo da Rede Bandeirantes, Fernando Mitre recordou com carinho o período em que trabalharam juntos no Jornal da Tarde. “Aquela foi uma redação absolutamente criativa, era uma coisa diferente, comandada pelo Mino Carta, que foi um grande líder, com um brilho que se expandiu em muitas outras publicações. Foi o maior de todos.” Também presente no velório, o escritor Fernando Morais guarda ótimas lembranças de sua passagem pela publicação, que revolucionou a forma de fazer jornalismo no Brasil a partir dos anos 1960. “Aprendi muito do que sei no velho JT”, disse Morais. “O Mino morreu brigado comigo, após 50 anos de amizade, mas isso não diminui a enorme admiração e respeito que tenho por ele.”
Antes mesmo de conhecer Mino Carta, o médico Drauzio Varella nutria grande estima pelo jornalista. “O Jornal da Tarde foi um marco para a minha geração. Lembro quando surgiu, aquilo foi uma revolução, não só da linguagem, mas do próprio conceito gráfico”, recorda. Anos depois, o oncologista viria a cuidar da esposa de Mino, Angélica – e nasceu, então, a amizade. “As coisas que sei do jornalismo eu devo ao Mino. Quando comecei a escrever a convite dele, médico sério não falava em meios de comunicação. Ele me ensinou que a abrangência da informação poderia fazer o tema da saúde atingir mais pessoas”, comenta.
Outro “estranho no ninho”, seduzido por Mino a escrever nas páginas da CartaCapital, é o desembargador aposentado Walter Fanganiello Maierovitch. “Tive dois professores na vida. O primeiro, como eu sou juiz de carreira, foi um desembargador. Quando me aposentei, o Mino falou: ‘Você vai ter uma coluna na revista’. Ele me ensinou a escrever de maneira clara e precisa — e me ensinou tantas coisas mais, não só do jornalismo. Leituras que eu não tinha feito, e até o nó de gravata que eu não sabia dar”, recordou, entre lágrimas.
Familiares e amigos velaram Mino na capela do Cemitério São Paulo, na capital paulista. Na coroa de flores, um resumo da maneira como o jornalista enfrentou a vida – Imagem: Mayra Azzi
“O Mino é a própria imprensa brasileira, fez as coisas mais importantes que rolaram por aqui”, afirma o fotógrafo e jornalista Hélio Campos Mello, que participou da equipe fundadora da revista IstoÉ, em 1976. “Eu o chamo de mestre porque aprendi muito com ele, e também com os maus humores dele”, brinca.
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, sócio e colunista desta revista, é outro que se declara um aprendiz de Mino Carta, desde que trabalharam juntos na revista Veja, nos anos 1960. “Aprendi muito com ele, muito mesmo. Caminhamos juntos até criar a CartaCapital, em 1994, e demos continuidade a essa parceria – para mim, decisiva.”
Pelas redes sociais, a ex-presidente Dilma Rousseff destacou a coragem de Mino Carta ao enfrentar o regime militar, mesmo sob a ameaça permanente de censura ou de uma prisão arbitrária. “Em plena vigência do AI-5, publicou na Veja, em 1968, uma reportagem que denunciou 150 casos de tortura nos porões da ditadura.” Segundo a atual diretora do NDB, conhecido como Banco dos BRICS, Mino “reinventou a imprensa brasileira e definiu o verdadeiro papel do jornalista: defensor da verdade factual e fiscal do poder. Exercitou tais princípios quando era mais arriscado fazê-lo”.
Mino “definiu o verdadeiro papel do jornalista: defensor da verdade factual e fiscal do poder”, escreveu Dilma
Políticos de diferentes espectros lamentaram a morte do jornalista. “Ele dedicou toda sua vida ao desenvolvimento de publicações que fizeram história na imprensa brasileira, dando voz à defesa dos valores democráticos”, escreveu o vice-presidente Geraldo Alckmin, filiado ao PSB. “Hoje, lamentamos a perda de um ícone do jornalismo. Mino Carta é um pioneiro, exemplo para várias gerações de compromisso com a verdade e a isenção”, acrescentou o senador Renan Calheiros, do MDB. A correligionária Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, arrematou que o diretor de redação de CartaCapital “dedicou sua vida à informação com coragem e compromisso com a democracia”.
Diversos outros ministros também se manifestaram. Macaé Evaristo, titular da pasta de Direitos Humanos, observou que Mino “sempre exerceu o jornalismo com rigor e coragem”, oferecendo aos leitores “análises críticas para melhor compreensão dos acontecimentos e do Brasil”. Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) afirmou que o jornalista sempre “foi voz firme contra o autoritarismo e em defesa da democracia”.
Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) destacou que a “trajetória guiada por princípios firmes, pela fidelidade aos fatos e pelo espírito crítico merece nossa reverência”. Na mesma toada, Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) observa que o jornalista sempre foi fiel às suas convicções, “mesmo quando esse era o caminho mais difícil”. Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Guido Mantega acrescenta que Mino Carta conseguiu manter a independência e praticar um jornalismo de excelência, “sem jamais se curvar aos poderosos”. Já Camilo Santana, titular da pasta da Educação, preferiu simplesmente agradecer: “Obrigado por tanto, Mino Carta! Que seu legado imenso no jornalismo brasileiro e o amor no exercício da profissão sigam inspirando nossas gerações por muitos anos”.
Paulo Okamotto, presidente da Fundação Perseu Abramo – Imagem: Mayra Azzi
Em nota, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, ressaltou a importância histórica do jornalista. “Foi uma voz forte e pujante do jornalismo, tendo uma vida dedicada ao Brasil e à democracia”, escreveu. “Neste momento de tristeza, manifesto minha solidariedade e deixo meu abraço fraterno a todos os amigos, admiradores e familiares, especialmente à filha e também jornalista Manuela, que segue dando continuidade ao legado do pai”.
O ex-ministro Roberto Amaral lamentou: “Perdemos um amigo precioso. O Brasil, tão pobre, perde um pioneiro, um lutador que jamais ensarilhou as armas (…) A ausência do Mino, porém, deve servir para o chamamento à nossa resistência. Esta será a forma de honrá-lo”. João Pedro Stédile, um dos fundadores do MST, reforçou: “Estou aqui dolorido com a perda de nosso amigo genovês, mestre do jornalismo e comprometido com nosso povo, que o adotou como filho ilustre”. •
Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Despedida honrosa’
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