Colunas e blogs

Outubro Rosa: prevenção com inclusão e equidade entre os gêneros

As campanhas de saúde, por maior impacto positivo que causem, ainda não atingem quem está no ponto cego da assistência no Brasil

Outubro Rosa (Foto: Jefferson Peixoto / Secom)
Apoie Siga-nos no

Outubro marca o mês em que se chama atenção das mulheres para questões de autocuidado com a saúde e tem como principal enfoque o câncer de mama. Mas por que chamar atenção para essa doença?

O câncer de mama é o tipo de câncer que mais acomete as mulheres em todo o mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos, com taxas de incidência variáveis para determinadas regiões. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que para cada ano do biênio 2018/2019, sejam diagnosticados 59.700 novos casos, com um risco estimado de 56,33 casos a cada 100 mil mulheres.

As taxas de mortalidade por câncer de mama continuam elevadas no Brasil, mesmo sendo este um câncer com alta taxa de cura – e isso ocorre porque a doença ainda é diagnosticada em estágios avançados. Campanhas como o Outubro Rosa, criada nos Estados Unidos na década de 1990, têm como objetivo alertar e estimular o diagnóstico precoce da doença por meio de atividades e ações sociais. Segundo especialistas, o Outubro Rosa é vitorioso por ter proporcionado não só a maior procura pelo diagnóstico da doença, mas a consolidação de leis como a Lei da Mamografia e a Lei dos Sessenta Dias.

A lei n° 11.664 sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva no ano de 2010 e que entrou em vigor no dia 29 de abril de 2015 versa que “o SUS garante a toda brasileira o acesso gratuito à mamografia. Esse exame, como qualquer outro realizado pela rede de saúde pública ou complementar, depende de indicação médica. É o profissional de saúde que indica à paciente se deve ou não fazer o exame, de acordo com seu histórico familiar, sua idade ou a suspeita de alguma alteração. É preciso esclarecer que há indicações diferentes para a realização de mamografia.O profissional de saúde pode pedir a mamografia diagnóstica, quando tem alguma suspeita, independentemente da idade da paciente. O médico também deve recomendar à paciente, entre 50 e 69 anos, mamografia para rastreamento. Nesse caso, o objetivo é o monitoramento das mulheres saudáveis, com a realização de exames regulares, a fim de diagnosticar precocemente possíveis casos da doença e diminuir a taxa de mortalidade na faixa etária de maior risco e incidência.

A Lei dos Sessenta Dias, sancionada em 2012 pelo governo Dilma Roussef, traz que “o paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 (sessenta) dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único”.

Os impactos sobre a detecção precoce do câncer de mama após ações do Outubro Rosa e leis como as citadas acima vêm sendo extremamente relevantes, mas ainda assim muitas mulheres (e homens, que podem apresentar câncer de mama em taxas próximas a 1%) permanecem obtendo diagnósticos tardios e desenvolvendo a doença em suas formas graves. Devemos lembrar que a prevenção não deve apenas contemplar o acesso a exames em fases iniciais ou terapias específicas em menor tempo possível. A história de um câncer se inicia muito antes dessas etapas.

Quando falamos em prevenção de doenças temos na nossa mente quatro níveis da medicina preventiva. A prevenção primária inclui ações voltadas a impedir a ocorrência das doenças antes que elas se desenvolvam no organismo dos pacientes. Refere-se ao período pré-patogênico. Subdivide-se em dois níveis: a promoção da saúde e a proteção específica. As ações de prevenção secundária ocorrem em situações nas quais o processo de doença já está instaurado. A intenção é propiciar uma melhor evolução clínica para os indivíduos afetados, impedindo ou retardando a evolução das enfermidades através da execução de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, têm ainda como meta interromper ou reduzir a disseminação da doença em uma população específica. Na prevenção terciária as ações preventivas ocorrem quando o quadro patológico já evoluiu a ponto de se manifestar de uma forma estável a longo prazo (cura com sequelas ou cronificação).

Mas o que tudo isso tem a ver com o atendimento da população LGBT+?

Todos esses conceitos estão bem estabelecidos e são utilizados no dia a dia da saúde pública na contenção de inúmeras enfermidades. Porém, existe um conceito chamado prevenção quaternária. Ele diz respeito ao cuidado com as consequências negativas de um atendimento médico ou um exame. Nós, profissionais da saúde, podemos causar danos às pacientes. Quando eu realizo um ato médico, eu tenho uma consequência intencional e infinitas consequências não-intencionais. Cada corpo vai encarar esse processo de um jeito. E quanto ao tratamento especificamente das pessoas LGBT+ as ações não intencionais podem ser determinantes para o aparecimento ou falta de diagnóstico daquele(a) paciente, que tende a se afastar cada vez mais de um serviço de saúde.

Quando falamos claramente sobre os riscos de um câncer de mama para pessoas que têm mama (mulheres cis, homens trans não mastectomizados, mulheres trans), tendemos a, num nível primário, incentivar bons hábitos de vida, redução e consumo de álcool e drogas, reduzir tabagismo, incentivar a prática de atividade física e combater a obesidade. Mas num nível de atenção quaternária, eu estou diante de um homem trans, que ainda possui mamas e muitas vezes encara aqueles órgãos como não pertencente ao seu corpo e peço que ele os toque todos os meses à procura de sinais de um possível câncer de mama. Eu posso gerar a este homem um desconforto, que pode ser (e geralmente é) o motivo de seu afastamento do serviço de saúde. Com esse afastamento, toda a atenção a medidas preventivas e diagnósticas fica prejudicada.

Precisamos falar sobre prevenção e atenção aos sinais de câncer da mama para toda a nossa população de maneira inclusiva e com equidade. É notório em vários estudos estatísticos que mulheres lésbicas consomem mais álcool e cigarro e têm índices de obesidade maiores que mulheres hetero. Apenas uma pequena parcela das mulheres lésbicas gestou e amamentou, ou seja, ela não recebeu o efeito protetivo da amamentação para o câncer de mama. E no momento em que esses hábitos estão diretamente envolvidos na gênese de um câncer essa mulher não se encontra inserida num serviço de saúde que contemple a sua individualidade, em que ela é considerada virgem porque não tem relações heterossexuais, sofre um desconforto de graus variados à realização de exames ginecológicos (relatados por vezes como uma sensação de estupro do seu corpo) e recebe prescrições de anticoncepcionais por não ser ouvida pelo médico assistente.

O Outubro Rosa e todas as campanhas de saúde, por maior impacto positivo que causem para grupos selecionados de mulheres que têm acesso ao serviço de saúde, ainda são medidas que não privilegiam quem está no ponto cego da assistência à saúde no Brasil. Para promover saúde a uma população é preciso que ela seja enxergada de acordo com as peculiaridades e demandas do seu grupo de pessoas. Outubro Rosa é o mês da prevenção de PESSOAS com mama, sejam elas mulheres ou homens, com silicone, com pouco tecido mamário, brancas, negras, com maiores ou menores chances de ter a doença.

E precisamos levar esse entendimento para todos os outros meses do ano, em cada dia de nossa prática.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo