CartaCapital
A Semana: Cerco à República de Curitiba
O CNJ determina uma auditoria na 13ª Vara Federal e no TRF-4


O corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, determinou na terça-feira 30 uma correição extraordinária na Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e na 13ª Vara de Curitiba, comandada até a semana passada pelo juiz Eduardo Appio. Acusado de aplicar um trote no filho do desembargador Marcelo Malucelli, revisor dos casos da Lava Jato, Appio foi afastado sumariamente de suas funções por decisão da Corte Especial Administrativa do TRF-4, sem ter chance de apresentar sua defesa.
No estranhíssimo telefonema, um homem identifica-se como servidor da área da saúde da Justiça Federal e parece querer confirmar a identidade de João Eduardo Malucelli, sócio de Sergio e Rosângela Moro em um escritório de advocacia, além de namorar a filha do casal. Ao término da ligação, o interlocutor pergunta se o filho do desembargador “tem certeza de que não está fazendo nada de errado”, o que foi interpretado pelo advogado como “ameaça”. Bastou a Polícia Federal indicar que “muito provavelmente” a voz é de Appio, como se não fosse possível manipular áudios por meio de softwares de inteligência artificial, para o TRF-4 determinar o afastamento cautelar do magistrado, oferecendo o exíguo prazo de 15 dias para Appio apresentar defesa.
O juiz natural da 13ª Vara decidiu, porém, recorrer ao Conselho Nacional de Justiça para recuperar o posto. Antes de se declarar suspeito para avaliar casos relacionados ao sogro de seu filho, Marcelo Malucelli contrariou uma decisão do Supremo Tribunal Federal e restituiu a prisão do advogado Rodrigo Tacla Duran, um ex-colaborador da Odebrecht que acusa Moro e Deltan Dallagnol de extorqui-lo para evitar sua prisão na Lava Jato. Determinado a investigar a denúncia, Appio alega ter sofrido toda sorte de retaliação do desembargador e de seus colegas do TRF-4, que jamais coibiram os abusos cometidos pelo então juiz Moro durante a operação, como grampear 25 ramais telefônicos do escritório de advocacia que defendia Lula e divulgar uma intercepção telefônica ilegal envolvendo Dilma Rousseff, que à época ocupava a Presidência da República.
P.S.: Appio é defendido pelo advogado Pedro Serrano, colunista de CartaCapital, que comenta o caso.
Rombo bilionário
Na fracassada tentativa de reeleição, Jair Bolsonaro tentou de tudo, até mesmo oferecer crédito para consumidores negativados. O resultado da lambança começa a aparecer. A inadimplência no programa de microcrédito SIM Digital, que despejou mais de 3 bilhões de reais nas mãos de eleitores, chegou a 80% neste ano, segundo uma reportagem do portal UOL. Para cobrir o rombo deixado na Caixa Econômica Federal, estima-se que será necessário usar 1,8 bilhão de reais das reservas do FGTS. Ainda assim, o banco estatal terá de arcar com um prejuízo de 600 milhões de reais.
Mãos sujas/ Juízo incompetente
O STF aponta vício lavajatista e anula a condenação de Eduardo Cunha
O ex-deputado havia sido condenado a quase 16 anos de prisão – Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por 3 votos a 2, anular uma condenação de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, no âmbito da Lava Jato. Os ministros determinaram que os autos sejam encaminhados à Justiça Eleitoral, onde o caso será reanalisado.
Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a quase 16 anos de prisão, Cunha é acusado de ter recebido vantagens indevidas decorrentes de contratos de fornecimento de navios-sonda da Petrobras. Como a propina teria sido usada para abastecer caixa 2 de campanha eleitoral, a maioria dos magistrados da Segunda Turma entendeu que tribunal federal paranaense era incompetente para julgar o caso.
Agora, caberá ao novo juiz decidir se considera válidas as provas já obtidas ou se a investigação deve recomeçar do zero. Mais uma lambança da República de Curitiba, que sob o pretexto de combater a corrupção cometeu numerosos abusos e desrespeitou o devido processo legal. Ao cabo, a atuação à margem da lei favoreceu muitos alvos da operação.
Crivella cassado
A Justiça Eleitoral cassou o mandato do deputado federal Marcelo Crivella, do Republicanos. Ele é acusado de mobilizar servidores públicos em 2020 para impedir reportagens negativas sobre a situação de unidades de saúde sob a responsabilidade do então prefeito do Rio de Janeiro, que disputava a reeleição, mas perdeu a disputa para Eduardo Paes. No WhatsApp, um dos grupos criados para organizar os plantões na porta de hospitais foi batizado de “Guardiões do Crivella”. A juíza Márcia Capanema determinou, ainda, que o parlamentar fique inelegível até 2028. Cabe recurso da decisão.
Narcotráfico/ Não é de Deus
A PF acha 290 quilos de maconha em avião da igreja do tio de Damares
O avião estava sendo monitorado pelos agentes federais há tempos – Imagem: PF
No sábado 27, a Polícia Federal apreendeu 290 quilos de skunk, uma espécie de maconha concentrada e mais potente, no Aeroporto Internacional de Belém. A droga estava dentro de um avião monomotor que pertence à Igreja do Evangelho Quadrangular e é usado nos deslocamentos aéreos pelo ex-deputado e pastor Josué Bengtson, tio e padrinho político da ex-ministra Damares Alves, hoje senadora pelo Distrito Federal.
Agentes federais realizaram a abordagem em um hangar de voos particulares, pouco antes de a aeronave levantar voo. Na ocasião, um suspeito foi preso em flagrante por tráfico interestadual de drogas. O piloto acabou poupado, pois não foi verificada participação dele no crime.
Em comunicado divulgado à imprensa, a ex-ministra confirma que a aeronave era utilizada pelo tio, presidente do Conselho Estadual dos Pastores da Quadrangular no Pará. Acrescenta, porém, que a denúncia sobre a carga suspeita “foi realizada pelos responsáveis pelo avião, ou seja, pela própria igreja”. A PF informou, porém, que a operação foi deflagrada “a partir de informações de inteligência do Núcleo de Polícia Aeroportuária”. O avião estava sendo monitorado pelos agentes.
Espanha/ Tudo ou nada
O premier Pedro Sánchez antecipa as eleições gerais
Imagem: Pierre-Philippe Marcou/AFP
Por ousadia ou absoluta falta de alternativa, o primeiro-ministro socialista espanhol, Pedro Sánchez, anunciou a antecipação de 3 de dezembro para 23 de julho das eleições gerais após o vexame de seu partido, o PSOE, nas disputas regionais e municipais do domingo 28. “Assumo pessoalmente os resultados e creio ser necessário dar uma resposta”, discursou. “O melhor é os espanhóis tomarem a palavra e definirem o rumo político do país.” Os socialistas esperavam uma deriva à direita do eleitorado, mas se surpreenderam com a profundidade da derrota. O PSOE não só ficou porcentualmente atrás do rival PP (28% a 35%), como perdeu os governos de cinco das nove regiões autônomas sob seu controle desde 2018. Pior, o PP passará a ditar os rumos políticos de oito das 12 províncias, mas em boa parte delas só o fará em associação ao ultradireitista Vox, cuja parcela do eleitorado dobrou, de 3,5% para 7%. A aposta desesperada de Sánchez ao antecipar em quase seis meses a eleição é explorar o temor dos eleitores progressistas e moderados de uma aliança entre a direita tradicional e os extremistas. Caso os resultados do domingo se repitam em julho, PP e Vox, segundo as projeções, elegeriam 158 deputados, 18 a menos do que o necessário para a maioria absoluta no Parlamento. “A Espanha iniciou um novo ciclo político”, celebrou Alberto Nuñez Feijóo, líder do Partido Popular. Segundo Santiago Abascal, o Bolsonaro hispânico, o Vox “consolidou-se como projeto nacional” e legenda “absolutamente necessária” para se construir uma alternativa à esquerda.
Júri popular
O Ministério Público argentino pediu que os acusados de tramar o atentado frustrado contra a vice-presidente Cristina Kirchner sejam levados a júri popular. Os responsáveis, segundo a promotoria, são Fernando Sabag Montiel, nascido no Brasil e escalado para disparar contra a peronista (nervoso, ele não conseguiu destravar a arma), Brenda Uliarte, namorada de Montiel, e Nicolás Carrizo, chefe de uma quadrilha local, Los Copitos. O Ministério Público não conseguiu comprovar se os acusados receberam dinheiro de adversários políticos de Kirchner para planejar e executar o assassinato.
Tecnologia/ Exterminadores do futuro
Cientistas alertam para as ameaças da Inteligência Artificial
Terminator, o documentário – Imagem: Orion Pictures
Quem diria, quase 40 anos depois do primeiro filme da série, O Exterminador do Futuro se parece mais com um documentário do que com uma ficção científica dos anos 1980, tão, mas tão brega a ponto de se tornar cult. Talvez não sejamos eliminados por robôs marombados à Arnold Schwarzenegger (talvez sim, a depender do sarcasmo das futuras máquinas), mas nem por isso o perigo será menor. Um grupo dos principais especialistas em tecnologia do planeta alertou, na terça-feira 30, para os riscos do desenvolvimento da Inteligência Artificial, comparável, segundo eles, a pandemias ou a uma guerra nuclear. A declaração, assinada por centenas de executivos e acadêmicos, entre eles os executivos-chefes da DeepMind, do Google, foi divulgada pelo Center AI Safety. “Mitigar o risco de extinção da IA deve ser uma prioridade global”, sugere o texto. Sem regulamentação, a tecnologia, dizem os signatários do documento, afetará de forma significativa os mercados de trabalho, prejudicará a saúde de milhões de seres humanos e transformará em armas a desinformação, a discriminação e a falsificação de identidades.
Homofobia em lei
Desde a segunda-feira 29, homossexuais da Uganda, historicamente perseguidos, correm o risco de prisão perpétua ou pena de morte. Segundo a nova lei, promulgada pelo presidente Yoweri Museveni e uma das mais duras do mundo contra a comunidade LGBT, a pena de morte passa a valer nos “casos agravados”, entre eles manter relações homoafetivas com menores de 18 anos ou infectar parceiros com doenças crônicas. Clare Byarugaba, famosa ativista dos direitos humanos no país, lamentou. “É um dia sombrio e triste. O presidente de Uganda legalizou a homofobia e a transfobia patrocinadas pelo Estado”.
EUA/ Calote adiado
Democratas e republicanos chegam a um acordo sobre a dívida
McCarthy parece decidido a contrariar os radicais – Imagem: Andrew Caballero-Reynolds/AFP
Aos 45 minutos do segundo tempo, o democrata Joe Biden e o republicano Kevin McCarthy, presidente da Câmara dos Representantes, chegaram a um acordo sobre a ampliação do teto da dívida dos Estados Unidos e evitaram o calote que comprometeria os serviços públicos no país. Apesar da feroz oposição da ala trumpista, McCarthy prometeu concluir a votação na quarta-feira 31, um dia antes do prazo final. O compromisso é suspender, até janeiro de 2025, o limite de endividamento de 31,4 trilhões de dólares. Em troca, a Casa Branca aceita congelar os gastos em 2024, à exceção do orçamento da Defesa, e aumentá-lo em mero 1% em 2025. Quem paga a conta? A turma de sempre. Haverá cortes em programas sociais, a começar pelo vale-refeição distribuído às famílias carentes. Janet Yellen, secretária do Tesouro, respirou aliviada. O bloqueio ao aumento do limite da dívida, declarou, “causaria graves dificuldades aos norte-americanos, prejudicaria nossa posição de liderança global e levantaria questões sobre a nossa capacidade de defender nossos interesses de segurança nacional”.
Publicado na edição n° 1262 de CartaCapital, em 07 de junho de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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