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Despedida honrosa

Políticos e colegas lembram o protagonismo de Mino Carta no jornalismo e na vida brasileira

Despedida honrosa
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Luiz Gonzaga Belluzzo e Manuela Carta recebem os cumprimentos do presidente Lula e dos ministros Sidônio Palmeira e Luiz Marinho. Juca Kfouri, Drauzio Varella e Edinho Silva, presidente do PT, prestaram homenagens – Imagem: Marina Uezima/Brazil Photo Press/AFP e Mayra Azzi
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“O Brasil perde, hoje, o seu melhor jornalista”, lamentou Lula na tarde da terça-feira 2, ao comparecer ao velório de Mino Carta, seu “companheiro há quase 50 anos”. Na ocasião, o presidente recordou que o jornalista foi o primeiro a estampar o então líder sindical na capa de uma revista, em 1978. “Foi gentileza do Mino ter se disposto, em um momento importante do recomeço da luta dos trabalhadores, a fazer uma capa na IstoÉ, que me ajudou e me colocou no cenário brasileiro da imprensa.”

Antes de deixar Brasília e viajar para São Paulo para participar do funeral – na companhia dos ministros Luiz Marinho (Trabalho) e Sidônio Palmeira (Comunicação Social), do presidente nacional do PT, Edinho Silva, e do deputado federal Rui Falcão –, Lula decretou luto oficial de três dias e publicou um emotivo texto nas redes sociais. “Mino fez história no jornalismo brasileiro: criou e dirigiu algumas de nossas principais revistas, formou gerações de profissionais e, sobretudo, mostrou que a imprensa livre e a democracia andam de mãos dadas”, escreveu o presidente. “Em meio ao autoritarismo do regime militar, as publicações que dirigia denunciavam o abuso dos poderosos e traziam a voz daqueles que clamavam pela liberdade.” O presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto, também compareceu.

A coragem de enfrentar os poderosos sempre foi uma marca distintiva de ­Mino Carta, observa o colega ­Juca ­Kfouri. “Ele jamais se omitiu, jamais se submeteu. Precisou inventar os próprios empregos a partir de um determinado momento, porque era uma pessoa absolutamente intransigente com os princípios dele”, afirmou o jornalista, antigo colunista de CartaCapital. “Não se pode pensar em escrever a história da imprensa brasileira sem que haja um capítulo especialíssimo só dedicado ao Mino.”

O jornalista “mostrou que a imprensa livre e a democracia andam de mãos dadas”, disse o presidente Lula

Diretor de Jornalismo da Rede Bandeirantes, Fernando Mitre recordou com carinho o período em que trabalharam juntos no Jornal da Tarde. “Aquela foi uma redação absolutamente criativa, era uma coisa diferente, comandada pelo Mino ­Carta, que foi um grande líder, com um brilho que se expandiu em muitas outras publicações. Foi o maior de todos.” Também presente no velório, o escritor Fernando Morais guarda ótimas lembranças de sua passagem pela publicação, que revolucionou a forma de fazer jornalismo no Brasil a partir dos anos 1960. “Aprendi muito do que sei no velho JT”, disse Morais. “O ­Mino morreu brigado comigo, após 50 anos de amizade, mas isso não diminui a enorme admiração e respeito que tenho por ele.”

Antes mesmo de conhecer Mino ­Carta, o médico Drauzio Varella nutria grande estima pelo jornalista. “O Jornal da Tarde foi um marco para a minha geração. Lembro quando surgiu, aquilo foi uma revolução, não só da linguagem, mas do próprio conceito gráfico”, recorda. Anos depois, o oncologista viria a cuidar da esposa de ­Mino, Angélica – e nasceu, então, a amizade. “As coisas que sei do jornalismo eu devo ao ­Mino. Quando comecei a escrever a convite dele, médico sério não falava em meios de comunicação. Ele me ensinou que a abrangência da informação poderia fazer o tema da saúde atingir mais pessoas”, comenta.

Outro “estranho no ninho”, seduzido por Mino a escrever nas páginas da ­CartaCapital, é o desembargador aposentado Walter Fanganiello Maierovitch. “Tive dois professores na vida. O primeiro, como eu sou juiz de carreira, foi um desembargador. Quando me aposentei, o Mino falou: ‘Você vai ter uma coluna na revista’. Ele me ensinou a escrever de maneira clara e precisa — e me ensinou tantas coisas mais, não só do jornalismo. Leituras que eu não tinha feito, e até o nó de gravata que eu não sabia dar”, recordou, entre lágrimas.

Familiares e amigos velaram Mino na capela do Cemitério São Paulo, na capital paulista. Na coroa de flores, um resumo da maneira como o jornalista enfrentou a vida – Imagem: Mayra Azzi

“O Mino é a própria imprensa brasileira, fez as coisas mais importantes que rolaram por aqui”, afirma o fotógrafo e jornalista Hélio Campos Mello, que participou da equipe fundadora da revista IstoÉ, em 1976. “Eu o chamo de mestre porque aprendi muito com ele, e também com os maus humores dele”, brinca.

O economista Luiz Gonzaga ­Belluzzo, sócio e colunista desta revista, é outro que se declara um aprendiz de Mino ­Carta, desde que trabalharam juntos na revista Veja, nos anos 1960. “Aprendi muito com ele, muito mesmo. Caminhamos juntos até criar a CartaCapital, em 1994, e demos continuidade a essa parceria – para mim, decisiva.”

Pelas redes sociais, a ex-presidente Dilma Rousseff destacou a coragem de Mino Carta ao enfrentar o regime militar, mesmo sob a ameaça permanente de censura ou de uma prisão arbitrária. “Em plena vigência do AI-5, publicou na Veja, em 1968, uma reportagem que denunciou 150 casos de tortura nos porões da ditadura.” Segundo a atual diretora do NDB, conhecido como Banco dos BRICS, Mino “reinventou a imprensa brasileira e definiu o verdadeiro papel do jornalista: defensor da verdade factual e fiscal do poder. Exercitou tais princípios quando era mais arriscado fazê-lo”.

Mino “definiu o verdadeiro papel do jornalista: defensor da verdade factual e fiscal do poder”, escreveu Dilma

Políticos de diferentes espectros lamentaram a morte do jornalista. “Ele dedicou toda sua vida ao desenvolvimento de publicações que fizeram história na imprensa brasileira, dando voz à defesa dos valores democráticos”, escreveu o vice-presidente Geraldo ­Alckmin, filiado ao PSB. “Hoje, lamentamos a perda de um ícone do jornalismo. Mino ­Carta é um pioneiro, exemplo para várias gerações de compromisso com a verdade e a isenção”, acrescentou o senador ­Renan Calheiros, do MDB. A correligionária ­Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, arrematou que o diretor de redação de CartaCapital “dedicou sua vida à informação com coragem e compromisso com a democracia”.

Diversos outros ministros também se manifestaram. Macaé Evaristo, titular da pasta de Direitos Humanos, observou que Mino “sempre exerceu o jornalismo com rigor e coragem”, oferecendo aos leitores “análises críticas para melhor compreensão dos acontecimentos e do Brasil”. Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) afirmou que o jornalista sempre “foi voz firme contra o autoritarismo e em defesa da democracia”.

Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) destacou que a “trajetória guiada por princípios firmes, pela fidelidade aos fatos e pelo espírito crítico merece nossa reverência”. Na mesma toada, Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) observa que o jornalista sempre foi fiel às suas convicções, “mesmo quando esse era o caminho mais difícil”. Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Guido ­Mantega acrescenta que Mino Carta conseguiu manter a independência e praticar um jornalismo de excelência, “sem jamais se curvar aos poderosos”. Já Camilo Santana, titular da pasta da Educação, preferiu simplesmente agradecer: “Obrigado por tanto, Mino Carta! Que seu legado imenso no jornalismo brasileiro e o amor no exercício da profissão sigam inspirando nossas gerações por muitos anos”.

Paulo Okamotto, presidente da Fundação Perseu Abramo – Imagem: Mayra Azzi

Em nota, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, ressaltou a importância histórica do jornalista. “Foi uma voz forte e pujante do jornalismo, tendo uma vida dedicada ao Brasil e à democracia”, escreveu. “Neste momento de tristeza, manifesto minha solidariedade e deixo meu abraço fraterno a todos os amigos, admiradores e familiares, especialmente à filha e também jornalista Manuela, que segue dando continuidade ao legado do pai”.

O ex-ministro Roberto Amaral lamentou: “Perdemos um amigo precioso. O Brasil, tão pobre, perde um pioneiro, um lutador que jamais ensarilhou as armas (…) A ausência do Mino, porém, deve servir para o chamamento à nossa resistência. Esta será a forma de honrá-lo”. João Pedro Stédile, um dos fundadores do MST, reforçou: “Estou aqui dolorido com a perda de nosso amigo genovês, mestre do jornalismo e comprometido com nosso povo, que o adotou como filho ilustre”. •

Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Despedida honrosa’

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