CartaCapital

assine e leia

Congresso/ Carta fora do baralho

Após a folgada reeleição de Pacheco e Lira, Lula não tem motivo para temer a oposição bolsonarista

Congresso/ Carta fora do baralho
Congresso/ Carta fora do baralho
O problema continua a ser a dependência do Centrão, liderado pela dupla - Imagem: Jefferson Rudy/Ag.Senado
Apoie Siga-nos no

Sem temer a constante exposição ao ridículo, a matilha bolsonarista agarra-se em fantasiosas narrativas para renovar a fé em seu Messias. Sacramentada a derrota do ex-capitão nas urnas, a turma tratou de difundir a cascata de que os “patriotas” deveriam se manter mobilizados por 72 horas para que as Forças Armadas pudessem comprovar a “fraude nas eleições” e intervir. Vencido o período mágico, a militância não se deu por satisfeita com a divulgação do relatório dos militares, que não identificaram qualquer prova ou evidência plausível de manipulação das urnas eletrônicas. Logo, iniciou-se outra vigília de três dias, desta vez para dar tempo para as tropas se organizarem para o golpe. E assim, com desculpas inventadas de 72 em 72 horas, os fiéis se plantaram na porta de quartéis até a fatídica intentona de 8 de janeiro, que resultou na depredação das sedes dos Três Poderes.

Nem a posse de Lula nem a detenção em massa dos extremistas que devastaram Brasília parecem ter sido suficientes para aplacar os devaneios da turma. Nos últimos dias, os “patriotas” animaram-se com a remotíssima possibilidade de o senador bolsonarista Rogério Marinho, ex-ministro do Desenvolvimento Regional, derrotar Rodrigo Pacheco, do PSD, na disputa pela presidência do Senado. Ledo engano. Candidato à reeleição com o apoio de Lula, Pacheco venceu por uma margem menor que a obtida em 2021, mas ainda assim folgada: obteve 49 votos ante 32 do adversário. Nem de longe Marinho representou a ameaça alardeada por aliados do ex-capitão nas redes sociais, e encampada por setores da mídia que se autointitula “profissional”.

Na Câmara, o presidente Arthur Lira reelegeu-se com os pés nas costas. Com a adesão de petistas e governistas de variadas colorações, conquistou votação recorde: recebeu 464 de um total de 508 sufrágios. Ao contrário da versão alardeada às vésperas das eleições parlamentares, Lula não tem motivos para se preocupar com a força da oposição de extrema-direita. O problema continua a ser a dependência do Centrão para governar.

Fim da intervenção

Vinte e quatro dias após a intentona bolsonarista, com os ataques terroristas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, a intervenção na segurança pública do Distrito Federal terminou na ­terça-feira 31. Com a saída de Ricardo Capelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e interventor nomeado por Lula, a governadora em exercício Celina Leão, do PP, decidiu nomear o delegado da Polícia Federal Sandro Avelar para a chefia da pasta. Avelar ocupou a mesma secretaria durante o governo do petista Agnelo Queiroz, entre 2011 e 2014, e teve o nome referendado pelo ministro Flávio Dino.

RealpolitikO custo da governabilidade

Cria do Centrão, o ministro das Comunicações desgasta a imagem do novo governo

Juscelino Filho admite ter usado recursos do orçamento secreto – Imagem: Antonio Barbosa/DEM

Acusado de usar emendas do orçamento secreto em benefício próprio e de fraudar as contas eleitorais, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, arranha a imagem do governo Lula. Deputado do baixo clero e filiado ao União Brasil, ele destinou 7,5 milhões de reais em emendas de relator ao município maranhense de ­Vitorino Freire para obras de pavimentação, dos quais 5 milhões seriam para a melhoria de 19 quilômetros da estrada que circunda ao menos oito fazendas de sua família. Não bastasse, durante a campanha de reeleição à Câmara, Juscelino informou à Justiça Eleitoral que fez 23 viagens pela empresa Rotorfly Táxi Aéreo, de agosto a setembro de 2022. Na prestação de contas é dito que três “cabos eleitorais” teriam realizado os percursos, que consumiram 385 mil ­reais do Fundo Partidário. Residentes em São Paulo, os supostos funcionários dizem desconhecer o político e temem ter sido usados como laranjas. Os dois casos foram revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Apesar de jamais ter tido influência nos debates nacionais, muito menos no setor de radiodifusão, Juscelino assumiu um dos principais ministérios do governo, com orçamento de 3 bilhões de reais. A nomeação faz parte do acordo de Lula com o Centrão, em nome da governabilidade.

O novo ofício de Regina Duarte

Depois de rasgar a própria biografia semeando o antipetismo no período eleitoral e servindo com denodo ao governo de Jair Bolsonaro, a pecuarista e atriz aposentada Regina Duarte resolveu pontificar sobre a crise humanitária vivenciada pelo povo Yanomâmi, que perdeu ao menos 570 crianças por desnutrição severa ou doenças tratáveis, como a diarreia, durante a gestão do ex-chefe: “A infância desamparada dos Yanomâmis, uma gente criada à base de mandioca, feijão, verduras e peixe”, escreveu ela no Instagram. A declaração causou assombro até mesmo em ex-colegas que há tempos se distanciaram da neonutróloga. “Regina, sua atitude é inexplicável! Você é mãe e avó! Respeite a inteligência de quem lê suas postagens e te segue! Respeite o povo Yanomâmi!”, reagiu o ator Paulo Betti.

Automobilismo/ Apóstolo em apuros

Valdemiro Santiago tem veículos off-road penhorados pela Justiça

O aventureiro esquiva-se da cobrança e diz que não foi fiador – Imagem: Redes sociais

Fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, o apóstolo Valdemiro Santiago teve uma aplicação bancária de renda fixa bloqueada e três automóveis penhorados por determinação da Justiça de São Paulo. A decisão atende à solicitação da empresa Rio Negro Empreendimentos Imobiliários, que alugou um imóvel de 7.816 metros quadrados para a igreja na cidade de Amparo, interior paulista, e cobra uma dívida de 718 mil reais em aluguéis vencidos. O valor inclui correção monetária e juros.

Na defesa apresentada à Justiça, Santiago alegou que não deveria ser alvo da cobrança, “pois não faz parte do estatuto social da Igreja Mundial do Poder de Deus” e tampouco assinou o contrato de locação como fiador. O juiz Armando da Silva Júnior avaliou, porém, haver robustos indícios de que a instituição religiosa “oculta seu patrimônio na pessoa do réu (o apóstolo)” com o objetivo de dificultar as ações de cobrança. Habituado a usar relógios caros e correntes de ouro, o aventureiro apóstolo não terá mais à disposição sua coleção de veículos off-road, a incluir um ­Troller (2009), um Rover (2011) e um Rover Discovery (2017), alvos do mandado de penhora.

Diplomacia/ Nada de 7 a 1

No encontro entre Scholz e Lula, prevalecem as convergências

Scholz queria munição para a Ucrânia, Lula ofereceu diálogo – Imagem: Ricardo Stuckert/PR

Após visitar Argentina e Chile, o chanceler alemão, Olaf Scholz, completou o tour pela América do Sul em Brasília, onde se reuniu com o presidente Lula. Houve mais pontos de concordância do que de divergência entre os dois países. Como havia dito durante a reunião em Buenos Aires da Celac, organização dos países latino-americanos e caribenhos, Lula reafirmou a disposição de concluir o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Os alemães, por sua vez, em gesto de boa vontade e reconhecimento da mudança de postura do Brasil em relação ao meio ambiente, anunciaram a liberação de 200 milhões de euros (cerca de 1 bilhão de reais) para ações de preservação da Amazônia. A divergência deu-se em torno da guerra na Ucrânia. Embora tenha recentemente condenado a invasão russa, Lula recusou-se a enviar munição para os tanques que o Ocidente pretende doar aos ucranianos. Em vez disso, propôs a Scholz a criação de um grupo de mediação da paz, escolhido entre os integrantes do G-20. Ainda em fevereiro, o brasileiro irá aos Estados Unidos encontrar-se com o democrata Joe Biden. Em março, terá reuniões com o líder chinês, Xi Jinping. Na sequência, deve receber o presidente francês, Emmanuel Macron.

Conversa de doidos

Boris Johnson, ex-premier britânico, tem compulsão pelos holofotes. Durante a gravação de um documentário da BBC, Johnson voltou ao noticiário por relatar uma suposta ameaça do presidente russo, Vladimir Putin. “Boris, não quero machucá-lo, mas, com um míssil, levaria apenas um minuto, ou algo assim”, descreveu à equipe do canal de tevê. “Mas acho que, pelo tom muito relaxado, o tipo de ar de distanciamento que parecia ter, ele estava apenas jogando com as minhas tentativas de convencê-lo a negociar.” O Kremlin negou o diálogo. “Mentira”, rebateu Dmitry Peskov, porta-voz. Quem fala a verdade? A credibilidade, nos dois casos, é nula, ou “algo assim”.

Peru/ Vitória das ruas

O Congresso aceita discutir a antecipação das eleições gerais

Boluarte resiste à ideia, mas está cada vez mais isolada – Imagem: Melina Mejia/Presidência do Peru

A execução, no sábado 29, de um manifestante em Lima com um tiro na cabeça, quinquagésima oitava vítima das forças de segurança, talvez tenha influenciado a decisão do Parlamento de reavaliar a antecipação das eleições gerais marcadas para 2024. A proposta havia sido recusada na sexta-feira 28, mas voltou a ser analisada no plenário na segunda 30 e obteve, graças ao apoio do presidente da Casa, José Williams, o mínimo necessário de 66 votos para entrar na pauta. A aprovação de um pleito ainda neste ano depende, no entanto, do sim de 87 congressistas. Segundo a mídia local, a proposição mais aceita pelos deputados seria um primeiro turno em outubro, um segundo turno em dezembro ou janeiro e a posse dos novos eleitos em março do próximo ano. A ideia parece agradar à maioria parlamentar, mas não atende às reivindicações dos milhares de manifestantes que bloqueiam estradas e agitam as principais cidades do país desde a prisão do presidente Pedro Castillo, acusado de tentar um autogolpe. Dina ­Boluarte, a vice empossada no lugar de Castillo, que resiste a novas eleições, ainda não se pronunciou a respeito. A repressão violenta aos protestos continua.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1245 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo