Vanguardas do Conhecimento

Por uma educação que desfaça as ilusões do ego

A verdadeira educação deve focar nas inteligências intrapessoal e interpessoal com o fim de desfazer as ilusões e os condicionamentos da mente

A educação precisa ser renovada
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O ego é um termo cuja compreensão é importantíssima para efeitos de se obter despertamento de consciência e crescimento enquanto ser pleno, equilibrado e sábio.

Na linguagem mais comum do dia a dia, o ego ficou muito associado, até por questões etimológicas, à ideia de (ego)ísmo. Ego significa em latim “eu”. Entende-se egoísmo por ensimesmar-se, focar demais no individual. É o oposto da caridade, da fraternidade, do se abrir para o outro, para ajudar. Como tudo na vida, é preciso encontrar um equilíbrio entre esses polos, não deixando nem que o lado sombra egoísta, nem que o lado luz caridoso se exacerbem.

Encontrar esses equilíbrios no pensar, no sentir e no agir depende de uma educação voltada para tal fim, que não é a regra hoje. O que se chama de educação no Brasil é, na verdade, muito mais uma instrução, preparação acadêmica para fazer provas escolares, o Ideb, o Enem e o vestibular. Não há uma adequada educação para o ser, que trabalhe as habilidades naturais, as capacidades, as múltiplas inteligências, como propõem os maiores nomes da humanidade há séculos.   

Numa visão mais ampla e conectada com a psicanálise e a educação, o ego é a personalidade; é a mente, segundo Jung, Osho, Eckhart Tolle e outros sábios. Trata-se do “eu” criado pelas vivências socioculturais de cada indivíduo, que se associa a um conjunto de ilusões, condicionamentos e preconceitos formados a partir da compreensão limitada de mundo que todos temos e da falta de uma educação voltada para as inteligências intrapessoal (autoconhecimento e automelhoramento) e interpessoal (sociabilidade, empatia, paciência, tolerância etc.).

Ensimesmados, a imensa maioria dos indivíduos, especialmente os ocidentais, vive pautada em ganhar dinheiro, adquirir bens materiais, ser famoso, obter destaque e outras finalidades que não são males em si, mas que se tornam muito perniciosas quando se tornam fins em si, e não apenas consequências do sucesso obtido naquilo que se faz de melhor, com verdade, honestidade, esforço e talento.

Como criam diversas falsas necessidades, a exemplo de ser necessário ter um determinado tipo de trabalho, ter uma renda “x”, ter um marido ou uma mulher, ter filhos, os indivíduos estão quase sempre se sentindo incompletos, correndo atrás de um algo mais que julgam ser imprescindível ter para atingirem a felicidade que supostamente apenas pode ser obtida no externo, por meio de novas conquistas de necessidades criadas rotineiramente.

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A imensa maioria das pessoas vive deseducada socioemocionalmente, desequilibrada internamente e no convívio, por não ter sido preparada para tanto. Não é algo que se deva julgar ou de que se deva se culpar. A causa dessa situação é, acima de tudo, a educação tanto familiar quanto escolar, que não as preparou para viver nessa sociedade complexa, mal organizada e desequilibrada.

Se o universo é infinito, o conhecimento também é, e o processo educacional não tem fim. Como dizia um dos maiores sábios da humanidade, só sabemos que nada sabemos. Ter noção da própria ignorância é um passo importantíssimo para, por exemplo, querer buscar sempre mais sabedoria e para respeitar a ignorância do próximo. Se esse tipo de visão de mundo fosse adequadamente desenvolvida no dia a dia da escola, já se formaria indivíduos muito mais sábios.

O ego é uma personalidade que cada um cria para viver. É necessário, mas precisa ser domesticado. Alguns são dotados, inclusive, de diferentes personalidades ou capazes de agir dentro da mesma personalidade de modos distintos, como os psicóticos e os bipolares.

Muitos dos transtornos psíquicos são, portanto, ocasionados pela falta de uma educação para desenvolvimento das inteligências intrapessoal e interpessoal, o que leva a uma incapacidade de domínio do ego, desaguando em complexos e outras doenças. 

Corrupção, violência, preguiça, intolerância; os sentimentos, pensamentos e comportamentos geralmente aceitos como danosos são, na maioria das vezes, distúrbios do ego decorrentes da falta de uma educação de caráter mais socioemocional.

O problema da chamada Aprendizagem Socioemocional (ASE), tão analisada em textos anteriores, é que ela tende a ser utilizada para efeito de meros retoques no falido modelo atual de educação, quando deveria ser um mote para a sua reestruturação completa.

O indivíduo não carece apenas de atividades de catarse no início das aulas ou de práticas de meditação nos intervalos e quando cometa alguma indisciplina. Essas ações ajudam muito, mas não são suficientes para se chegar a uma educação que forme seres plenos e capazes de construir uma nova sociedade, com instituições sociais muito mais hábeis a dar liberdade, igualdade e fraternidade em caráter amplo.

O currículo de disciplinas, os métodos, os administradores e educadores precisam ser todos remodelados para que se torne possível oferecer uma educação despertadora de consciências, capaz de desvelar as ilusões do ego, normalmente causadas pelo apego excessivo a posses, desejos e paixões, formando seres seguros, altivos, equilibrados, intuitivos e criativos. Hoje a escola tem formado memorizadores de informação e de regras.

Os consultórios de terapia estão cada vez mais cheios, assim como os templos religiosos e espiritualistas. Os números de depressivos e suicidas só aumentam. Essa realidade escancara a falência dos sistemas educacional e de saúde, que são claramente ultrapassados e dominados perniciosamente pelo poder do capital e pelo desinteresse político numa reforma realmente estrutural.

A terapia é uma boa saída para muitos e ajuda bastante a desfazer as ilusões do ego, mas o ideal é que cada indivíduo possa ser o seu próprio terapeuta, não dependendo de ninguém. É uma grande falha do sistema educacional, por exemplo, não conter disciplinas nas quais se estude William James, Freud, Jung e outros grandes psicólogos da história humana com um caráter prático, não apenas teorizando abstratamente e memorizando informação, mas trabalhando na experiência a consciência de cada aluno.

Freud e Jung Freud e Jung: o trabalho dos dois deveria ser estudado nas escolas, não só em teoria, mas na prática

Outro exemplo de grande falha do sistema educacional é permitir o ensino confessional, por meio do qual, muitas vezes, se busca inculcar crianças com dogmas religiosos, em vez de se estudar os grandes mestres da humanidade, como Moisés, Davi, Lao-Tsé, Confúcio, Sidhartha Gautama (Buda), Ananda, Sócrates, Platão, Aristóteles, Jesus, João Evangelista, São Paulo, Maomé, São Francisco de Assis, Saint Germain, Kuthumi, Gandhi, Sathya Sai Baba e outros. Frise-se novamente a importância do caráter prático, aplicando direta e sabiamente o conhecimento às situações da vida.   

Mais uma grande falha do sistema educacional, como dito em outros textos deste blog, é não existir um foco (em disciplinas autônomas, mas especialmente dentro de todas as disciplinas) no ensino prático reflexivo, como o filosófico e o sociológico em caráter aplicado, sem perder tanto tempo com teorias e conceitos mais profundos, mas destrinchando para as crianças e adolescentes, de acordo com a capacidade de cada idade, em cada contexto, a sabedoria da humanidade para fins de desvelar ilusões, condicionamentos, preconceitos e de solucionar problemas concretos.

Além dos sábios já citados, é preciso se deter nas escolas em pensadores como Pitágoras, Heráclito e vários outros gregos antigos; em Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e vários outros filósofos/teólogos; em Krishnamurti, Osho e muitos outros pensadores orientais contemporâneos ou antigos; e outros tantos sábios da história humana.

Se o objetivo é formar sábios, seres capazes de obter muita informação, conectá-la com a inteligência e transformá-la em sabedoria por meio da experiência e do sentir, é preciso que eles sejam preparados a partir dos grandes sábios da humanidade com uma educação prática e socioemocional em toda a sua estrutura. Essa proposta vem sendo desenvolvida em mais de uma dezena de textos publicados neste blog e assim continuaremos fazendo nos próximos. 

Se o objetivo é formar memorizadores insensíveis e desequilibrados, seguindo com a atual sociedade caótica, pode-se continuar com a educação atual ou ficar discutindo meros retoques nela como vem se fazendo hoje, servindo-se de medidores pobres como o Ideb, ou mesmo o Pisa, pois cada qual, o primeiro bem mais do que o segundo, desenhado segundo uma visão de educação antiquada.   

O mundo urge por novas formas de sentir, pensar e agir. Apenas uma nova educação pode nos dar esse resultado. 

 

*Este texto é uma homenagem e um agradecimento ao grande amigo, desta e de outras vidas, Jefferson Viscardi. 

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