CartaCapital
8 de Janeiro/ Embalado o peru natalino
Com barbeiragem de líder do governo, o Senado aprova projeto que reduz penas para golpistas
O Senado aprovou, na quarta-feira 17, o PL da Dosimetria, que altera regras do Código Penal e da Lei de Execução Penal para beneficiar os golpistas do 8 de Janeiro de 2023 – entre eles Jair Bolsonaro, que poderá progredir para o regime semiaberto após 2 anos e 4 meses, caso trabalhe e estude na prisão. A proposta foi aprovada com 48 votos favoráveis, 25 contrários e uma abstenção. Como já passou pela Câmara, o texto segue para sanção presidencial, mas a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, antecipou que Lula vetará o projeto. “É um desrespeito à decisão do STF e um grave retrocesso na legislação que protege a democracia”, disse.
Curiosamente, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), fez um acerto com a oposição para permitir a votação na quarta 17, embora tenha se declarado contra a redução das penas. “Não fiz acordo de mérito. Continuo contra e acho um absurdo o projeto. A única diferença é que se poderia empurrar com a barriga para fevereiro ou votar hoje. Se o presidente vai vetar, agora ou em fevereiro dá no mesmo”, afirmou a jornalistas.
O movimento gerou mal-estar entre aliados do governo. Senadores da base afirmam que havia um esforço para postergar a votação, visando mobilizar a sociedade civil contra a iniciativa, e tinham o apoio de Otto Alencar (PSD), presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Foram surpreendidos, porém, com um acordo entre Wagner e o líder da oposição, Rogério Marinho (PL), segundo o qual nem o governo impediria a votação do PL da Dosimetria nem a oposição barraria o projeto que aumenta a tributação de bets e fintechs, aprovado no dia anterior pela Câmara.
Hoffmann avalia que houve um “erro lamentável” por parte da liderança do governo no Senado. Wagner admitiu ter agido sem consultar o presidente Lula: “Assumo aquilo que fiz, um acordo de procedimento, porque achei que não tinha sentido empurrar. O presidente tomará sua decisão. Quem sabe, no espírito natalino, ele resolva sancionar”. O senador Renan Calheiros (MDB) reprovou a decisão do aliado: “Estou no meu quarto mandato nesta Casa, mas nunca vi, com uma questão transcendental como esta, alguém, em nome do governo, fazer um acordo e dar peru de Natal aos golpistas”.
Marco temporal é derrubado no STF
O Supremo Tribunal Federal formou maioria para anular uma lei que estabelece um marco temporal para a demarcação de Terras Indígenas. A tese, defendida por ruralistas, sustenta que os povos originários teriam direito apenas aos territórios efetivamente ocupados ou reivindicados no momento da promulgação da Constituição de 1988. Até a noite de quarta-feira 17, seis ministros haviam votado pela inconstitucionalidade dessa definição, incluindo o relator, Gilmar Mendes. O julgamento no plenário virtual deve estender-se até a quinta-feira 18, após o fechamento desta edição de CartaCapital. O STF já havia rejeitado o conceito do marco temporal em 2023, mas o Congresso o restabeleceu por meio de lei ordinária. Enquanto a Corte analisava sua legalidade, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição para reafirmar a tese. É possível que o Supremo volte a ser acionado para examinar o tema pela terceira vez.
13ª Vara/ Grampos documentados
PF encontra provas de que Moro mandou grampear autoridades ilegalmente
O então juiz usou um “infiltrado” para gravar presidente do TCE do Paraná – Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado
Vinte anos depois, vêm à tona novos detalhes dos grampos determinados pelo então juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil, contra autoridades fora de sua alçada. A Polícia Federal encontrou o material durante uma operação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal. Entre as provas, há um despacho de julho de 2005 no qual o magistrado exige que um colaborador da Justiça, o ex-deputado estadual Tony Garcia, realizasse nova gravação do presidente do Tribunal de Contas do Paraná, Heinz Herwig.
O episódio foi revelado por CartaCapital em outubro de 2023. Garcia atuava como uma espécie de “agente infiltrado” de Moro e, há dois anos, enviou ao STF um extenso material que incluía o despacho. A transcrição da conversa entre Garcia e Herwig tem 52 minutos e 30 segundos. Nela, o colaborador relata uma busca em sua casa. “Corro risco eu, corre risco você”, disse. Os dois criticaram a atuação do magistrado. “Ele é polícia, é promotor e é juiz”, observou o presidente do TCE. Garcia advertiu: “Você está ferrado se cair na mão dele”.
Moro se refere a Garcia como “um criminoso colaborador” e sustenta que, à época, o STF permitia esse tipo de ação. “Foi a única autoridade de foro então gravada e o áudio não foi utilizado para nada”, disse. No entanto, o artigo 105 da Constituição atribui ao Superior Tribunal de Justiça a competência para processar integrantes dos Tribunais de Contas.
Sabino fora do governo
O presidente Lula confirmou, na quarta-feira 17, a saída de Celso Sabino do comando do Ministério do Turismo. A decisão ocorre dias após o União Brasil, partido responsável por sua indicação, ter oficializado sua expulsão. O desligamento da legenda deu-se após Sabino contrariar uma orientação da cúpula para deixar o governo. Apesar da deliberação partidária, ele seguiu à frente da pasta, alegando a necessidade de dar continuidade a projetos em curso, como a COP30. A exoneração encerra um impasse que evidenciou divisões internas entre a direção nacional e parte da bancada no Congresso, mais propensa a manter apoio ao Planalto. Sabino deve agora se concentrar em uma possível candidatura ao Senado em 2026.
Igreja/ Mordaça clerical
Arcebispo de SP proíbe lives e censura redes do padre Júlio Lancelotti
A atuação em favor da população de rua incomoda a extrema-direita – Imagem: Renato Luiz Ferreira/CartaCapital
Alvo frequente de ameaças e ataques da extrema-direita, o padre Júlio Lancelotti está proibido de transmitir missas ao vivo e terá de se afastar das redes sociais por determinação do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer. A decisão foi comunicada ao pároco na quarta-feira 10, por meio de uma carta, e anunciada aos fiéis na missa do domingo 14.
“Até que haja ordem em contrário, a partir do domingo que vem, a missa será só presencial”, anunciou Lancelotti. Até então, as celebrações religiosas eram transmitidas pela TVT, emissora mantida por sindicatos, e pelo YouTube.
O padre refutou, porém, os rumores de uma possível transferência sua da paróquia de São Miguel Arcanjo, no Bairro da Mooca, em São Paulo, onde atua há mais de 40 anos. Segundo Lancelotti, trata-se de um período de “recolhimento temporário”. A Arquidiocese não esclareceu os motivos da decisão, interpretada como uma ordem de censura por auxiliares do pároco e políticos do campo progressista. “Calar quem defende os pobres é escolher um lado”, escreveu nas redes sociais a deputada estadual Mônica Seixas, do PSOL. O colega Paulo Fiorilo, do PT, também disse receber a notícia com espanto e tristeza: “O impacto social é enorme”.
EUA/ Espírito natalino
Trump presenteia Lula com a retirada das sanções impostas a Alexandre de Moraes, do STF
O bom velhinho parece ter se esquecido de Bolsonaro – Imagem: Arquivo/Casa Branca Oficial
Papai Noel chegou mais cedo ao Palácio do Planalto. Na sexta-feira, 12, o governo dos EUA retirou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e sua esposa, Viviane Barci de Moraes, da lista de sancionados pela Lei Magnitsky. A decisão representa uma derrota amarga para o bolsonarismo, que não conseguiu intimidar o Judiciário nem aprovar no Congresso uma anistia ampla, geral e sob medida para Jair Bolsonaro, além de configurar uma vitória pessoal de Lula, que desde o primeiro momento recusou-se a ceder à chantagem de Donald Trump, mesmo após a imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.
Durante a cerimônia de lançamento do SBT News, em Osasco, na Grande São Paulo, Moraes reconheceu o esforço do Planalto nas negociações pelo fim das sanções. “Com o empenho do presidente Lula e de sua equipe, a verdade prevaleceu. Podemos dizer, com satisfação e humildade, que houve uma tripla vitória: do Judiciário brasileiro, que não se rendeu a ameaças e coerções e continuará atuando com imparcialidade, da soberania nacional e da democracia”, disse o magistrado. “Não era justo um presidente de outro país punir um ministro da Suprema Corte brasileira apenas por cumprir a Constituição”, respondeu Lula, também presente no evento.
Terror em Sydney
Um ataque a tiros deixou 15 mortos e 40 feridos na movimentada praia de Bondi, em Sydney, Austrália, no domingo 14, durante as celebrações do festival judaico de Hanukkah. Os autores do atentado foram identificados como Sajid Akram, de 50 anos, morto pela polícia no local, e Naveed Akram, de 24, que permanece internado em estado crítico. Pai e filho, ambos haviam prestado juramento de lealdade ao Estado Islâmico. Um dos terroristas foi desarmado por Ahmed al Ahmed, um vendedor de frutas muçulmano. Um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra o momento em que o homem, classificado pelas autoridades australianas como um “herói da vida real”, surpreende um dos atiradores por trás e consegue retirar sua arma. Na ação, ele foi atingido por dois tiros, um no ombro e outro na mão. Ahmed foi hospitalizado e apresenta quadro de saúde estável.
Chile/ Pinochetismo redivivo
A extrema-direita volta ao poder 35 anos após fim da ditadura
O ultradireitista José Antonio Kast venceu em todas as províncias – Imagem: Eitan Abramovich/AFP
Nas ruas de Santiago, apoiadores celebraram a vitória de José Antonio Kast nas eleições presidenciais do Chile segurando retratos do ditador Augusto Pinochet, que governou o país com punho de ferro de 1973 a 1990, deixando um tenebroso saldo de 3,2 mil mortos e desaparecidos. Admirador declarado do general, o candidato da extrema-direita obteve 58% dos votos no segundo turno, impondo uma amarga derrota à comunista Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do impopular governo de Gabriel Boric.
Kast venceu em todas as 16 províncias chilenas, incluindo a Região Metropolitana de Santiago, tradicional reduto esquerdista. Além de retomar o projeto ultraliberal de Pinochet, ele incorporou bandeiras da extrema-direita contemporânea. Mimetizando Donald Trump, promete expulsar imigrantes ilegais, a quem atribui grande parte da violência urbana, e diz que vai endurecer as políticas de combate ao crime.
Apesar do culto a Pinochet e do desprezo pelos direitos humanos, Kast já está sendo “normalizado” pela mídia, inclusive no Brasil. Analistas se apressam em afirmar que ele não representa ameaça ao Estado Democrático de Direito. Oxalá estejam certos. Diziam o mesmo de Bolsonaro e vimos o resultado no 8 de Janeiro.
Publicado na edição n° 1393 de CartaCapital, em 24 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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