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Cordel se adaptou à era digital, mas folheto impresso segue soberano

Autor e pesquisador Marco Haurélio conta como anda hoje a tradição popular, depois de mais de um século de existência

Foto: Wikipedia
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A literatura de cordel como se conhece hoje surgiu no final do século XIX e início do XX. Antes, no entanto, romances já circulavam de forma oral entre a população do Nordeste. Essas narrativas tinham temáticas provenientes de outros países e do universo sertanejo.

“Isso ainda não era o cordel”, diz Marco Haurélio, autor e pesquisador na área, que entre os dias 11 de maio e 29 de junho realiza curso virtual sobre literatura de cordel no Instituto Brincante (inscrições no site da instituição).

“Romance, na definição original, era um poema narrativo, às vezes cômico, às vezes trágico. Os romances sertanejos, surgidos nos séculos XVIII e XIX, principalmente, tratavam do ciclo da pastorícia, banditismo, religiosidade, valentia”, conta.

Com mais de 50 livros publicados, entre cordéis, infantojuvenis e estudos da tradição oral, Marco diz o que mudou de fato nesse longo tempo foi forma de comercialização.

Leandro Gomes de Barros, um dos precursores do cordel, que se estabeleceu nos arredores do Recife, adquire prelos antigos e começa a pôr no papel impresso as histórias que ouvia. “Ele amplia romances existentes. Ele também começa a versar narrativas que tem origem nas vozes do povo”, relata.

Chagas Batista, compadre do Leandro, se torna um editor conceituado do gênero. Tem também o Jose Galdino da Silva Duda, que verte para o cordel uma novela da coleção Decameron, e ainda o poeta e cantador Silvino Pirauá. Recife é a cidade de convergência de todo essa primeira geração de cordelistas.

“Cordel faz mergulho efetivo na memória do autor. Mas também tem o lado do crítico social. Está entre essas duas vertentes. Mostrar o passado mitificado e ao mesmo tempo as mazelas de seu tempo”, define Marco Haurélio a temática da literatura de cordel.

Editoras

Mas o poeta João Martins de Athayde é que estabelece o cordel como atividade industrial. “Athayde comprou os direitos sobre a obra de Leandro em 1921 e publicou até 1949. Leandro (Gomes de Barros) publicava os cordéis ao estilo dos folhetins. Athayde mudou isso, passando a publicar em um único volume. Se o cordel fosse muito extenso, ele o dividia em dois ou mais volumes”.

Outras editoras surgem no País. O fundador da Guajarina de Belém do Pará, Francisco Lopes, era pernambucano. A editora inaugurada em 1914, sobreviveu até a década de 1940. No Rio de Janeiro, nos anos 1940, a H. Antunes publicava livretos com capas coloridas.

A Editora Prelúdio, de São Paulo, era um desdobramento da Tipografia Souza, fundada em 1912, pelo português José Pinto de Souza. Em 1973, ela muda o nome para Luzeiro, herdando o nome da Luzeiro do Norte, do Recife, da qual adquire o acervo.

Na Bahia, na década de 1950, as edições se tornaram mais populares a partir das mãos de Rodolfo Coelho Cavalcante e Minelvino Francisco Silva. Mas há registros de publicação e circulação de folhetos em décadas anteriores.

Mulheres cordelistas

“O que mudou hoje foi a facilidade de edição que você tem. Nós temos muitos cordelistas que editam e vendem seus próprios trabalhos”, afirma. “E a participação feminina é uma realidade”.

A presença feminina no cordel foi se consolidando no início do ano 2000. “Antes, a mulher era um personagem e ajudava a difundir o cordel”.

Hoje tem edição digital e o próprio Marco Haurélio editou textos de domínio público nesse formato. Obras infanto-juvenis do gênero são difundidas em edições digitalizadas, mas também saem impressas. No Youtube há gente declamando poemas de cordel.

“E ainda existem blogs de cordel que o pessoal publica o que não vai comercializar”. É interessante observar que isso aponta ainda existir preocupação grande em imprimir a literatura de cordel pelos seus autores. “Mesmo sem as grandes tiragens de outros tempos”, o pesquisador avalia que o folheto impresso segue soberano.

“Cordel irradiou para outras artes, como no cinema de Glauber Rocha, e deixa de ser um gênero e se aproxima de um conceito. Essas mudanças também aconteceram”, ressalta Marco. “A elite cultural precisa ainda reconhecer os precursores do cordel que continuam sendo publicados”, diz.

A literatura de cordel é uma das grandes artes do Nordeste e relata as lendas, mitos, religiosidade e a realidade muitas vezes difícil da região. A declamação da literatura de cordel pode, por vezes, ser feita com acompanhamento musical. Mas não confunda com o repente.

O pesquisador Marco Haurélio, em seu livro Breve História da Literatura de Cordel e que no curso que dará no Instituto Brincante provavelmente reforçará, diz o seguinte:

“Repentista não é cordelista, e cordelista não é repentista. Repentista pode ser cordelista, e vice-versa (mas não é regra). O cordel não é a versão escrita do repente, assim como o repente não é cordel cantado. São manifestações irmãs que se desenvolvem na mesma região e, à medida que o tempo passa, têm acentuadas as suas diferenças”.

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