CartaCapital
Argentina/ La reacción avanza
A derrota nas eleições em Buenos Aires é uma lição para Milei


Javier Milei e o movimento organizado por sua irmã, Karina, La Libertad Avanza levaram um choque de realidade nas eleições legislativas na província de Buenos Aires, a mais populosa do país. Derrotar o peronismo em seu mais simbólico reduto e impor uma humilhação ao governador Axel Kicillof, principal adversário, viraram uma obsessão de Milei, que apostava mais fichas na disputa do domingo 7 do que nas contendas nos demais estados marcadas para outubro. O barco libertário começou, porém, a fazer água antes da abertura das urnas. À desvalorização do peso e consequente repique da inflação, sem mencionar o desemprego, juntou-se o escândalo de corrupção que atingiu em cheio Karina, secretária-geral da Presidência e articuladora política. A irmã e mentora de Milei é acusada de cobrar propina de 3% dos fornecedores de medicamentos para pacientes com deficiência. No fim das contas, o outsider comporta-se como a “casta” que dizia abominar. Os peronistas venceram com uma confortável vantagem de 13,7 pontos porcentuais e conquistaram a maioria das cadeiras. A popularidade do “libertário” atingiu, por outro lado, o ponto mais baixo desde o início do mandato. Uma derrota ampla em outubro tende a encurtar o prazo de validade de Milei, cuja bancada no Parlamento é diminuta. Moeda, Bolsa e títulos argentinos despencaram no dia seguinte à eleição. O mercado antecipa o desastre do mais radical projeto neoliberal no Cone Sul desde a ditadura de Augusto Pinochet, no Chile.
O Nepal ferve
Nem a renúncia do primeiro-ministro, KP Sharma Oil, na terça-feira 9 foi capaz de apaziguar os ânimos nas ruas do Nepal. O bloqueio de redes sociais anunciado pelo governo, somado a denúncias de corrupção, foi o estopim de uma onda de protestos iniciada na segunda-feira 8. Manifestantes atearam fogo na casa de outro ex-premier, Jhala Nath Khanal. Dois aeroportos e alguns hotéis de bandeiras estrangeiras foram depredados. O exército prontificou-se a assumir o cumprimento da lei e da ordem (sempre um mau sinal).
IPCA/ Alívio no bolso
Brasil registra maior deflação em três anos, puxada por energia e alimentos
Em agosto, a conta de luz ficou 4,21% mais barata – Imagem: iStockphoto
Pela primeira vez em um ano, a economia brasileira registrou deflação nos preços ao consumidor. O IPCA, índice oficial do País, recuou 0,11% em agosto, o maior movimento de queda desde setembro de 2022, quando houve retração de 0,29%. Em 2025, a inflação acumulada é de 3,15%. Ao longo dos últimos 12 meses, atinge 5,13%.
Segundo o IBGE, a queda registrada em agosto, após a alta de 0,26% em julho, se deve principalmente à redução nos preços de energia elétrica residencial (-4,21%), cinema, teatro e concertos (-4,02%), passagens aéreas (-2,44%) e gasolina (-0,94%). Já as maiores altas ocorreram em jogos de azar (3,6%), ensino superior (1,26%), lanches (0,83%) e planos de saúde (0,5%).
O desconto na conta de luz, chamado Bônus de Itaipu, que beneficiou 80,8 milhões de consumidores, fez da eletricidade o item com maior impacto negativo sobre o índice. Com isso, o grupo habitação recuou 0,9%, a maior queda para um mês de agosto desde o lançamento do Plano Real, em 1994.
Calcanhar de aquiles
Em carta endereçada a Lula na terça-feira 9, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública defendeu a recriação de um ministério específico para a área, hoje subordinada à pasta da Justiça. O documento, aprovado por unanimidade pelos integrantes do colegiado, afirma que a segurança “vem sendo apontada, reiteradas vezes, como a maior preocupação da população brasileira” e refere-se à iniciativa como uma “medida estratégica para o fortalecimento da governança federativa”.
OCDE/ Sem perspectivas
Brasil tem 24% de jovens que não trabalham nem estudam
Apesar do elevado índice, houve alguns avanços nos últimos anos – Imagem: iStockphoto
Com 24% de seus jovens entre 18 e 24 anos fora da escola e também do mercado de trabalho, o Brasil é a quarta nação com maior porcentual de jovens “nem-nem” entre os membros e parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Segundo o estudo Education at a Glance 2025, divulgado pela entidade na terça-feira 9, somente três países têm índices piores que o Brasil: África do Sul (48%), Costa Rica (31%) e Colômbia (27%). A proporção brasileira é quase o dobro da média da OCDE, que é de 14%.
Apesar do elevado índice, muito distante dos 5% registrados por Holanda e Islândia, a OCDE destaca que o Brasil apresentou avanços nos últimos cinco anos, com recuo de 6 pontos porcentuais. O País foi a segunda nação que mais reduziu essa taxa, atrás apenas da Itália, que registrou queda de 8 pontos porcentuais. Segundo o documento, essa redução indica que os mecanismos adotados pelo governo brasileiro para apoiar a inserção de jovens no mercado ou no sistema educacional “estão surtindo efeito e apontam estratégias que precisam ser reforçadas”.
França/ Crise interminável
Chega ao fim o governo do primeiro-ministro François Bayrou
Bayrou foi uma (péssima)invenção de Macron – Imagem: Alain Jocard/AFP
Durou nove meses o canhestro arranjo que mantinha François Bayrou, protégé de Emannuel Macron, no comando do Parlamento. Os cortes profundos nos gastos públicos, alicerce do orçamento defendido por Bayrou, eram rejeitados tanto pela esquerda quanto pela extrema-direita, em um Congresso dividido e envenenado pela decisão de Macron de desrespeitar o resultado das eleições antecipadas em junho do ano passado. O que era para ser uma solução transformou-se em um pesadelo infindável. Antes de Bayrou, Michel Barnier foi deposto após três meses no cargo de primeiro-ministro. A esquerda, que obteve mais votos, sem alcançar, no entanto, uma maioria inconteste, reivindica o direito de indicar o próximo premier, mas enfrenta resistência de Macron. A líder da extrema-direita, Marine Le Pen, cujos direitos políticos continuam suspensos, defende a convocação de novas eleições. Pudera. O Reunião Nacional aparece em primeiro lugar nas pesquisas de opinião. Na terça-feira 9, o presidente indicou para o posto Sébastian Lecornu, atual ministro da Defesa . Uma decisão rápida não trará a estabilidade, conforme imagina Macron. A esta altura, as decisões monocráticas só aprofundam o impasse.
Noruega à esquerda
A ameaça de uma guinada extremista na Noruega não se concretizou em sua plenitude. Embora o nacionalista e anti-imigração Partido do Progresso tenha obtido seu melhor resultado, 24% dos votos válid os na eleição realizada na segunda-feira 8, os trabalhistas do atual primeiro-ministro Jonas Gahr Store terminaram em primeiro. O bloco de esquerda conquistou 87 das 169 cadeiras do Parlamento. “Sabíamos que seria disputado, e assim aconteceu. Sabíamos que teríamos que dar tudo, e demos tudo (…) Conseguimos”, comemorou o premier.
Gaza/ Para Trump ver
Israel diz aceitar o cessar-fogo, mas intensifica a destruição
Tel-Aviv prossegue no modo “terra arrasada” no território palestino – Imagem: Omar Al-Qattaa/AFP
O assassinato a tiros de seis israelenses, além de dez feridos, em um ataque a um ônibus em Jerusalém na segunda-feira 8 é mais um complicador para o cessar-fogo proposto pela Casa Branca e aparentemente aceito pelo gabinete de Benjamin Netanyahu. Horas depois do ataque, o primeiro-ministro anunciou outra megaoperação na Cidade de Gaza. “Digo aos moradores, aproveitem esta oportunidade e ouçam-me atentamente. Vocês foram avisados. Saiam agora!”, afirmou Netanyahu. Na terça-feira 9, Israel bombardeou um prédio em Doha, capital do Catar, para supostamente matar um líder do Hamas. Diretor do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk condenou Israel pelo “massacre” de civis e por colocar “obstáculos ao fornecimento de ajuda suficiente para salvar vidas”. Milhares de atores, diretores e outros profissionais de cinema anunciaram em um manifesto a recusa em trabalhar com instituições israelenses “implicadas em genocídio e apartheid”. Entre os signatários figuram o cineasta Yorgos Lanthimos e os atores Olivia Colman, Mark Ruffalo, Tilda Swinton, Javier Bardem e Debra Winger.
Publicado na edição n° 1379 de CartaCapital, em 17 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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