Vanguardas do Conhecimento

Ensino filosófico adequado eleva o rendimento dos alunos

Reforma de Temer minimiza Filosofia e Sociologia, mas escolas podem aproveitar e introduzir discussões filosóficas e sociológicas em todas as disciplinas

"O Pensador", de Rodin: a reflexão melhora o aprendizado
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A Filosofia se tornou disciplina obrigatória no Ensino médio em 2006 no Brasil. Em 2016, a Medida Provisória de reforma do Ensino Médio apresentada pelo governo Temer pretendia tornar optativas no currículo a Filosofia e a Sociologia. Com uma emenda na Câmara dos Deputados, decidiu-se incluí-las novamente, porém a título de “estudos e práticas”, o que retira a necessidade de oferecer disciplinas específicas nas escolas.

Elas não são, de fato, imprescindíveis, mas, se fossem bem pensadas, poderiam ser ótimas ferramentas no crescimento cognitivo, reflexivo, argumentativo e moral dos alunos.

Essa discussão precisa tomar o seguinte caminho. É importante que alunos estudem Filosofia e Sociologia enquanto disciplinas singulares, para que possam sistematizar autores, entender a evolução dos pensamentos filosóficos e sociológicos etc. Se essas disciplinas forem, no entanto, ensinadas como comumente acontece no Brasil, acrescentarão muito pouco.

O ensino em monólogo, no qual são apresentados autores, ideias soltas, classificações e outros conhecimentos de forma redutiva, com pouca contraposição de ideias e participação dos alunos, torna a Filosofia e a Sociologia disciplinas maçantes, pouco instigantes, e que não cumprem suas importantes funções.  

Essas disciplinas, como todas as demais, devem focar num ensino histórico, analítico, estimulador da reflexão, confrontador de posições dentro de um ambiente cooperativo e participativo. Se as disciplinas não constarem no currículo, mas discussões filosóficas e sociológicas de caráter prático acontecerem dentro do ensino das demais disciplinas, já seria um grande avanço.

O grande mérito de disciplinas como Filosofia e Sociologia é que elas abrem espaço para uma forma de ensino que prepara melhor os indivíduos para atuarem como seres sociais intelectualmente profundos, socialmente adaptáveis e moralmente cooperativos. A chave da boa educação está, portanto, até mais no “como ensinar” do que no “o que ensinar”.

Diversos estudos científicos realizados nos últimos anos provam que a prática filosófica (ensino prático-reflexivo) nas escolas leva os alunos a um melhor rendimento.

Circulou recentemente nas redes sociais um estudo realizado com 3.000 crianças em 48 escolas primárias de toda a Inglaterra. Parte das crianças recebeu um curso de filosofia prática, ou seja, discutiam, com base em problemas do dia a dia, temas como conhecimento, verdade e justiça, e não apenas falavam de autores e teorias em caráter abstrato, como acontece, em regra, no ensino filosófico brasileiro.

Eram debatidos por elas questões como: “Um coração saudável deveria ser doado a uma pessoa que não se cuidou ao longo da vida?” e “É aceitável privar alguém da sua liberdade?”.

O resultado claro e consistente foi que as crianças participantes das aulas de filosofia prática ganharam dois meses à frente das demais em termos de avanço em matemática e em habilidades de leitura, e isso num estudo de curto prazo.

O objetivo do programa era, na verdade, aumentar a confiança dos alunos ao perguntarem e construírem argumentos, mas os ganhos acadêmicos foram surpreendentes.

Os professores reportaram ainda que aquela foi uma oportunidade de aprofundar o relacionamento com os alunos e entre os alunos, tratando de temas delicados e que remetem a perspectivas muito pessoais e emocionais. Ademais, foi possível desenvolver uma maior cultura de pensar, ouvir, falar, e tudo isso usando argumentos lógicos.

O programa Philosophy for ChildrenP4C (Filosofia para Crianças) foi desenvolvido primeiramente em 1970 nos Estados Unidos por Matthew Lipman. Mais tarde, foi criado o Institute for Advancement of Philosophy for ChildrenIAPC (Instituto para Avanço da Filosofia para Crianças), que realizou diversos estudos pautados no ensino filosófico prático a grupos controlados de crianças.

Em 1980, o instituto estudou o progresso de 40 alunos em duas escolas de New Jersey. Eles foram divididos em dois grupos, sendo que o grupo de tratamento teve ensino de Filosofia para Crianças ao longo de nove semanas, enquanto que o grupo de control teve um ensino mais tradicional de estudos sociais.

O estudo reportou ganhos significativos em raciocínio lógico e leitura, o que foi medido pelo California Test of Mental Maturity – CTMM (Teste de Maturidade Mental da Califórnia). O avanço nas habilidades de leitura do grupo que teve ensino filosófico prático em relação ao outro foi medido logo após o curso e dois anos e meio depois.

Isso não quer dizer que estudos sociais não sejam importantes, mas que o ensino de caráter filosófico, no sentido de uma prática de reflexão e argumentação, estimula partes do cérebro que, em suma, deixam os indivíduos mais capazes de questionar, refletir e argumentar. Há aumento da inteligência.

Estudo semelhante aconteceu em 2004 com 105 estudantes experimentais e 72 estudantes no grupo de controle. Os pesquisadores novamente reportaram avanços consideráveis em leitura e pensamento crítico.

Devido à quantidade de estudos produzidos em tempos distintos e com métodos diferentes, uma iniciativa em Clackmannanshire, na Escócia, procurou sistematizar esses estudos e revisá-los cuidadosamente para checar os resultados da Filosofia para Crianças. As conclusões foram que, com um custo baixo, usando uma aula na semana, obtém-se ganhos cognitivos sustentáveis, desenvolvimento de habilidades críticas, de diálogo, sociais e emocionais.

Autores renomados, como Jean Piaget, pensavam que alunos mais novos, com idade até 11 ou 12 anos, não poderiam desenvolver pensamento crítico, mas os estudos com ensino filosófico prático provaram que isso era possível mesmo no ensino primário, em alunos a partir de 5 ou 6 anos.

A boa reflexão filosófica, aquela que não se prende a paradigmas, a dogmas, e que estimula o ser humano a pensar pragmaticamente as instituições sociais de forma a reconstruí-las para o bem de todos, não precisa ser abstrata, vaga, podendo ser digerida até mesmo por crianças em tenra idade.

Por último, como os estudos anteriores fizerem medições em curto prazo, vale olhar para um longitudinal, de longo prazo (10 anos), realizado na Espanha com mais de 700 crianças. Houve três medições: 1) 2o ano do fundamental; 2) 6o ano do fundamental; 3) 2o ano do médio. O principal resultado foi o aumento médio de sete pontos de QI naqueles que estudaram filosofia prática.

Esses e outros estudos comprovam que a discussão sobre ensino filosófico no Brasil está séculos atrasada. Boa parte do sucesso da educação dos países desenvolvidos se deve a métodos muito mais práticos e reflexivos.  

O pragmatista americano John Dewey destacou-se ao defender a importância de se ensinar a pensar de forma inteligente nas escolas, e não apenas lançar um monte de conhecimento sobre os alunos. Apenas dessa forma, segundo ele, ensinando como reconstruir a experiência e, portanto, as instituições, seria possível os homens terem o controle das suas vidas, e isso aprofundaria a democracia.

Para esse aprofundamento, seria preciso também criar um senso de comunidade por meio de um ensino moralizante, outro resultado que pode decorrer da prática filosófica. No curso target="_self" title="">Justice – Qual a coisa certa a fazer?, do professor americano de Harvard, Michael Sandel, os alunos podem refletir sobre diversas questões intricadas da vida humana que remetem a decisões sobre justiça e assuntos correlatos, sobre o que está ou não dentro da moral, instigando a construção de sensos morais mais comunitários.

Uma das principais formas de obter esse ensino do pensamento democrático defendido por Dewey seria exatamente a filosofia prática, uma reflexão constante, aberta, receptiva, cooperativa e profunda sobre os problemas, especialmente os mais graves, da vida humana.

Quando se fala em filosofia, o termo remete mais imediatamente a três conceitos: a) ideologia, visão sobre algo, b) disciplina, parte do currículo educacional, e c) questionamento, reflexão, atitude filosófica. A boa educação deve, sobretudo, usar “c” para discutir “a” frente aos problemas da vida humana, sendo o uso de “b” algo bastante útil e positivo.

Para efeito de políticas públicas, as escolas deveriam buscar ter disciplinas de Filosofia e Sociologia, mas, sobretudo, transformar boa parte de todas as disciplinas em discussões filosóficas e sociológicas sobre os seus temas. Para tanto, é preciso capacitar todos os professores a ensinarem com base em um método focado na atitude prático-reflexiva.

 

*Texto elaborado para o Movimento Mapa Educação e também publicado no seu blog. 

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