Vanguardas do Conhecimento

Direita, esquerda ou indecisos, o Brasil precisa de ciência

O único caminho para a constante criação de empregos e crescimento econômico é o investimento em ciência e tecnologia

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O Brasil sofre o fardo de ser um país sem tradição científica. Uma consequência clássica dessa situação é a “eternização” da condição de colônia. Exporta matéria-prima, barata, e importa o produto derivado, com valor agregado. Sem investir em ciência e tecnologia, o Brasil se mantém sem o alicerce fundamental para o desenvolvimento, deixa de gerar empregos de alta especialização e continua a desperdiçar cérebros ou exportá-los para o mundo.

No caso do Brasil, há pelo menos dois grandes desafios: financiamento contínuo e identificação da direção a caminhar para se amadurecer cientificamente de forma rápida e efetiva. O investimento é pré-requisito, mas não é o suficiente. É preciso que a cultura científica não se limite à condição de consumidor de conhecimento, mas atue como agente ativo na solução de problemas práticos que interesse à população, ao país, à ciência e ao mundo. Esse processo agrega valor, incentiva criatividade, inovação e desenvolve o país.

O planejamento precisa de objetivos definidos, meios para transformar os objetivos em realidade e rigor na avaliação dos resultados. Planejamento é essencial para entender as falhas, sucessos, exigir rigor, aprender com erros e tomar decisões que propiciem o desenvolvimento científico de forma realista e efetiva. O planejamento deve antecipar desafios e soluções, mas sem engessar as possibilidades.

O planejamento deve distinguir dois aspectos fundamentais e não necessariamente excludentes: a pesquisa básica e a aplicada. A pesquisa básica é o descobrir pela descoberta. Ela aumenta o senso crítico, bem estar e o entendimento do mundo natural como um todo.

A pesquisa básica pode ser surpreendentemente inovadora e é o pilar de novas tecnologias. O desenvolvimento científico sadio deve reconhecer que descobrir os mistérios da natureza em si é importante. Nesse caso, a crítica deve focar na qualidade científica da pesquisa, e não na necessidade de aplicabilidade.

A pesquisa aplicada, por outro lado, busca resolver problemas práticos de relevância estratégica ao país e à população. O planejamento deve identificar áreas com potencial de gerar empregos, diminuir gastos ou propiciar bem-estar. Deve-se estimar o tempo necessário para o retorno de investimento, os custos iniciais e as evidências para funcionalidade.

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Desvendar áreas promissoras requer pessoas capacitadas em diversas áreas de formação. A chance de atuar em qualquer área promissora é proporcional às condições que o país fornece para gerar, manter e atrair mentes diversas e inovadoras.

Algumas áreas de vanguarda na atualidade são inteligência artificial, biologia sintética, desenvolvimento de energia renovável e limpa, medicina de precisão.

O governo deve garantir condições para o surgimento da tecnologia e empreendimento. O financiamento governamental é o alicerce inicial para o desenvolvimento de ciência e tecnologia em todos os países tecnologicamente desenvolvidos do mundo.

Depois do período de descoberta inicial, uma tecnologia se amadurece para o mercado privado, garante independência do governo e retorna o investimento público com empregos de alta qualificação, impostos e melhores serviços.

O Brasil deve explorar áreas que podem ser desenvolvidas no país e transformar custo em novas oportunidades. Para isso, o Brasil deve diferenciar o orçamento da pesquisa básica e da aplicada. Ambas pesquisas são importantes e não necessariamente excludentes, porém a diferenciação permite que os objetivos sejam discutidos, planejados e avaliados de forma clara e vantajosa para ambos os lados.

Uma necessidade sutil, porém crítica, para desenvolver ciência e tecnologia está na mentalidade de construção do conhecimento. A mentalidade de treinar e avaliar alunos por sua capacidade de absorver informação deve ser transformada por uma cultura de criação e inovação na fronteira do conhecimento.

Nessa fronteira estão as melhores oportunidades para agregar valor ao conhecimento. O governo, as universidades, centros de pesquisas e empresas devem atuar nessa fronteira e criar condições para que as pessoas que se dedicam à ciência e tecnologia possam colher o fruto de seu trabalho e que a ciência cresça constantemente no país.

O efeito colateral de valorizar absorção ao invés de transformação de conhecimento se reflete na forma de financiar e avaliar a ciência, e atrasa o amadurecimento científico brasileiro. O fomento deve favorecer qualidade, e não uma métrica arbitrária de produtividade. Esta última incentiva pesquisa de baixa qualidade, publicação em jornais predatórios, e pouco retorno no caso concreto.

A diversidade deve ser valorizada. Ideias revolucionárias surgem da mistura criativa de várias áreas do conhecimento. O fomento deve reconhecer que problemas complexos de interesse coletivo nem sempre são evidentes no curto prazo e devem ser avaliados com a singularidade inerente ao desafio. Corrigir falhas na cultura científica tem custo negativo e é passo fundamental para avançar a ciência no Brasil.

O desenvolvimento científico precisa de volume de pessoas qualificadas na fronteira do conhecimento, capacidade de contratação para suprir necessidades de demanda e continuidade de investimento. A integração entre ciência, tecnologia e empreendimento deve ser vista como sadia.

O meio acadêmico não consegue absorver toda mão de obra que forma e não pode ser uma bolha isolada do mundo prático. Essa integração não significa transformar a universidade em uma mercadoria. O objetivo maior da universidade é atender aos interesses do país e da sociedade, meio ambiente e pensamento livre. Desta forma, a integração com o mercado é uma dentre as várias funções das universidades.

A carência do pensamento científico afeta não apenas o desenvolvimento de tecnologia, mas o senso crítico da população. O método científico testa hipóteses, aprende com os erros, gera novas hipóteses e testa novamente até conseguir desvendar as nuances dos fenômenos da natureza. Não é o experimento que tem que se adequar à teoria, mas a teoria deve ser capaz de explicar as observações experimentais.

A forma rigorosa de testar hipóteses é o segredo para a ciência ser tão revolucionária. A carência do pensamento científico reduz as condições para o aprimoramento do senso crítico da população e não apenas atrasa o desenvolvimento da tecnologia.

Com as eleições se aproximando, torna-se crítico que a população reconheça a importância da ciência e tecnologia. Ela é fundamental para a geração de empregos e, mesmo assim, é frequentemente esquecida em debates políticos.

Políticos usam jargões relacionados à saúde, educação, segurança, emprego e contextualizam o que for possível para conquistar votos. Eles categorizam o pensamento, criam vilões, distraem o pensamento crítico.

A polarização consequente é péssima para o Brasil. Ciência e tecnologia é interesse comum de todos: direita, esquerda e indecisos. A população deve exigir qualidade no investimento e entender de forma crítica o processo de desenvolvimento em ciência e tecnologia e onde o país deve chegar.

O Brasil é diverso, jovem e detentor de uma cultura incrível, porém ainda não tem uma cultura científica estabelecida. Este país não é uma entidade abstrata, mas o reflexo de ações e pensamentos de sua população. Esta, por sua vez, precisa reconhecer a importância da ciência e tecnologia no desenvolvimento e exigir investimentos e infraestrutura adequada.

O país precisa criar condições para que ideias inovadoras surjam e sobrevivam; precisa aprender a agregar valor ao conhecimento e garantir retorno concreto à população. Entender a situação do Brasil e onde deve-se chegar pode economizar anos no processo de amadurecimento científico. O processo é desafiante, mas necessário.

De uma forma simples e resumida: o único caminho para a constante criação de empregos e crescimento econômico é o investimento em ciência e tecnologia.

*Antonio LC Gomes é doutor em Bioinformática e biologista computacional sênior no Memorial Sloan Kettering, em Nova York (Estados Unidos)

Carolina Rezende é doutora em Ciências Médicas e pesquisadora de pós-doutorado em imunologia na Thomas Jefferson University, Filadélfia (Estados Unidos).  

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