Vanguardas do Conhecimento

Ortodoxos, heterodoxos e a economia comportamental

A “Behavioral Economics” pode ajudar a mudar a realidade em que vivemos, a de ter tanta pobreza em um mundo tão rico

Morador de rua de Lisboa (Portugal): o desenvolvimento econômico caminha a passos lentos
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Em texto anterior, o ainda atrasado debate brasileiro sobre ortodoxos e heterodoxos levou à conclusão de que é preciso evoluir com urgência dos dois lados, pois descobertas epistemológicas e metodológicas das últimas décadas vêm sendo deixadas de lado por ambos os grupos, sobretudo pelos ortodoxos.

Como temos visto neste blog, parece que boa parte dos sucessos da Ciência Econômica decorrerão nos próximos anos da teoria da complexidade e da Economia Comportamental (Behavioral Economics), pois elas atacam os problemas principais da Economia tradicional.

A macroeconomia não é um resultado sequer próximo das decisões dos agentes individuais, havendo grande emergência decorrente das relações em um contexto espacial e temporal. Não há agentes racionais, não há informação perfeita, nem economia levada ao equilíbrio pelo mercado.

Nada disso corresponde à realidade complexa, mas apenas a visões parciais dela, inaptas a compreendê-la do modo que precisamos para construir melhores instituições e políticas.

O problema que surge é: como lidar, então, com toda a incerteza e a complexidade trazida pela admissão de que essas premissas ainda dominantes na Economia são o resultado de um método e uma visão cognoscente descolados da realidade?

O debate aqui é similar àquele que surgiu quando se identificou algumas falhas nas premissas da Física Clássica e os estudiosos se viram frente a um mundo novo chamado de Física Quântica. Como caminhar por esse mundo novo tomando decisões adequadas?

O sujeito ortodoxo costuma ser conservador. Frente ao problema acima, muitos deles dirão que, não havendo clareza sobre como seguir, melhor permanecer com os métodos que já são utilizados e que, na sua opinião, funcionam na maioria das vezes.

Uma visão melhor é a de que o modelo tradicional errou na imensa maioria das vezes, tanto que o desenvolvimento econômico dos países se deu em passos muito lentos e sujeitos a imensas crises não previstas pelos especialistas, as quais eles não souberam e ainda não sabem solucionar.

Centenas de milhões de pessoas ainda estão sem moradia, sem trabalho, sem oportunidades, e isso é inaceitável num mundo com tanta riqueza e geração de renda.  

O paralelo entre a quebra de paradigma da Física e da Economia é ainda mais interessante porque a própria Economia tradicional decorreu em muito do conhecimento da Física Clássica e de um beber comum na Matemática linear.

A partir do final do século XIX, contudo, ficou mais claro um processo de aumento de complexidade do conhecimento humano, que levou, por exemplo, ao desenvolvimento das equações matemáticas não-lineares, da teoria dos sistemas complexos, da cibernética etc.

Como não há espaço para aprofundar nesses assuntos, recomenda-se a leitura de autores como Fritoj Capra, Ilya Prigogine e Edgar Morin. Um bom começo é o livro A Teia da Vida, de Capra, uma obra de 20 anos atrás, revelando que essas discussões, ainda pouco conhecidas no Brasil, não são nada recentes.

Sem um bom conhecimento a respeito das mudanças acontecidas no conhecimento nos últimos séculos, sequer é possível discutir com mínima profundidade sobre Economia ortodoxa e heterodoxa, motivo pelo qual é imprescindível estudar com cuidado Epistemologia, Metodologia e Filosofia. 

A Economia da Complexidade e a Economia Comportamental, assim como a Física Quântica, procuram lidar com uma visão de mundo contingente, determinado por espaço e tempo (bastante contextual), dependente dos participantes e da referência do observador.

Em vez de racionalidade, perfeição e equilíbrio, o conhecimento humano mais avançado busca reconhecer o irracional e intuitivo; o imperfeito, dinâmico e contingente; os desequilíbrios, os equilíbrios situacionais, os equilíbrios imperfeitos e até o caos.

Se os agentes estão em constante relação e mudam suas ações por conta dos incentivos resultantes das ações dos demais, inclusive do Estado, não há como utilizar como premissa que eles são perfeitamente racionais, que vão agir linearmente. Além disso, especialmente em países muito desiguais, a disponibilidade de informação para uns é completamente diferente da disponibilidade para outros.

Enquanto a Economia tradicional trabalha muito mais com generalizações baseadas em métodos de raciocínio linear, como os dedutivos e indutivos, a Economia Comportamental ajuda o estudioso a fazer inferências em contextos particulares, considerando as características culturais e os incentivos específicos aos quais os agentes estão submetidos.

Ela aceita e tenta lidar com o óbvio: que os indivíduos tomam decisões parcialmente racionais, movidos por atalhos heurísticos, por influências culturais, mas há diversidade de qualquer forma, exceções inúmeras.

Pode-se ir mais longe. Ao contrário do que até mesmo muitos economistas comportamentais pensam, não é possível chegar a modelos que representem tão bem a realidade social, pois ela é repleta de relações emergentes e surpresas. É possível apenas conhecer casos semelhantes e buscar compreender a dinâmica daqueles agentes no contexto espacial e temporal específico.

As tomadas de decisão econômicas serão sempre experimentais, pois tendentes a erros e carentes de ajustes em face de mudanças no contexto. Elas terão, em regra, considerável caráter intuitivo e precisarão contar também com alguma sorte, pois não há como controlar todos os fatores, sobretudo externos, que influenciam os resultados econômicos.

Tome-se o exemplo da Curva de Laffer, um modelo baseado na Economia tradicional que data de décadas atrás, mas que continua sendo usado por estudiosos brasileiros, especialmente para defender menos Estado e tributação, revelando muito mais motivação político-ideológica do que técnica.

A Economia da Complexidade e Comportamental, juntas, demonstram que o feedback dos agentes frente a um aumento na alíquota de Imposto de Renda dependerá de fatores como a riqueza e a renda do próprio agente.

Estudos demonstram haver uma elasticidade bem maior para aumento da tributação da renda sobre o mais ricos, o que é intuitivo, pois, afinal, quem tem mais sobrando sentirá menos o efeito de uma retirada maior de riqueza ou renda. A utilidade de cada um real é menor para esses.

Mas, não para por aí. Diferentes culturas de consumo, características psicológicas e contextos sociais, por exemplo, podem levar a feedbacks distintos. Uma pessoa viciada em trabalho e aficionada em consumo dificilmente vai trabalhar menos porque passou a ser mais tributada. Uma pessoa preguiçosa ou uma que quer passar mais tempo com a família terá maior tendência a reagir assim.

Uma pessoa muito consumista pode vir a trabalhar até mais ao ser mais tributada, porque não aceitará perder seu padrão de consumo e, se tiver moral fraca, isso pode levá-la a se corromper e a cometer atos imorais e/ou ilegais.

Muitos agentes políticos têm tomado decisões influenciados por agentes econômicos pautados em visões e modelos antiquados e, portanto, estão cometendo erros sucessivos na condução da economia. É preciso, primeiro, aceitar a sua complexidade e a precariedade dos métodos e premissas epistemológicas atuais, para que seja possível, então, partir para estudos mais promissores.

Uma dificuldade aí é que muitos dos modelos tradicionais, como a própria Curva de Laffer, sustentam determinadas redes de interesses, mantendo coerência com ideologias que moldam contextos os quais muitos não querem ver mudados.

Como lembrou Eric Beinhocker em entrevista publicada neste blog, um problema da Economia é que as decisões dos seus estudiosos impactam na política e, portanto, nas decisões econômicas, e, enfim, nas vidas de todos, inclusive dos próprios economistas.

Esse movimento que ele chama de circular, mas é melhor caracterizado em uma espiral, é menor ou nulo em outras ciências, como a Física, pois o movimento da Terra não será alterado pelas teorias dos estudiosos, apesar de que as crenças físicas estão muitas vezes imbricadas com crenças religiosas, o que também causa sérias dificuldades.  

Enquanto os economistas, e acadêmicos brasileiros em geral, continuarem a permitir que seus argumentos sejam mais dirigidos por suas ideologias e interesses do que por conhecimento profundo e interesses sociais, o progresso continuará lento e as crises continuarão acontecendo. 

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