CartaCapital
A Semana: Lula em Paris
Na agenda, Amazônia, críticas ao deus mercado e o acordo com a UE


Lula fez bem em mudar de assunto. Na mais recente viagem à Europa, justificada pela participação na cúpula organizada pelo francês Emmanuel Macron para discutir um novo pacto financeiro global, o presidente evitou o terreno pantanoso da Guerra na Ucrânia e trafegou por temas caros à reinserção do Brasil na geopolítica: meio ambiente, o poder excessivo dos mercados e a desigualdade (embora o País, campeão no quesito, não possa dar lição a nenhum outro). “E nós aqui precisamos ter claro o seguinte: aquilo que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, as instituições de Bretton Woods não funcionam mais e não atendem às aspirações nem aos interesses da sociedade”, discursou o petista, bastante aplaudido. “Vamos ter claro que o Banco Mundial deixa muito a desejar naquilo que o mundo aspira. Vamos deixar claro que o FMI deixa muito a desejar.”
No tour europeu, que incluiu um encontro com o papa Francisco no Vaticano e reuniões bilaterais com o presidente italiano, Sergio Mattarella, e a primeira-ministra, Giorgia Meloni, Lula não poupou as mudanças de última hora sugeridas (ou impostas) pela União Europeia no acordo comercial com o Mercosul. Os europeus pretendem incluir no documento o direito de aplicar multas aos parceiros sul-americanos, em caso de descumprimento de cláusulas de proteção ambiental. Para Lula, a proposta ameaça as negociações. “Estou doido para fazer um acordo com a UE, mas não é possível, a carta adicional não permite que se faça um acordo”, declarou. “Não é possível que a gente tenha uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo ameaça a um parceiro estratégico. Como vamos resolver isso?”
Desmatamento
Em 2022, último ano do mandato de Jair Bolsonaro, o Brasil foi responsável por 42% do desmatamento de florestas tropicais primárias no planeta, aponta relatório da plataforma Global Forest Watch divulgado na terça-feira 27. Quase 2 milhões de hectares da Amazônia foram derrubados, maior índice de perdas de árvores não relacionadas a incêndios no País desde 2005. O desmatamento desse tipo de floresta cresceu 10% em relação ao ano anterior. “Desde a virada do século, vemos uma hemorragia dos mais importantes ecossistemas, apesar dos esforços para reverter a tendência”, afirmou Mikaela Weisse, diretora da ONG.
Escândalo/ Na conta do “Arthur”
A PF envia ao STF a investigação sobre os kits de robótica
Em uma planilha obtida pela Polícia Federal, o nome “Arthur” aparece associado a dezenas de pagamentos – Imagem: Zeca Ribeiro/Ag. Câmara
A lama aproxima-se dos sapatos do presidente da Câmara, Arthur Lira. A Polícia Federal remeteu ao Supremo Tribunal Federal a investigação sobre o superfaturamento na aquisição de kits de robótica para escolas públicas de Alagoas, depois de os agentes encontrarem anotações de pagamentos associados ao nome “Arthur”. Caberá ao STF determinar o rumo da apuração. Como parlamentar, Lira tem direito a foro privilegiado. As anotações foram apreendidas em endereços ligados a Luciano Cavalcante, ex-assessor do deputado. Cerca de 650 mil reais estão associados a “Arthur”. O esquema, aponta a investigação, movimentou 26 milhões de reais liberados a toque de caixa por meio de emendas do orçamento secreto controlado por Lira. A principal beneficiária é a Megalic, empresa que tem entre os sócios Edmundo Catunda, amigo do presidente da Câmara. O alagoano, que ainda não é investigado no caso, manifestou-se por meio da assessoria de imprensa. Toda movimentação financeira e os pagamentos de despesas, declarou, “sejam realizados por ele e, às vezes, por sua assessoria, têm origem nos seus ganhos como agropecuarista e na remuneração como deputado federal”. André Callegari, advogado de Cavalcante, exonerado do cargo de assessor da liderança do PP na Câmara, optou por não se manifestar. No ano passado, o Tribunal de Contas da União determinou a suspensão dos contratos de compra do material.
Tortura como método
Segundo levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o estado registra, em média, quatro presos torturados por dia. De janeiro do ano passado a 11 de maio último, foram 1.506 denúncias de maus-tratos físicos e psicológicos contra detentos. O perfil dos torturados é um retrato do racismo: em sua maioria, as vítimas são jovens pretos e pardos, com baixa escolaridade. A Defensoria identificou 4.444 casos de tortura de 2018 para cá.
Israel/ Lenha na fogueira
O governo de Netanyahu autoriza novas construções na Cisjordânia
Netanyahu cumpre as promessas feitas aos extremistas – Imagem: Gabinete do Primeiro Ministro/Israel
A sede de poder e a necessidade de se livrar de processos judiciais levaram o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a fazer um pacto com o demônio, ou pior, com a extrema-direita do país. Netanyahu, desde então, paga a fatura pelo apoio, sem se importar com as consequências. Na segunda-feira 26, o governo autorizou a construção de 5,7 mil residências adicionais direcionadas a colonos judeus na Cisjordânia, ocupada pelos israelenses em 1948 e reivindicada pelos palestinos. Nem a pressão de Washington, aliado preferencial de Tel-Aviv, produz efeitos. Os EUA voltaram a anunciar sanções: Biden decidiu suspender os financiamentos a pesquisas de universidades israelitas instaladas na Cisjordânia. Nada, diante dos ganhos políticos de curto prazo de Netanyahu. “Agradeço ao governo pelo desenvolvimento contínuo dos assentamentos”, afirmou o chefe do Conselho Regional de Gush Etzion e presidente do Conselho Yesha, Shlomo Ne’man. “Especialmente nestes dias difíceis, esta é a resposta sionista mais apropriada para todos aqueles que procuram nos destruir.” Netanyahu tem enfrentado protestos massivos por causa de sua interferência no sistema de Justiça e nas instituições democráticas do país.
Surpresa na Guatemala
As pesquisas eleitorais não conseguiram captar a onda em favor de Bernardo Arevalo na Guatemala. O ativista aparecia em oitavo lugar nas sondagens, mas, abertas as urnas, obteve um inesperado segundo lugar, com 12% dos votos, impulsionado pelos jovens das maiores cidades. Arevalo vai enfrentar, em 20 de agosto, a favorita e ex-primeira-dama Sandra Torres, de centro-esquerda, que obteve 15%. Brancos e nulos somaram 24%.
EUA/ Trump “desclassificado”
O ex-presidente mentiu sobre os Arquivos secretos, mostra gravação
Nos áudios, Trump jacta-se de ter surrupiado os arquivos – Imagem: Gage Skidmore
Entre os inúmeros processos nas costas, o ex-presidente Donald Trump enfrenta a acusação de furtar documentos confidenciais e ultrassecretos da Casa Branca. Em sua defesa, o republicano alega confusão na hora de recolher seus pertences pessoais e que a maior parte dos papéis não passa de recortes de jornais e revistas, sem valor estratégico. “Tirei tudo com muita pressa (…) Tinha roupas lá, todo tipo de itens pessoais, muitas coisas. Tenho todo o direito de ter essas caixas”, declarou à rede de tevê Fox News. O magnata insiste: nunca teve tempo de olhar a papelada. Mas uma gravação divulgada pela CNN desmente Trump. Na conversa, de cerca de dois minutos, o ex-presidente refere-se a documentos sobre o Irã e a Mark Milley, chefe militar conjunto dos Estados Unidos. “Isto foi feito pelos militares e entregue a mim”, diz. “Não é incrível? Tenho uma grande pilha de papéis”. Há ainda menções a mensagens pessoais de Hillary Clinton, ex-secretária de Estado e adversária de Trump nas eleições de 2016. “Hillary imprimia isso o tempo todo, você sabe. Seus e-mails privados”, afirmou a funcionários durante a conversa vazada.
Publicado na edição n° 1266 de CartaCapital, em 5 de julho de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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