CartaCapital
Bolsonarismo/Operação anistia
Há muito jogo de cena na pressão pela urgência do projeto


Não é mito, é fato. Basta a corda apertar um pouco para Jair Bolsonaro pedir “asilo político” no primeiro hospital à vista, como se estivesse às portas da Embaixada da Hungria. O ex-presidente sentiu uma indisposição intestinal no Rio Grande do Norte, primeira parada da turnê pelo Nordeste. Acabou em uma mesa de cirurgia em Brasília durante 12 horas (consta que a operação estava prevista há algum tempo). Aparentemente, a intervenção, bem-sucedida, serviu para corrigir erros de procedimentos anteriores na mesma região. Bolsonaro tem problemas no abdome desde a facada desferida por Adélio Bispo, em 2018. A intercorrência veio a calhar. No mesmo dia, Sóstenes Cavalcanti, líder do PL na Câmara, protocolou o requerimento de urgência para o projeto de anistia acalentado pelos golpistas. Detalhe: a urgência veio antes da proposta de perdão. Os aliados de Bolsonaro não sabem exatamente qual texto apresentar. Uma versão antiga instituiria a mágica de anistiar os envolvidos não só em golpes passados, mas futuros, o que dificulta a tramitação. Fala-se agora em limitar os beneficiados aos depredadores da sede dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Até agora, ninguém foi capaz de apresentar um esboço do projeto. Uma frase mal dita ou mal interpretada de Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Institucionais, aumentou a espuma ao dar a entender que o governo estaria aberto a negociações. A ministra negou prontamente, assim como a bancada do PT no Congresso repetiu a frase “Sem Anistia”. O Palácio do Planalto mapeia deputados integrantes de partidos com cargos no Executivo que assinaram o requerimento. De qualquer maneira, o percurso de um eventual perdão seria longo e incerto. Por ora, não passa de chicana dos bolsonaristas e oportunistas do Parlamento.
Abin paralela
A Polícia Federal intimou o atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Luiz Fernando Corrêa, para depor no inquérito que investiga o uso de um software para espionar desafetos de Jair Bolsonaro e do gabinete do ódio, instalado à época no Palácio do Planalto. A “Abin paralela” teria continuado a operar nos primeiros meses do governo Lula e espionado o Paraguai no curso da renovação dos termos de contrato da hidrelétrica de Itaipu.
Obscurantismo/ Inquisidores no CFM
Conselho de Medicina endurece regras para transição de gênero
Torquemada despacha nesse prédio – Imagem: Redes Sociais/CFM
A diretoria do Conselho Federal de Medicina se supera a cada dia. Uma nova resolução dos doutores cloroquina dificulta o acesso aos procedimentos médicos de jovens em busca da transição de gênero. As regras foram criticadas pelo movimento LGBT e por profissionais da saúde. O CFM revogou o bloqueio puberal em crianças transgênero aprovado em 2019, elevou a idade mínima, de 16 para 18 anos, para protocolos hormonais e cirúrgicos e de 18 para 21 anos os procedimentos que possam interferir na fertilidade dos pacientes. O Ministério Público vai investigar a legalidade da resolução. O conselho diz ter se baseado em um estudo britânico que aponta a reconexão dos jovens ao sexo biológico a partir de certa idade. Um amplo trabalho publicado na revista The Lancet Child & Adolescent Health contesta essa tese. Menos de 2% de quem iniciou a transição antes dos 18 anos se declara arrependido.
Universidades sob ataque
Após dobrar a Universidade Columbia em um dos episódios mais obscuros da história dos EUA, Donald Trump agora mira Harvard. O governo suspendeu repasses de 2,2 bilhões de dólares à instituição e ameaça extinguir as isenções fiscais. Motivo: Harvard, ao contrário de Columbia, recusa-se a aceitar a censura acadêmica. Princeton, outro renomado centro de ensino superior, também resiste à nova versão do macarthismo. Igualmente será punida pela Casa Branca, obcecada em eliminar a autonomia universitária e atacar a ciência e o pensamento crítico.
Guerra comercial/ De recuo em recuo
As ameaças de Trump à China tornaram-se risíveis
O republicano descobriu que as tarifas prejudicam seus aliados – Imagem: Robert Schmidt/AFP
Apoiadores de primeira e de última hora de Donald Trump, os bilionários do Vale do Silício convenceram o governo dos Estados Unidos a suspender as tarifas de 145% de produtos eletroeletrônicos importados da China. O objetivo de Trump era atingir Pequim, mas o tiro saiu pela culatra. Fabricantes de celulares e computadores dos Estados Unidos deslocaram nas últimas décadas a produção para o território chinês. Desde a escalada da queda de braço entre os dois países, as ações da Apple, um dos ícones da nova economia, despencaram, enquanto os iPhones ficaram mais caros para os consumidores norte-americanos. Como de costume, o presidente dos EUA afirmou que a suspensão não passa de uma trégua, até a definição de uma nova política de impostos para esse tipo de produto. Xi Jinping, o homólogo chinês, aproveitou a deixa para pedir a suspensão imediata das taxas e um ponto final na guerra tarifária insana. As Bolsas na Ásia e na Europa subiram no início da semana, enquanto o mundo espera as próximas trapalhadas da Casa Branca.
P.S.: Na terça-feira 15, a Casa Branca anunciou uma nova taxa, de 245%, sobre os produtos chineses.
Equador/ Porrada e bomba
Os equatorianos optam pela truculência de Daniel Noboa
O eleito veste o figurino de “homem de bem” – Imagem: Presidência do Equador
A oposição liderada pela advogada Luisa González recusou-se a reconhecer o resultado das urnas, divulgado na noite do domingo 13. Trata-se da “maior fraude que os equatorianos já viram”, denunciou a candidata de esquerda, que promete pedir a recontagem dos votos. O efeito das declarações será nulo. Observadores independentes atestaram a lisura das eleições que confirmaram a vitória do atual presidente Daniel Noboa, agora investido de um mandato de quatro anos, após cumprir 18 meses de uma administração-tampão na sequência da renúncia do antecessor, Guillermo Lasso, e da dissolução do Parlamento. Noboa, herdeiro de uma das maiores fortunas do país, nascido em Miami, ganhou com uma margem superior àquela captada pelas pesquisas: 56% a 44%. Vários dos levantamentos, aliás, indicavam o contrário, a consagração de González por uma margem apertada, daí as acusações de fraude aventadas pela Revolução Cidadã. Apesar da violência policial, do fracasso do prometido combate ao crime organizado, da inflação e da constante falta de energia, a maioria dos eleitores preferiu dar uma nova oportunidade a Noboa, alinhado aos presidentes latino-americanos que fazem fila para lamber as botas de Donald Trump e que não esconde a inspiração em um aspirante a ditador bananeiro, o colega de El Salvador, Nayib Bukele. Na véspera do segundo turno, o governo decretou estado de sítio. Em vez de desenvolvimento, distribuição de renda e autonomia, os equatorianos preferiram tiro, porrada e bomba.
E por falar nisso…
Donald Trump recebeu na Casa Branca Nayib Bukele, presidente de El Salvador que pôs a megaprisão do país à disposição da Casa Branca na campanha de deportação de imigrantes. Trump agradeceu o apoio de Bukele e avisou: continuará a despachar quantos migrantes ilegais forem possíveis para o país centro-americano. “Eles têm estruturas bem fortes e não brincam em serviço. Gostaria de facilitar e de dar um passo além. Poderia ajudar a pagar pelas prisões, se as nossas leis permitirem”, declarou o republicano.
Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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