Vanguardas do Conhecimento

Foco socioemocional é mais importante do que QI

Estudos científicos revelam que o foco socioemocional é ainda mais importante para o sucesso do indivíduo do que a escolaridade dos pais e o seu próprio QI

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Concluímos o último texto apresentando o teste do marshmallow, que mostrou ser mais relevante ter um bom foco socioemocional do que pais com boa escolaridade, aspecto este revelado já muito importante em diversos estudos para determinar o sucesso do indivíduo na fase adulta.

Continuaremos, neste texto, trazendo os estudos reunidos por Daniel Goleman no seu livro Triplo foco: uma nova abordagem para a educação, por meio dos quais ele prova cientificamente que o foco socioemocional é não somente mais importante do que ter pais bem educados, porém até mesmo do que ter um QI elevado.

Pode parecer surpreendente para alguns, mas a conclusão é óbvia: conseguir manter o foco, a estabilidade emocional, ter atenção; tudo isso é fundamental para que a inteligência não se disperse e não entre em armadilhas. É comum ver, por exemplo, que muitos indivíduos mais inteligentes em termos de memorização não se saem bem em grandes tarefas desafiadoras, pois a fraqueza emocional trai a sua inteligência no momento chave.

Além disso, como a vida humana acontece em sociedade, cada um depende dos demais e do que pode obter, no bom sentido, das relações. Em muitos casos, as habilidades de foco no outro, como veremos, pode contar mais do que as habilidades de foco interno. 

Outros aspectos relacionados à Aprendizagem Socioemocional (ASE) são ter uma capacidade de pensar em médio a longo prazo e esperar um pouco mais pelas recompensas que se almeja, evitando perder ganhos por mero descontrole emocional traduzido em “curtoprazismo”, algo muito comum no Brasil, inclusive na administração pública.

Goleman apresenta também em seu livro um estudo realizado em Dunedin, Nova Zelândia, por meio do qual os pesquisadores acompanharam inúmeras crianças ao longo de vários anos, realizando testes nelas quando tinham entre 4 e 8 anos, aplicando, dentre outros, o teste do marshmallow aos 4 anos de idade. Elas foram monitoradas e, passados 30 anos, descobriu-se que aquelas com melhor controle cognitivo na infância estavam em melhor situação financeira e eram mais saudáveis na vida adulta.

Segundo Goleman, o maior especialista em inteligência emocional do mundo, “essa competência se revelou notavelmente poderosa para prever o sucesso na vida – mais do que o QI infantil ou o status socioeconômico da família. […] A mensagem central para as escolas é que poderíamos estar ensinando as crianças a otimizar seu controle cognitivo”.

Ele apresenta, então, exemplos interessantíssimos de como se pode modelar o controle cognitivo das crianças, lembrando – como defendemos em textos anteriores a partir de Rousseau, Pestalozzi e Rivail, mas nesse sentido poderíamos ter usado também Lev Vygotsky (sociointeracionismo) – que indivíduos em terna idade, ainda mais do que os outros, são amplamente modelados pelas relações que travam, absorvendo tudo o que acontece a sua volta.

Ele conta que o programa de tevê chamado Vila Sésamo pedia consultoria de psicólogos para ajudar a modelar o controle cognitivo das crianças. Em um deles, utilizou, inclusive, da ajuda de Walter Mischel, o psicólogo por trás do teste do marshmallow, para ensinar às crianças que valia a pena esperar para obter recompensas maiores do que aquelas oferecidas no curto prazo.

Esse aspecto da ASE é o interno, que diz respeito à criança ter foco, atenção, gerando desenvolvimento de mais calma, paciência, resiliência e outras capacidades socioemocionais muito importantes para uma vida de sucesso. Essa capacidade de foco interno termina se dissipando para as relações e também diz respeito aos demais, porém o seu cerne é o foco pessoal, a capacidade de se concentrar, de se manter estável nas maiores dificuldades.

Outro aspecto da ASE é o foco nos outros. Segundo Goleman: “Esta é a base da empatia – compreender como o outro se sente e seu modo de pensar acerca do mundo – , junto de habilidade social, cooperação e trabalho em equipe”. Sabe-se pouco sobre o tema, pois a área da neurociência, chamada de “social”, que o estuda ainda é relativamente nova. A falta de conhecimento tem provavelmente levado as pessoas a subestimar a importância das capacidades socioemocionais ligadas à interações sociais.

É bom que se ressalve em parte a afirmação de Goleman sobre essas capacidades serem formadas na infância, não lembrando que na adolescência os indivíduos passam por graves mudanças socioemocionais, emanando comportamentos que sequer eram conhecidos na infância. Esse fator empírico leva à conclusão de que há algo mais contribuindo para a formação socioemocional do que as importantes interações e o aprendizado na infância.

Ainda que na infância a psique do indivíduo esteja muito mais maleável, sendo um momento ideal para formatá-la, a ASE deve se estender ao longo de toda a formação, indo idealmente até os 21 anos, momento em que a estrutura socioemocional se torna mais sólida, o que não significa que não possa – e frequentemente vemos isso – ser alterada mesmo após essa idade, sobretudo quando houver esforço da própria pessoa. 

Goleman, um dos maiores especialistas em inteligência socioemocional do século XXI, repete ideias que apareciam na obra de Pestalozzi a todo o tempo entre os séculos XVIII e XIX:

“Quando se trata de foco no ‘outro’, um ponto ainda ausente nas escolas – mesmo na maioria que ensina a ASE – é ajudar as crianças a cultivar o carinho e a compaixão. Não é suficiente saber apenas como as outras pensam ou se sentem; também precisamos mostrar preocupação com elas e estar prontos para ajudar. Acho que essa é uma habilidade crucial na vida, tanto para crianças como para adultos, e a inclusão dela na ASE seria um importante próximo passo para as escolas”.

Goleman destaca três espécies de empatia que precisam ser desenvolvidas nos indivíduos desde bem cedo. A primeira é a empatia cognitiva, que diz respeito a entender como o outro pensa, quais os seus modelos etc. Isso facilita entendê-lo, como também torna mais fácil sermos compreendidos. Muitas das discussões hoje, como mostram as redes sociais, decorre da incapacidade de um sequer entender a ideia do outro, suas premissas e sua construção racional.

A segunda empatia é a emocional, que diz respeito a entender como o outro está se sentindo, quais sentimentos motivam determinado comportamento ou mesmo sua posição num debate. 

Essas percepções, por si sós, não levam, contudo, à conexão que se busca entre as pessoas. É preciso desenvolver a terceira perspectiva da empatia, que é a preocupação prática com o outro, aquela que leva à ação. Não adianta perceber como o outro raciocina, como ele se sente, porém não fazer nada para ajudá-lo. Descrevendo essa perspectiva empática, mais uma vez Goleman parece estar parafraseando Pestalozzi:

“Esse último tipo de empatia fornece a base para o que foi chamado de uma ‘classe afetuosa’, em que o professor incorpora e demonstra bondade e preocupação com seus alunos, além de encorajar a mesma atitude da parte deles”.

Outro caso exitoso mencionado por Goleman foi o de brainstorming realizado com os educandos, como, por exemplo, do segundo ano do ensino fundamental sobre como reagir no caso de a criança achar que o colega pegou o seu lápis de cor. “O que melhoraria e pioraria a situação?”, foi-lhes questionado. Eles decidiram que acusar pioraria a situação e perguntar melhoraria.

O quarto ano refletiu sobre ter que apresentar uma peça na escola e estar com medo, enquanto que o oitavo ano discutiu sobre o que fazer no caso de um colega oferecer drogas. São dilemas cotidianos enfrentados por milhares de alunos, mas com os quais eles não estão preparados para lidar, pois nunca pensaram a fundo sobre isso, nunca ouviram a opinião dos outros e nunca foram guiados por um adulto sobre métodos mais eficientes de resposta.

Em suma, a ASE é uma educação que prepara efetivamente para as questões difíceis da vida, não se limitando a despejar conteúdo para que o educando o memorize.

Para Goleman, desenvolver a empatia nas 3 perspectivas apresentadas será o próximo passo da ASE, até porque sua visão está pautada em diversos testes empíricos de sucesso.

No próximo e último texto sobre o livro Triplo Foco, veremos o terceiro foco, aquele tratado por Peter Senge, professor do MIT, que diz respeito ao pensamento e à inteligência sistêmicos em substituição à visão reducionista hoje prevalecente. 

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