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As mudanças nas regras para o tratamento de pessoas trans são uma vitória na medicina
Nova resolução do CFM alterou as idades mínimas para o tratamento de adequação/redesignação de gênero
Na última quinta-feira 9, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a resolução nº 2.265 no Diário Oficial da União, que reduziu as idades mínimas do tratamento de redesignação de gênero. Cada indivíduo tem uma identidade e/ou expressão de gênero única, que deve ser respeitada. Dentro do conceito de gênero, encontramos, de forma simplificada:
– Cisgêneros: pessoas que se identificam com o sexo que lhes é atribuído no nascimento.
– Gênero fluido: pessoas que transitam entre os gêneros e/ou que não se reconhecem dentro de apenas um gênero. Temos aqui as pessoas ditas não binárias, queer, bigêneros, agêneros, multigêneros, entre diversos e diversas outras.
– Transgêneros – Segundo a Antrabrasil (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais), “são as pessoas que apresentam uma identidade de gênero diferente da que foi designada no nascimento”.
É notável que o CFM tenha incorporado na sua definição estes conceitos logo no seu artigo 1º da resolução:
“Art. 1º Compreende-se por transgênero ou incongruência de gênero a não paridade entre a identidade de gênero e o sexo ao nascimento, incluindo-se neste grupo transexuais, travestis e outras expressões identitárias relacionadas à diversidade de gênero.”
De acordo com a nova resolução, as idades mínimas para o tratamento de adequação/redesignação de gênero foram alteradas:
– O início de tratamento hormonal foi reduzido de 18 anos para 16 anos de idade.
– A liberação para procedimentos cirúrgicos foi reduzida de 21 anos para 18 anos de idade.
– As crianças/adolescentes transgêneros podem ter a puberdade bloqueada a partir do início desta (chamado de estágio de Tanner II).
O segmento de saúde dos transgêneros deve envolver uma equipe multidisciplinar, composta de pediatras (para menores de 18 anos), endocrinologistas, psiquiatras e/ou psicólogos, ginecologistas, urologistas, cirurgiões plásticos, entre outros.
Esta ação do CFM facilita aos transgêneros o cumprimento dos seus direitos de acesso integral à saúde. Infelizmente, muitos acabam utilizando hormônios por conta própria devido ao desconhecimento das equipes ou à dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Há diversas evidências que o retardo excessivo para o uso de hormônios para redesignação de gênero aumenta o risco de diversas condições psiquiátricas, como a depressão. Por outro lado, crianças acompanhadas desde pequenas têm maiores níveis de satisfação pessoal e menos problemas de saúde mental.
É importante destacar que, em geral, desde pequenos os transgêneros têm a identidade de gênero incongruente com o sexo atribuído. Há estudos demonstrando que as crianças transgêneros tem percepção e/ou expressão de seu gênero igual à de crianças cisgêneros.
Há alguns cuidados recomendados para garantir que todas as condutas promovam a saúde e satisfação da pessoa tratada. O infográfico abaixo resume estes cuidados, atualizados com a nova resolução do CFM:
1) Quando a criança/adolescente se apresenta para iniciar o seguimento, geralmente passa por avaliações com profissionais acostumados a acompanhar a saúde de transgêneros, incluindo psicólogos e/ou psiquiatras, que ajudam a criança/adolescente a identificar seus desejos e lidar com as transformações e dificuldades que podem passar. Em geral, quando iniciam a puberdade, podem passar por dificuldades causadas pela exposição hormonal, assim, o bloqueio puberal pode ser indicado em conjunto com a/o paciente para melhorar a adequação ao gênero.
2) A partir dos 16 anos, de acordo com o CFM, pode-se realizar o tratamento hormonal. É fundamental que haja acompanhamento com um endocrinologista nessa etapa, para que o uso dos hormônios seja feito com segurança. De forma geral, o tratamento hormonal difere um pouco:
– Homens trans (indivíduos com identidade masculina que foram atribuídos ao sexo feminino no nascimento) – Utilizam derivados do hormônio masculino, a testosterona, geralmente de forma intramuscular.
– Mulheres trans (pessoas com identidade feminina que foram atribuídas ao sexo masculino no nascimento) – Utilizam derivados dos hormônios femininos, em comprimidos, géis ou patches, além de medicações que bloqueiam os hormônios masculinos.
3) Finalmente, a redesignação de sexo envolve procedimentos cirúrgicos, agora liberados a partir dos 18 anos, que incluem a retirada ou o implante de mamas, a retirada das gônadas (testículos/ovários) e a plastia dos órgãos sexuais externos para adequação ao gênero do indivíduo.
4) No longo prazo, a equipe de saúde deve garantir a reposição adequada e saudável dos hormônios, bem como a saúde óssea, mental e cardiovascular.
A aprovação pelo CFM ainda não será automaticamente adotada no Sistema Único de Saúde (SUS), dependendo antes de aprovação no Ministério da Saúde. Essa conquista reflete um ganho importante e um marco na saúde da população de transgêneros.
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