Justiça

Judiciário e a elaboração de um Protocolo de Julgamento com Vertente Racial

Compreensão aprimorada do que é o racismo conduz mudanças necessárias à magistratura

Instalação da Audiência de Custódia no Tribunal de Justiça do Pará, em 2015. Fotos: Ricardo Lima/TJPA-Flickr
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Há anos, o Poder Judiciário é instado a enfrentar situações de racismo que lhes são submetidas. Em paralelo às decisões exaradas pelo primeiro e segundo graus, pronunciando-se sobre episódios de racismo, a partir da aplicação do arcabouço legislativo, acompanhamos, em contrapartida, a elaboração e produção de alguns instrumentos e mecanismos de apoio no julgamento, como o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Constituinte de primoroso trabalho, recentemente divulgado pelo CNJ, o Protocolo traz subsídios para aplicação da lei nos casos de discriminação numa perspectiva também interseccional, proporcionando melhor compreensão pelo/a julgador/a quanto as opressões que alcançam a mulher negra, enquanto gênero e raça, aconselhando o CNJ, através da Recomendação n. 28, de 15/02/2022, a adoção do Protocolo a todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro.

Na mesma direção do Protocolo, com orientações para compreensão dos casos que envolvem gênero numa perspectiva interseccional, emerge como indispensável a criação de um Protocolo com diretrizes para enfrentamento ao racismo, que, por sua vez, alicerçou a construção da sociedade brasileira, conduzindo-lhe os passos e privando as pessoas negras de dignidade.

Não temos a pretensão de abordar os processos de interpretação das leis, mas de discorrer brevemente sobre os bons resultados no uso destas ferramentas metodológicas como suporte e instrumento eficaz para compreender determinadas estruturas e, no caso do racismo, a adoção de um Protocolo com Vertente Racial como mecanismo facilitador e auxiliar ao judiciário para percepção da complexidade da questão.

O racismo segue retroalimentando e estruturando todas as camadas da sociedade e instituições, deslocando as pessoas negras para um lugar de subalternidade, com impacto intergeracional, cuja dinâmica perversa é responsável pela redução das oportunidades e mobilidade socioeconômica da população negra, alta taxa de letalidade, encarceramento em massa, redução na expectativa de vida, desemprego, negação de direitos e bens básicos.

Não se trata de beneficiar um grupo em detrimento de outro, mas reconhecer as opressões e desigualdades que atingem historicamente determinado grupo étnico-racial, cuja relação estabelecida entre grupos foi de dominação e exploração, prática que tem se reproduzido com os anos no país.

Para que haja uma instrumentalização eficiente pelo Poder Judiciário nos casos de racismo que lhes são submetidos à apreciação, torna-se imprescindível (re)conhecer como o racismo opera e suas interações nas relações em sociedade e instituições.

Neste processo de enfrentamento através da atividade jurisdicional, impõe-se uma percepção prévia das múltiplas facetas do racismo, que não se concretiza tão somente no plano da intencionalidade, mas, antes, encontra-se internalizado e se reproduz também no plano inconsciente.

Se a magistratura é predominantemente branca e masculina, erigindo-se a sociedade brasileira a partir da exploração da mão de obra da população negra, da sua escravização, da negação de direitos e de condições dignas de existência, das tentativas históricas de embranquecimento a partir de teorias eugenistas articuladas com a construção da falsa harmonia racial, é inequívoco o impacto de tais questões, que por vezes comprometem o processo de aplicação da fonte legislativa.

Trazemos nossas experiências de vida para atuação na vida profissional, vivências e histórias, o que não é diferente na carreira da magistratura.

A par a passo com a aplicação da lei, coexistem nossos vieses inconscientes, a forma de perceber a sociedade, as pessoas, que impactam e repercutem em nossas decisões, mostrando-nos que a neutralidade e a imparcialidade concebidas sofrem interferências ante a construção subjetiva da pessoa que integra o corpo do judiciário.

Como subsídio teórico no processo de elaboração de um Protocolo com Vertente Racial, contamos como acréscimo com a contribuição do Relatório sobre Igualdade Racial no Judiciário, produzido em 2020, também no CNJ, cujo documento permite extrair do seu vasto conteúdo ações concretas para enfrentamento ao racismo.

O racismo afeta a vida de toda a coletividade, seja diretamente a de pessoas negras e, também, de pessoas brancas. Assim, sem alternativas para os dilemas que atingem a população negra, em todos os níveis, a sociedade brasileira não avançará.

Surgem, neste contexto, os Protocolos como novas ferramentas auxiliares para manejo, não só pelo corpo do judiciário, mas por todas as pessoas que impulsionam a máquina judiciária, e a importância da elaboração de um Protocolo com Vertente Racial no combate à discriminação e preconceito, permitindo ao Judiciário aprimorar o enfrentamento ao racismo, rumo a uma sociedade mais igualitária e justa.

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