Colunas e blogs

O Brasil, as margens e o Centro

Se a periferia é aqui, que seja também daqui que se ensaie outro futuro

O Brasil, as margens e o Centro
O Brasil, as margens e o Centro
O presidente Lula durante discurso na abertura da 17ª cúpula dos Brics. Imagem: Divulgação
Apoie Siga-nos no

Como pode o Brasil, segunda maior economia das Américas e uma das maiores do mundo, continuar sendo classificado como periferia no sistema capitalista global? Essa contradição expõe o cerne de um arranjo internacional que não se organiza apenas em torno de dados econômicos, mas de estruturas de poder e dominação.

A ideia de “periferia” vem de teorias como a da dependência e a do sistema-mundo, formuladas por Wallerstein, Gunder Frank, Samir Amin e outros.

Nelas, o mundo capitalista é dividido em centro, semi-periferia e periferia. O centro concentra poder econômico, político, tecnológico — e define as regras do comércio e da diplomacia internacional. A periferia, por sua vez, fornece recursos, mão de obra barata e consumo. Essa condição estrutural não se altera automaticamente com o crescimento do PIB: o lugar no tabuleiro é determinado por vínculos históricos, políticos e econômicos de subordinação.

O Brasil ocupa uma posição ambígua neste sistema. Tem mercado interno expressivo, recursos naturais abundantes e capacidade produtiva relevante. Mas segue preso a uma lógica de exportação primária, dependência tecnológica e desindustrialização acelerada. A industrialização do século XX foi conduzida, em grande parte, por capital estrangeiro e moldada para atender interesses externos.

Apesar do avanço em alguns setores, contudo, o País não conseguiu romper com o ciclo de dependência tecnológica e financeira. O Brasil passou a exportar cada vez mais commodities – soja, minério de ferro, petróleo, carne –, enquanto importa itens com maior valor agregado.

Essa posição subordinada também opera por dentro. As periferias urbanas e rurais do país — marcadas pela ausência de serviços públicos e infraestrutura básica — tornaram-se laboratórios da exploração neoliberal. A informalidade, o consumo precário e a especulação imobiliária são formas recorrentes de acumulação. Multinacionais exploram essas brechas com pouco custo e muita margem.

Ao mesmo tempo, é nesses espaços que brotam experiências de resistência, criatividade e reorganização da vida: da cultura aos arranjos econômicos alternativos.

Esta coluna, Crítica da Razão Periférica, nasce da necessidade de olhar para essas margens — geográficas, sociais, econômicas — como centros de interpretação do mundo. A forma como o centro do capital trata o Brasil é ilustrativa. Durante o governo Trump, o país foi alvo de tarifas e barreiras comerciais, mesmo sob alinhamento ideológico. O esperado reconhecimento geopolítico nunca veio. O que se viu foi isolamento, erosão de parcerias estratégicas e reafirmação da condição periférica.

O imperialismo atual não precisa de tanques; opera por sanções, tratados, chantagens financeiras e controle das instituições multilaterais. O que está em jogo não é apenas a inserção comercial, mas a capacidade de decidir os próprios rumos.

Construir alianças com outros países fora do eixo central é estratégico. Iniciativas como BRICS, CELAC e UNASUL ainda são frágeis, mas apontam para a possibilidade de integração baseada em complementaridade e cooperação, e não em competição entre desiguais.

Sair dessa engrenagem exige mais do que crescimento: requer reconfiguração. Um projeto de soberania que vá além do discurso. Que fortaleça ciência e tecnologia, indústria, reforma agrária, planejamento de longo prazo. Que olhe para as periferias, internas e externas, não como problema, mas como ponto de partida.

A crítica da razão periférica é, antes de tudo, um chamado à consciência. É um modo de ver e de agir. É uma recusa ao papel passivo no tabuleiro global e uma afirmação das margens como lugares de potência.

Se a periferia é aqui, que seja também daqui que se ensaie outro futuro — mais justo, mais igual, mais solidário. Um em que o Brasil e tantos outros deixem de ser peças e passem a ser protagonistas.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo