Vanguardas do Conhecimento

Pedagogia do amor é futuro da educação

A pedagogia do amor de Pestalozzi, aplicada por Rivail e outros, antecipou a teoria das inteligências múltiplas e outras hoje consideradas entre as mais avançadas

O amor não deve ficar restrito à família
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Fala-se menos do que se deveria na pedagogia do amor e o pouco que se fala é, muitas vezes, vago. O tema, então, se perde pela sua abstração e incompreensão das pessoas, o que ocasiona desconfiança e desinteresse; todavia, tanto como parte do método pedagógico quanto como um dos objetos de estudo, o amor é aquilo que pode mudar completamente o mundo para melhor desde que seja bem entendido.

A noção predominante de amor é a romântica, que o entende como um sentimento afetivo entre dois seres, normalmente um homem e uma mulher, e daí surge, inclusive, o preconceito lastimável contra aqueles que procuram relacionamentos homossexuais. Esses dois seres buscam uma união quase sempre calcada na atração física e/ou sexual, quando a motivação não é ainda mais superficial, como financeira ou outra similar.

Para além dessa ótica predominante, há uma segunda, muito parecida, que estende o amor a um sentimento afetivo entre dois seres por laços familiares ou por simpatia. Esta é uma sintonia gerada por interesses ou outros elementos em comum, que podem ser positivos ou negativos.

Não existe amor ou desamor à primeira vista, mas apenas simpatia ou antipatia à primeira vista. Simpatia é sentimento direcionado a uma pessoa. Amor é um sentimento sem direção, que ultrapassa o ser humano, estendendo-se aos animais, ao elementos naturais (fogo, água, terra, vento), ao planeta, ao cosmo.

O amor amplamente prevalecente, almejado e praticado na humanidade não é aquele em sua profundidade e amplitude. É um amor romantizado, vendido em filmes, novelas e propagandas, muito mais ligado a paixões e interesses menores do que a sentimentos edificantes e libertadores.

Por tal razão, ele degenera facilmente em apego, cobrança, manipulação, quando não se transforma em ódio por conta da frustração das paixões e interesses mencionados. Quase sempre, o amor é praticado com egoísmo, muito mais em busca de algo em troca do que de apenas se doar ao outro e de fazê-lo um ser melhor.   

O amor, como deve ser compreendido em uma comunidade mais desenvolvida, é um sentimento muito mais próximo da fraternidade em um nível ótimo, um “‘estado afetivo de plenitude’, incondicional, imparcial e crescente”, como diria Ermance Dufaux.

O verdadeiro amor preenche, eleva o ser a um estado de felicidade incomparável, inabalável pelos arrastamentos menores das paixões humanas. Ele não é condicionado a retorno; não é diferente de acordo com o ser ou com qualquer outro critério; e só vai crescendo na medida em que a pessoa se desenvolve.

O verdadeiro amor é profundo, pois submete as paixões e interesses individuais em prol de uma ligação com tudo e todos, gerando respeito, paciência, indulgência, tolerância, unicidade com a natureza; sentimentos muito mais edificantes do que aqueles gerados, em regra, pela ótica de amor hoje predominante.

O verdadeiro amor não diferencia o sentimento que se tem do filho e do vizinho que causa incômodo, por mais utópico que isso possa parecer. O amor dos pais para com os filhos é talvez o mais puro que existe hoje. É, em diversos casos, um amor incondicional, que tira o fôlego e que perdura, não importa o que aconteça. No entanto, as pessoas não são ensinadas a amar os demais. “Os outros são os outros”. “A família antes de tudo”. Quantos chavões não existem hoje para expressar que só devemos nos preocupar com “os nossos” e os outros que se danem?

Devido à falta de amor da humanidade, se não houvesse a família, dentro da qual se estimula o amor pelos laços de sangue e pela convivência muitas vezes forçada, o planeta provavelmente já teria sido destruído, e observem que, mesmo assim, não falta muito para isso.

O problema é que as relações familiares se tornaram as únicas importantes para muitos, até porque da felicidade do cônjuge e dos filhos muitas vezes depende a felicidade do próprio indivíduo. Então, há frequentemente mais egoísmo do que amor por trás de certas atitudes protetivas da família. 

Com verdadeiro amor, não haverá escolhas em torno de quem deve ser protegido e quem deve ser prejudicado, a não ser sob critérios de justiça; não haverá injustiças aos outros em prol da família ou de si mesmo; não haverá nacionalismos que prejudicam outros países sem remorso; etc. O amor une a todos, torna a sociedade uma única família.

É esse sentimento que deve ser utilizado para ensinar nos lares e nas escolas por meio, sobretudo, de atividades práticas e do exemplo. Na medida em que se ensina pela pedagogia do amor, já se ensina o amor pelo exemplo, a melhor forma de ensino, por ser sentida e, principalmente, vivida, e não apenas racionalizada. Quando o outro compreende o verdadeiro amor em alguém, é difícil que não queria praticá-lo, pois nota como quem ama verdadeiramente emana positividade, é pleno e feliz.    

Diversos estudos comprovam que países mais desenvolvidos em termos de qualidade de vida e desenvolvimento em sentido amplo revelam altos graus de fraternidade. Sociedades com mais qualidade de vida são as que desenvolveram melhor o sentimento de verdadeiro amor, criando, por consequência, instituições mais inclusivas, fraternas. 

A pedagogia do amor foi o centro do método Pestalozzi, que tanto sucesso obteve na Europa no século XIX e que influenciou reformas educacionais em vários países que se tornaram muito desenvolvidos em seguida.

Pestalozzi dizia que o mérito da sua experiência na cidade de Stans foi transformar cerca de 70 crianças órfãs, embrutecidas pela vida, em irmãos, em indivíduos generosos, justos e morais.

O seu método era, primeiro, satisfazer as necessidades mínimas das crianças, garantindo-lhes condições básicas para a aprendizagem e para o desenvolvimento de sentimentos positivos. Deste modo, sem políticas sociais que garantam o mínimo de alimentação, saúde, lazer etc., é difícil que a criança tenha um desenvolvimento adequado e que cresça amorosa, pois o embrutecimento tende a gerar negatividade. Uma das principais tarefas da educação é estimular a sensibilidade natural, a conectividade e a fraternidade com as quais todos nascem.

Não se entenda a pedagogia do amor como mimos e tratamento infantil. Ao contrário, é dar o respeito necessário a cada indivíduo independentemente da sua idade; é corrigir comportamentos os mais negativos com instrução sábia e até mesmo rígida, porém com o máximo de paciência, tolerância e indulgência, entendendo profundamente a individualidade de cada um. 

A pedagogia do amor não quer modificar a essência natural do ser, mas dar as condições para que suas habilidades sejam maximizadas. Ao contrário da educação atual, que tem a presunção de saber aquilo o que os indivíduos precisam aprender, a pedagogia do amor lhes dá certa liberdade para escolher o que preferem aprender e percebe os talentos de cada um.

A pedagogia do amor foi, de certa forma, apresentada neste blog nos textos que trataram de Pestalozzi e sua eficiência foi, em alguma medida, cientificamente comprovada nos textos que trataram da Aprendizagem Socioemocional, que pode ser muito bem aperfeiçoada para uma maximização das habilidades morais e emocionais dos indivíduos, tão ou mais importantes do que a intelectualidade acadêmica.

Fala-se pouco na pedagogia do amor, pois não se compreende que ela representa muito do que se tem hoje por mais avançado em termos de pedagogia: a) mais liberdade aos educandos de escolherem o que querem estudar; b) menos imposição de ideias; c) desenvolvimento crítico; d) educação pelo exemplo; e) estímulos à sensibilidade, à conectividade, à empatia e à fraternidade; f) trabalho das mais diferentes habilidades (ou talentos, ou inteligências), considerando que cada ser é único, especial e suas inteligências se manifestam distintamente; etc.

Rivail, um dos principais discípulos de Pestalozzi, em obra publicada ainda no ano de 1857, deu contornos à contemporânea teoria das múltiplas inteligências e a muitas outras teorias tidas hoje por avançadas:

“A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação”.

Como se dá pouco valor aos grandes pensadores da história, a exemplo desses citados aqui e em outros textos, iremos analisar em artigos futuros a contemporânea teoria das inteligências múltiplas, de Howard Gardner (Universidade de Harvard), buscando comprovar que a pedagogia do amor, preocupada com os diferentes tipos de inteligência, mas especialmente com as esquecidas inteligências moral e emocional, é um dos caminhos para um futuro com amplo desenvolvimento, sustentabilidade e elevada qualidade de vida para a humanidade.  

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