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Por que os homens gays estão tão infelizes com seus corpos?

A ideia de que se deve ter um corpo com muitos músculos e pouca gordura está levando muitos homens a adoecerem

O incômodo com o corpo tem tomado proporções exageradas em relação aos homens homossexuais. Foto: Max Pixel.
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No consultório, o paciente, um homem gay com seus 45 anos, fala sobre suas idas à academia: “Ah doutor, você sabe como é, já estou velho, se eu não me cuidar ninguém vai me querer”. Rimos e nos despedimos. Mas ao longo do último mês, com o verão bombando e o carnaval, por diversas vezes me deparei com situações de homens gays (inclusive eu mesmo) se queixando de seus próprios corpos ou de suas aparências, eventualmente tomando atitudes inclusive perigosas em decorrência dessas queixas.

Vamos lá, todos temos insatisfações em relação ao nosso corpo. É com ele a nossa relação mais duradoura, estamos com nossos corpos durante todos os segundos de nossa vida, temos bastante tempo para pensá-lo, senti-lo, avaliá-lo. E, sobretudo nos últimos tempos, com uma sociedade que valoriza cada vez mais a imagem e o visual – alô Instagram! -, faz sentido que essas insatisfações apareçam. Todos temos momentos em que pensamos “humm, isso aqui podia ser de outro jeito”.

No entanto, parece que esse incômodo com o corpo tem tomado proporções exageradas em relação aos homens homossexuais. Uma pesquisa, feita em 2017 pela Attitude, uma importante revista britânica focada no público gay, mostra isso de forma clara: 84% dos homens que a responderam disseram sentir uma intensa pressão em ter um “corpo bom”. Além disso, foi feita a seguinte pergunta aos leitores: “Quão satisfeito você está com seu corpo?”. Do total de cinco mil respostas, 10% responderam “muito infeliz”, 49% “infeliz”, enquanto 23% disseram “feliz” e apenas 1% “muito feliz”. O restante respondeu que “não estava nem feliz nem infeliz”.

Os homens gays crescem com essa sensação de inadequação, de que serem quem são pode lhes custar o amor e a felicidade, de que serão rejeitados apenas por serem eles mesmos, e na vida adulta parece que continuam com essa ideia quando se trata do seu corpo.

A ideia de que se deve ter um “corpo perfeito”, vendido pela mídia como um com muitos músculos e pouca gordura, está levando esses homens a adoecerem. E não é só na mídia que esse ideal está a todo momento exposto e visualizado: as redes sociais e os apps de relacionamento têm contribuído bastante também para essa sensação de inadequação. Há sempre uma foto de alguém sem camisa no Instagram com a legenda “o de hoje tá pago” ou um perfil no Grindr com os dizeres “não a gordos e a quem não se cuida”.

E a partir daí entra-se numa rotina de exercícios físicos, dietas, uso de esteróides e procedimentos estéticos, incluindo cirurgias plásticas, tudo isso às vezes feito de forma exagerada e sem supervisão médica, em busca desse suposto corpo ideal. Dá-lhe “projeto carnaval”! Em contrapartida, o corpo que não se encaixa nesse padrão magro e musculoso é visto como feio, doente e não digno de atenção e amor. A ideia de que um corpo gordo é inferior e pode ser ridicularizado é a todo momento vista no discurso midiático e aterroriza quem não se encaixa no corpo “padrão”.

O fato de não atingir esse ideal de corpo tem consequências na saúde mental desses indivíduos. Em 2014, o International Journal of Eating Disorders (Jornal Internacional de Transtornos Alimentares) publicou artigo mostrando que homens homossexuais e bissexuais têm três vezes mais chances de ter problemas com sua imagem corporal que homens cis heterossexuais (diferente do que ocorre com as mulheres lésbicas, que queixam-se menos de insatisfação com seu corpo que as mulheres heterossexuais).

Mais que isso, apresentam mais sintomas depressivos, ansiosos, sensação de rejeição e isolamento, e muitos acreditam que, no caso de não atingirem esse corpo magro e musculoso, não serão amados, não terão um relacionamento ou mesmo que ninguém vai querer transar com eles. E mesmo quando atingem esse corpo aprovado pelo restante ou quando conseguem um relacionamento, essa sensação de insatisfação não acaba. A busca por uma validação do outro continua, sempre há algo a ser feito na esperança de que esse “corpo perfeito” vá garantir o amor e a atenção desejados.

Alguma mudança precisa acontecer para que os homens gays possam ser mais felizes em relação a seus corpos. Ultimamente, com os movimentos body positive, mais celebridades e influenciadores com corpos “fora do padrão” têm sido destaques nas revistas, no cinema e na internet, o que poderia contribuir para um maior sentimento de satisfação com o próprio corpo das pessoas. Buscar círculos sociais com maior diversidade e com maior respeito a tipos diferentes de físicos também pode ajudar a ser mais aceito e melhorar sua autoestima.

Mas precisamos, como comunidade LGBT, assumir nossa parcela de responsabilidade e mudarmos nossa atitude geral em relação aos corpos “fora do padrão”. Policiar nossas piadas muitas vezes gordofóbicas, ampliar o leque de pessoas com que nos relacionamos, evitar comentários críticos sobre os corpos alheios, ponderarmos sobre a exposição que nós mesmos fazemos de nossos corpos e nossas “conquistas” – precisa mesmo postar o “tá pago” de hoje na academia? Precisamos garantir que as pessoas sejam livres para terem os corpos que tiverem, sem que passe por suas cabeças que isso possa lhes custar o amor e a aceitação dos que estão a sua volta. Essa sim seria uma tremenda conquista, digna de estar em destaque em todas as nossas redes sociais.

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