Lucia Helena Silva Barros de Oliveira

Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro; atual coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Mestre em Direito.

Opinião

O legado de Harriet Tubman inspira a luta das mulheres por liberdade

Ablicionista responsável pela liberdade de inúmeras pessoas escravizadas deixou ensinamentos de vida até os dias de hoje

Harriet Tubman
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 “Eu racionalizei isto na minha mente, e existiam apenas duas coisas a que eu tinha direito: liberdade ou morte; se eu pudesse não ter uma, eu teria a outra.”

Harriet Tubman

 

Quando pensamos na mulher negra, vêm-nos à mente a coragem e a perseverança — elementos tão necessários nos dias de hoje — de Harriet Tubman.

Harriet, uma mulher negra, afro-americana, nasceu em 1º de janeiro de 1822, na condição de escrava, e desempenhou papel relevante na libertação de escravos no sul dos Estados Unidos. Essa data de nascimento, contudo, não é precisa, pois ela não teve direito sequer a uma certidão de nascimento. Seu verdadeiro nome era Araminta Ross, mas ela ficou conhecida como Minty.

Contam que Minty nasceu livre, pois os antigos “proprietários” de sua mãe lhe haviam concedido liberdade através de testamento. No entanto, os “senhores” da casa em que Minty prestava serviços domésticos não reconheceram essa condição. Dizem ainda que Minty teria sofrido um acidente terrível, pois, ao se interpor entre um negro fugitivo e um capataz, foi atingida na cabeça por um objeto que pesava cerca de um quilo. Esse episódio lhe rendeu sequelas graves, incluindo fortes e constantes dores de cabeça. Mas Minty não se deteve. Tempos depois, com a ajuda de uma rede secreta de pessoas que apoiavam escravos fugitivos, ela também conseguiu escapar à triste condição do cativeiro. Então, dedicou a vida à liberdade de seus irmãos negros. E nunca desistiu! Como ela gostava de dizer, “nunca deixou um passageiro para trás”.

Desde cedo, Harriet — ou “Black Moises”, como também era conhecida, uma referência a Moisés, que garantiu a liberdade do povo hebreu ao guiá-lo para fora do Egito na passagem bíblica do êxodo — teve sua vida marcada por incansáveis luta e coragem, deixando também suas digitais no movimento sufragista feminino e negro. No entanto, por ser analfabeta, apenas sua voz ecoou em prol dos direitos civis.

A coragem de Harriet a levou ainda à condição de líder de tropas da União, revelando-se pioneira na liderança feminina de uma ação militar nos Estados Unidos. Além disso, sua coragem, determinação e luta em prol das causas abolicionista, sufragista e feminista renderam a reprodução de sua imagem na nota de 20 dólares, em razão da comemoração do centenário, em 2020, do voto feminino.

Harriet Tubman é inspiração para todas as mulheres — com especial destaque para a mulher negra. Continuar lutando é nosso papel. Quando olhamos para nosso país, percebemos que, a despeito das muitas mudanças já havidas, ainda há muito “chão” a percorrer nos espaços políticos e de poder. Os direitos têm de ser iguais; o tratamento deve ser igualitário. Afinal, lembrando Djamila Ribeiro, grande mulher negra, filósofa e ativista: “Não dá para falar em consciência humana enquanto pessoas negras não tiverem direitos iguais e sequer forem tratadas como humanas”.

O fato é que, no cenário nacional, em um passado não muito remoto, a mulher negra brasileira era excluída do direito de votar e também de ser votada. Observe-se que, no Brasil, o direito ao voto feminino data somente de 1932. E, em que pesem seus noventa anos de existência, ainda temos pouca representatividade feminina na política. As mulheres são a maioria do eleitorado, mas a minoria na ocupação dos espaços políticos de poder.

Atualmente, de um total de 513 deputados no Congresso, apenas um percentual abaixo de 5% de mulheres negras ocupa o Parlamento. Tal situação está vinculada  ao racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira, o que resulta em poucas representantes nas três esferas: Legislativo, Executivo e Judiciário. A reparação histórica, portanto, é mais que necessária. Mas, para compreendermos melhor esse quadro, é preciso voltar os olhos, de forma breve, para o passado.

O Código Eleitoral de 1932 declarava eleitor(a) o “cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do Código”. Mais adiante, no artigo 4º, excluía os mendigos e analfabetos. Nesse aspecto é que teve início a exclusão da mulher negra, pois, com sua liberdade datando de 1888 (apenas 42 anos antes), até então não se verificava sua inserção no mercado de trabalho. Além disso, na condição de analfabeta, ela não cumpria uma das exigências para o alistamento.

Tudo isso a excluía do processo eleitoral: para que fosse aceito o alistamento, um dos pré-requisitos era a declaração de profissão. E isso, sem dúvida, também era um problema para a mulher negra, pois a escravidão, embora formalmente encerrada em 1888, deixou reflexos que perduram até hoje, inclusive quanto à inserção feminina no mercado de trabalho. A mulher negra, portanto, não reunia condições para ser eleitora nem para ser eleita, ficando, assim, alijada de todo esse processo. Ademais, é preciso registrar que, durante muitos anos, o voto feminino foi facultativo.

Em todo o mundo, contudo, a situação sufragista feminina não foi muito diferente, mas, quando se pensa no voto da mulher negra, essa dificuldade é ainda mais acentuada, em face das consequências da escravidão.

Portanto, lembrar a história de Harriet Tubman — a Minty ou a Black Moises — é mais do que necessário. Isso porque tal resgate biográfico nos faz recuperar a coragem, a perseverança e a força dessa grande abolicionista. Além disso, auxilia-nos a melhor compreender — mas não a aceitar — algumas ações que comportam desigualdade em relação às mulheres.

Harriet desafiou as normas estadunidenses em prol da garantia dos direitos de seu povo, em prol do que era justo e certo: a liberdade, a vida e a dignidade. Sua coragem merece ser contada (e recontada) nos dias atuais, palco ainda de tantas dificuldades para o negro em geral — em especial para a mulher negra.

E, para encerrar esta reflexão, Negra Li é certeira na canção Nada pode me parar:

Não vou desistir,

Ninguém vai me impedir

Eu tenho força para lutar

Nada pode me parar.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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