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Com Bolsonaro no pior momento, o golpe tende a fracassar — apesar do risco PM

Ou seja, o País continuará num impasse: Bolsonaro sem força para avançar, mas com força para não cair

Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois, teve os sigilos bancário e fiscal quebrados pela Justiça. (FOTO: Renan Olaz/CMRJ e Alan Santos/PR)
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Gilmar João Alba, o “Gringo Loco”, é prefeito de Cerro Grande do Sul, cidade gaúcha de 12 mil habitantes. Aos 53 anos, é um rico ruralista do tabaco. Ao eleger-se em 2020 pelo PSL, o ex-partido de Jair Bolsonaro, declarou à Justiça Eleitoral bens de 8,6 milhões, dos quais 3 milhões em espécie. Em 26 de agosto último, carregava 505 mil cash no Aeroporto de Congonhas, de onde iria de jatinho a Brasília. A grana foi descoberta pela Polícia Federal em caixas de papelão submetidas a raio X. Foi apreendida, pois o dono não explicou a origem. E o destino? Senadores da CPI da Covid pediram ao juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que bote o prefeito no inquérito sobre uma organização criminosa chamada a financiar atos autoritários. Suspeitam que a grana ajudaria a bancar eventos do gênero daqueles convocados pelo ex-capitão para o 7 de Setembro.

Bolsonaro participará de manhã de manifestação na Esplanada dos Ministérios (o costumeiro desfile militar foi cancelado) e à tarde estará em outra na Avenida Paulista. Segundo a associação dos hotéis de Brasília, quase 100% dos quartos em áreas centrais da cidade estarão ocupados até a segunda-feira 6. O governo local mobilizou 5 mil policiais e bombeiros para trabalhar no feriado e fechará a Praça dos Três Poderes. Todos os que forem às ruas, até grupos pró-impeachment, serão revistados. Nada de armas de fogo e branca, objetos cortantes, pedaços de pau e ferro, fogos de artifício. Em São Paulo, também haverá revista, inclusive de policiais inativos. A turma anti-Bolsonaro não poderá realizar o tradicional Grito dos Excluídos na Paulista, por veto estadual, e se deslocará para o Vale do Anhangabaú.

O governo distrital mobilizou 5 mil policiais e bombeiros para trabalhar no feriado e fechar a Praça dos Três Poderes

O presidente preparou seus fiéis para encenarem um show de raiva e com gana de ir às ruas. A alguns disse no Palácio da Alvorada: “Tem que todo mundo comprar fuzil”. Um dia depois, comentou com evangélicos em Goiânia que seu futuro tinha três caminhos, “estar preso, morto ou a vitória”, frase definida como “desabafo” a uma rádio, diante da hipótese de vir a ser alvo de futura “sanção restritiva” por parte do juiz Moraes, que o incluiu no inquérito das milícias digitais. Carlos Bolsonaro, filho de Jair e miliciano digital-chefe, teve os sigilos bancário e fiscal quebrados pela Justiça, por suspeita de “rachadinha”. Ao passear de moto em Uberlândia em plena terça-feira, o presidente declarou que “nunca uma oportunidade para o povo brasileiro foi ou será tão importante quanto este próximo 7 de Setembro”, pois “querem que eu tome certas medidas”. Ao condecorar atletas militares no Planalto no dia seguinte, disse que “quem quer a paz, se prepare para a guerra”.

As últimas semanas viram uma mudança na estratégia de convocar as manifestações, conforme a consultoria ­Quaest, especialista em redes sociais. De início, estimulava-se um ataque ao Supremo, em razão da entrada do presidente no inquérito das milícias digitais e do enterro da lei do voto impresso. O ex-capitão crê que, no caso, o STF colaborou. A partir de meados de agosto, o mote passou a ser a defesa da “liberdade”. Bolsonaristas têm visão própria de “liberdade”. Querem poder se portar abjetamente: piadas com negros, gays e nordestinos, armamento da população, destruição ambiental em nome da exploração da terra, funcionamento normal da economia em uma pandemia.

Ricardo Lewandowski lembra que a Constituição pune a atuação de grupos armados contra a ordem democrática. Alexandre de Moraes irritou o bolsonarismo ao negar prisão domicilar a Roberto Jefferson. (FOTO: STF)

O Supremo precaveu-se e manteve-se firme. Seu presidente, Luiz Fux, decidiu fazer da segunda-feira 6 ponto facultativo. No feriado, o tribunal estará fechado para visitação e com a segurança reforçada. Moraes, cuja cabeça o presidente pediu em vão ao Senado, peitou o bolsonarismo, ao negar prisão domiciliar a Roberto Jefferson, chefe do PTB. Não adiantou um dos filhos do encarcerado tuitar que o pai estava morrendo no presídio de Bangu e precisava de hospital. “Até a data da prisão”, escreveu Moraes, Jefferson “exercia plenamente a presidência de partido político, realizando atividade política intensa – sem respeitar qualquer isolamento social –, inclusive com diversas visitas em gabinetes em Brasília, distante de sua residência no interior do estado do Rio de Janeiro; a demonstrar sua aptidão física para viagens de longa distância”.

O ex-deputado foi em cana preventivamente em 13 de agosto por ameaças ao Supremo. A Procuradoria-Geral da República denunciou-o à Corte recentemente, por incitação ao crime, racismo e violação da Lei de Segurança Nacional. A acusação deverá ser revista. A Lei de Segurança Nacional, entulho da ditadura, acaba de ser revogada. O ex-capitão sancionou, na quarta-feira 1o, a abolição, surgida por obra do Congresso.

A sede do STF estará fechada para visitação e com segurança reforçada

A revogação veio juntamente com uma lei que pune crimes contra o Estado Democrático de Direito. Antes da sanção, a nova norma fora invocada por outro togado supremo, Ricardo Lewandowski, em um roteiro sobre como castigar quem vier a dar, ou tentar dar golpe de Estado. O script consta de um artigo de 28 de agosto na Folha. Lewandowski destaca que a nova lei inclui no Código Penal impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais. Lembra que, pela Constituição, “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Pelo Tratado de Roma, ao qual o Brasil aderiu e que cria o Tribunal Penal Internacional, segue o togado, é crime contra a humanidade o “ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil”.

O artigo 142 da Constituição, usado pelo bolsonarismo para justificar intervenção armada, não serve de proteção, segundo Lewandowski. E salienta: pelo Código Penal Militar, subordinado que cumpra ordem criminosa também pode ser punido. Em suma, um roteiro para alvejar de Bolsonaro e chefes militares até soldados. E os quartéis no 7 de Setembro? No Dia do Soldado, 25 de agosto, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, falou em defesa da democracia e da profissionalização dos quartéis, mas também da “liberdade”, aquela do bolsonarismo. “A reserva tem se exacerbado mais e a ativa está quieta. Mas, mesmo na reserva, você percebe o início de um descrédito com o Bolsonaro, pelos erros em série. O 7 de Setembro pode ser um tiro no pé do presidente. Vai ter gente na rua, mas não tanto quanto ele queria”, diz um general aposentado. Ou seja, o País continuará num impasse: Bolsonaro sem força para avançar, mas com força para não cair.

O coronel reformado da PM paulista José Vicente prevê uma “manifestação pacífica”. (FOTO: Alesp)

E o “risco PM”? Em caso de “ruptura institucional”, os policiais militares seguirão o Exército, conforme a Associação dos Militares Estaduais. As PMs são uma tropa maior (400 mil homens) do que a das Forças Armadas (300 mil). Muitos policiais foram convocados para o 7 de Setembro. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou: de 2020 para cá, subiu de 38% para 48% o número de PMs que interagem com ambientes bolsonaristas nas redes sociais. Desde a posse, Bolsonaro teve cinco agendas oficiais com policiais militares. Segundo José Vicente da Silva, coronel reformado da PM paulista, o ex-capitão é o primeiro presidente a cortejar a categoria, mas isso não teria afetado o trabalho policial. “As informações que tenho, principalmente da PM em São Paulo, é de que a manifestação vai ser muito tranquila. ­Aliás, como tantas outras de 7 de Setembro.”

O presidente que apela ao fantasma do golpe vive seu “pior momento”, anota o cientista político Felipe Nunes, da Universidade Federal de Minas Gerais e da consultoria Quaest. A principal razão, diz, é “a percepção negativa da população sobre os resultados e as perspectivas econômicas do País”. A análise baseia-se em uma pesquisa da Quaest divulgada na quarta-feira 1o, na qual a avaliação negativa do governo (48%) é o dobro da positiva (24%) e a vantagem de Lula no segundo turno saltou para 25 pontos (55% a 30%). Pandemia e saúde seguem apontadas como os grandes problemas nacionais (28%), mas agora coladas a economia e inflação (27%). Dois meses antes, dava 36% e 16%. Além disso, encolheu o otimismo com o porvir. “O grande inimigo neste momento é a inflação, não o desemprego”, afirma Nunes.

Em 12 meses até julho, a inflação foi de 8,9%, com estragos na gasolina (39%), nas carnes (34%), no botijão de gás (29%), na conta de luz (20%). E vem mais paulada na energia, com racionamento disfarçado e a nova bandeira “escassez hídrica”. Em junho, o desemprego até recuou, de 14,6% para 14,1%. Pouco, contudo: há 20 milhões sem ocupação e desalentados. No atual ritmo da economia, a taxa seguirá nas alturas. No segundo trimestre, o Brasil encolheu 0,1%. “O PIB do vovô não sobe mais”, ironizou Dilma Rousseff, cuja cassação completou cinco anos em 31 de agosto, data lembrada em um evento a contar com a presença da ex-presidenta e de Lula. O PIB de abril a junho expôs a miragem da alta de 2,5% em 2022, estimada pelo governo no Orçamento do próximo ano, recém-enviado ao Congresso. Proposta que, de novo, não tem reajuste real do salário mínimo.

A CPI da Covid continua a apontar as sujeiras de Ricardo Barros, líder do governo na Câmara. (FOTO: Pedro França/Ag. Câmara)

“A oposição tem que continuar tratando dos temas que interessam mais diretamente ao povo brasileiro”, diz o senador Jaques Wagner, do PT da Bahia. “A melhor estratégia é falar de emprego, de renda, de inclusão produtiva, inclusão social, vacina, saúde, segurança. São os problemas que impactam o dia a dia das pessoas, especialmente as de menor poder aquisitivo.” Para ele, o 7 de Setembro bolsonarista destina-se a manter coeso o grupo mais linha-dura, ante a perda de popularidade do governo e aumento do apoio ao impeachment. Ex-ministro da Defesa, Wagner não vê “aderência das Forças Armadas” a um golpe.

“Não consigo enxergar sustentabilidade nisso (golpe), não teria apoio de governadores, do Congresso, do Supremo, não teria apoio internacional, a tendência, inclusive, seria ter retaliações econômicas internacionais”, diz o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos, do PL do Amazonas. O que não significa, ressalva ele, “relativizar” o fato de o chefe da nação articular os atos. “É extremamente perigoso para a democracia o presidente convocar e se anunciar presente em manifestação em que muitos organizadores verbalizam o desejo de fechar o Congresso e impor sua vontade. Não está dentro da normalidade democrática.” Se terminar em violência, prossegue, Bolsonaro estará ao alcance de impeachment por crime de responsabilidade. Será?

OS INFLUENCERS DA QUARTELADA

Estrelas no YouTube, PMs unem-se à convocação dos atos bolsonaristas

Por Ana Flávia Gussen

O youtuber PM Aleksander Lacerda sonha com a “revolução”. (FOTO: GOVSP)

Policiais tornaram-se blockbusters verda­deiros nas redes. Apenas no YouTube, dez canais de tenentes, capitães, majores e coronéis somam 1 bilhão de visualizações, segundo levantamento de CartaCapital. Os vídeos mostram a rotina de operações, perseguições policiais e trocas de tiros. Ao alcançar o estrelato na internet, eles passam a ser entrevistados em podcasts, programas de rádio e televisão aberta, além de participarem de lives, nas quais falam sobre os baixos salários e outros problemas enfrentados pela categoria. Mas não só da rotina militar sobrevivem os “influenciadores”. Com milhares de centenas de seguidores, militares da ativa e da reserva têm se posicionado politicamente com cada vez mais desembaraço.

As publicações vão da defesa da reeleição de Bolsonaro ao “combate ao comunismo”, e quase sempre estão recheadas de fake news. O gabinete do ódio tem tirado proveito desse verdadeiro “exército digital”. Mesmo contra as regras, centenas têm usado a farda na hora de convocar para as manifestações do Dia da Independência. “Nenhum liberal talco de bumbum vai derrubar a hegemonia esquerdista. Precisamos de tanque”, afirmou o coronel Aleksander Lacerda, ao convocar a população para os atos bolsonaristas de 7 de Setembro. Ele acabou afastado por indisciplina do Comando de Policiamento do Interior-7 pelo governador de São Paulo, mas a contaminação de parte da polícia pela política partidária revelou-se em centenas de manifestações favoráveis ao coronel que inundaram as redes sociais.

“Policiais Militares do Estado de São Paulo estejam na Avenida Paulista no 7 de Setembro em apoio ao nosso presidente Jair Messias Bolsonaro”, postou o coronel da PM Homero Cerqueira, ex-presidente do ICM-Bio. O vídeo possui mais de 100 mil visualizações em apenas uma das centenas de páginas bolsonaristas que repercutiram o vídeo. Mello Araújo, presidente da Ceagesp, também convocou militares às ruas sob o argumento do “combate ao comunismo”. O vídeo teve 32 mil visualizações no canal “A Verdade”.

Para driblar sanções, muitos agentes têm recorrido ao WhatsApp e ao Telegram para postar seus vídeos. Em quatro grupos no aplicativo russo monitorados por CartaCapital, um moderador que se intitula subtenente e um suposto capitão ficam responsáveis por repassar vídeos de agentes fardados nos canais. Todos convocam para o Dia da Independência em defesa da “liberdade” e contra o “comunismo”.

Secretarias estaduais de Segurança Pública negam a possibilidade de uma quartelada, mas demonstram preocupação, tanto que o tema foi tratado na última reunião de governadores. Militares da reserva podem participar de manifestações políticas, mas os da ativa, não. Tanto a convocação quanto a presença nos atos podem levá-los a responder por prática de conspiração, insubordinação e incitamento à desobediência, explica Mauro Menezes, o advogado e ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência da República. “Estamos vendo convocações para um ato que desafia e ameaça a legalidade e as instituições. A participação nessas manifestações, tratando-se de oficiais e integrantes das Forças Armadas, atenta contra inúmeros dispositivos éticos e legais.”

Publicado na edição nº 1173 de CartaCapital, em 2 de setembro de 2021.

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