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Sífilis: uma epidemia fora de controle

O círculo da sífilis só será interrompido com informação adequada e rastreamento correto das pessoas mais vulneráveis

Foto: Agência Brasil
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Falar sobre sífilis é, antes de mais nada, falar sobre história. Sabe-se que tal doença acompanha a humanidade há muitos anos e já foi, durante séculos, causa de sofrimento e estigma inexoráveis aos que a contraíram. Hoje em dia, embora a perspectiva tenha mudado com o tratamento específico, os números continuam alarmantes.

De acordo com o ministério da Saúde, em Boletim Epidemiológico divulgado em 2019, houve um aumento de 28,3% nos casos de sífilis no Brasil entre 2017 e 2018. Além disso, em 2018 houve 158 mil casos de sífilis notificados. Em relação à sífilis adquirida, homens representam a maior parcela da população acometida.

Devido ao seu espectro clínico muito variável, a sífilis foi conhecida durante muitos anos como “a grande imitadora”. A capacidade de mimetizar outras doenças, causar lesões de pele de diferentes características e fazer quadros neurológicos variáveis fez e ainda faz com que seu diagnóstico clínico seja desafiador.

Embora seja bastante difundido que a origem dos casos de sífilis seja originária da Idade Média, estudos já demonstraram a presença da espiroqueta em registros paleopatológicos datados de aproximadamente cinco mil anos através de análise filogenética. De qualquer maneira, a importância devida à sífilis foi dada apenas a partir de meados do século XV. Como principal via de transmissão sabidamente sexual, a sífilis foi rapidamente associada a desvios de conduta e a castigos divinos contra esses desvios. Os doentes de sífilis, chamados sifilíticos, eram estigmatizados e isolados socialmente de várias maneiras, de modo semelhante ao que ocorre com pessoas vivendo com HIV/aids atualmente.

Até a metade do século XX, com o surgimento da penicilina, não havia tratamento específico para a sífilis. Os doentes passavam então, fatalmente, por todos os estágios da doença, que culmina numa síndrome chamada goma sifilítica, com lesões cutâneas extremamente dolorosas e, por vezes, com mau cheiro. Além disso, a lesão sifilítica no sistema nervoso central levava os pacientes, a longo prazo, a desenvolverem dificuldades de deambulação e quadros semelhantes a distúrbios psiquiátricos.

Com o advento da penicilina, o cenário da sífilis mudou drasticamente. Tal antibiótico permanece até hoje como principal tratamento contra a doença, com taxas de cura altíssimas e sem evidência de desenvolvimento de resistência. Por isso, atualmente esses desfechos dramáticos da doença não são mais vistos, via de regra. O uso da penicilina, associado a melhora do diagnóstico por testes laboratoriais, poderia então de fato diminuir ou até eliminar a sífilis como problema de saúde pública. Todavia, isso não ocorreu.

O diagnóstico de sífilis, embora fácil do ponto de vista de exames de laboratório, é clinicamente desafiador. A doença cursa classicamente em três fases:

  1. Sífilis primária ou cancro duro: ocorre exatamente no local por onde a bactéria entrou. É caracterizada por uma úlcera que não dói e que, dentro de alguns dias, some sem deixar cicatriz. Nessa fase, muitas vezes a pessoa que está com a lesão não a nota, pelo fato de ser indolor.
  2. Sífilis secundária: ocorre aproximadamente de 2 a 3 meses após a fase primária. Nessa fase, as lesões de pele se tornam mais exuberantes e geralmente a pessoa com os sintomas procura o médico. Trata-se de manchas avermelhadas na pele, que podem descamar, e que podem atingir palmas e solas. Além disso, pode-se ter acometimento da mucosa da boca.
  3. Sífilis terciária: essa fase é pouco vista atualmente e ocorre anos ou décadas após a infecção primária. Caracteriza-se por lesões de pele chamadas gomas sifilíticas, que causam destruição da pele e muita dor. Essas lesões podem acometer outros órgãos. Além disso, é mais comum nessa fase o paciente ter sintomas neurológicos.

Essa breve caracterização dos sinais e sintomas da sífilis nos leva a notar a variedade de manifestações da doença. Muitas vezes, o diagnóstico é feito através de triagem para ISTs ou durante o pré-natal em pessoas assintomáticas. Talvez esse seja um dos grandes desafios no controle da sífilis: identificar os indivíduos assintomáticos e tratá-los precocemente. A característica benigna e transitória do cancro duro faz com que essas pessoas não procurem o serviço médico e continuem a transmitir sífilis.

É importante lembrar que a sífilis, embora seja um IST, não é passível de prevenção com 100% de efetividade com uso de preservativo. As lesões primárias e secundárias têm nelas muitas bactérias causadoras de sífilis. Caso haja contato dessas lesões com um machucado na pele ou genital da parceira ou parceiro, a infecção pode ocorrer. Então, aquela preliminar, aquele roça-roça pode sim transmitir a doença, bem como sexo oral caso haja lesão na boca e o genital também apresente alguma lesão ativa de sífilis.

É por esse motivo que educação sexual se torna cada vez mais importante nesse contexto. A pessoa em início da vida sexual deve conhecer as infecções relacionadas a essa prática, quais os sintomas principais e saber que devem ser feitos exames de rastreamento periódicos de sífilis.

Prevenir e tratar sífilis, assim como outras ISTs, é crucial para diminuir as taxas de HIV, que tem maior facilidade de infecção em concomitância com a sífilis. Além disso, para prevenir a passagem de sífilis de mãe para filho no caso das gestantes. O círculo da sífilis só será interrompido com informação adequada e rastreamento correto das pessoas mais vulneráveis.

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