Quadrinsta

Vanessa Grazziotin: “Nunca tivemos o cordão umbilical ligado ao PT”

Senadora exalta independência do PCdoB em pré-candidatura de Manuela D’Ávila, mas admite apoio a Lula, e alerta para articulações de um novo golpe

Vanessa Grazziotin teme que parlamentarismo seja adotado pela parceria STF-Congresso em novo golpe
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Os 28 anos de aliança eleitoral entre PCdoB e PT em nível nacional culminaram com a “emancipação” da legenda comunista e o lançamento da pré-candidatura de Manuela D’Ávila ao pleito presidencial de 2018.

A senadora Vanessa Grazziotin (AM), personagem da Quadrinstrevista deste mês, ressalta a autonomia do partido, entretanto minimiza o término da parceria nas urnas: “Temos uma aliança profunda com o Partido dos Trabalhadores, mas nunca tivemos nosso cordão umbilical ligado a eles, não viemos da mesma placenta”.

Quadro de destaque do PCdoB, a parlamentar amazonense participou da ocupação feminina da mesa diretora do Senado antes da votação da reforma trabalhista de Michel Temer e lembra um personagem improvável que auxiliou na resolução do impasse: “Jader Barbalho era nosso porta-voz, ele levava e trazia conversas e propostas”.

Às vésperas do ciclo eleitoral, Vanessa Grazziotin teme que um novo golpe esteja em curso no país. “Não podemos achar que a eleição de 2018 está garantida. Estão falando e será votado no Supremo a questão do parlamentarismo”, alerta.

QuadrinstaA pré-candidatura da deputada Manuela D’Ávila provocou certa insatisfação de parte da militância do PCdoB pela ausência de debate no congresso do partido. O comitê central adotou o modo Temer de agir? 

Vanessa Grazziotin – Repilo a comparação de pronto com Michel Temer sobre qualquer razão por tudo que está acontecendo no País graças a esse cidadão. Não sei de onde vieram as críticas, acho que não procedem, mas captei e levarei para nossa direção, sem dúvida nenhuma. O partido vem discutindo há muito tempo a necessidade de ter uma candidatura própria nas eleições presidenciais e esse não é o debate do comitê central, mas da militância. 

O nosso 14º congresso foi precedido de reuniões de todas as bases partidárias. Desde a redemocratização, usamos para este congresso um método mais duro porque decidimos fazer também o recadastramento profundo de todos os filiados e militantes. O recadastramento era presencial, não basta vir à reunião, tinha de se recadastrar.

Pego o exemplo do meu estado, onde fui a algumas conferências distritais, municipais e participei da conferência estadual. O debate vem sendo travado durante todo esse período de forma mais intensa. Talvez o que acontece é que tínhamos vários nomes e por fim chegamos ao da Manuela. Fui uma das primeiras a defender o nome dela por uma série de razões. 

Temos muitos bons quadros, como as deputadas Jandira Feghali, Luciana Santos, Alice Portugal, o deputado Orlando Silva, eu mesma. A princípio pensei muito no Aldo Rebelo antes de ele sair do partido, mas a Manuela [D’Ávila] é a que destoa de todos pelo lado positivo. Ela tem a possibilidade de dialogar para um grupo maior, uma parcela importante da sociedade que é a juventude. Essa juventude está carente, indo para o lado do conservadorismo, do atraso. 

QPor que o PCdoB cortou o cordão umbilical com o PT? Os companheiros não visitarão o bebê nas urnas quando nascer, a herança dessa criança é de origem duvidosa?  Vanessa Grazziotin Vanessa Grazziotin

VG – Temos uma aliança profunda com o Partido dos Trabalhadores, mas nunca tivemos nosso cordão umbilical ligado a eles, não viemos da mesma placenta. Aliás, somos um partido que tem muito mais tempo de existência e de experiência, um legado importante que é o do Partido Comunista do Brasil, fundado em 1922. Com o PT, desde 1989, não só defendemos a candidatura de Lula, mas ajudamos a construí-la com João Amazonas, nosso presidente à época. 

A partir daí, apoiamos todas as candidaturas dele porque sempre defendemos uma frente ampla para derrotar o atraso e podermos chegar ao poder. Participamos de todos os governos Lula e Dilma, mas sempre com independência e críticas, isso do ponto de vista nacional. Se olharmos os estados, veremos que essa relação entre PCdoB e PT não é assim tão tranquila. Cheguei ao Senado sem o apoio do Partido dos Trabalhadores, pelo contrário, concorri com uma candidata do PT. 

QAntes do início da sessão que votaria a reforma trabalhista, a senhora foi uma das senadoras que ocuparam a mesa diretora em protesto. Por que vocês deixaram a mesa? Não aguentaram o cheiro de enxofre que vinha debaixo? 

VG – Deixamos a mesa porque nossa postura não foi tão tranquila e não era uma opinião unânime, mas o que nos unia naquele momento era a necessidade de termos uma última tentativa, um último gesto na busca pela negociação da reforma trabalhista. Decidimos que nosso pleito seria o das mulheres, do trabalho insalubre, de mais fácil compreensão e, quem sabe, de sensibilização do plenário. 

Os senadores estavam na sala da presidência, cada um com uma proposta diferente, e Jader Barbalho era nosso porta-voz enquanto estávamos na mesa, ele levava e trazia conversas e propostas. Tínhamos interlocutores da oposição e do governo e chegou um momento em que vimos que não havia jeito, foi quando deixamos a mesa. 

Diferente dos deputados, muito envergonhados, os senadores fizeram um acordo por escrito com Michel Temer dizendo que votariam a favor da proposta, mas que mudariam oito pontos. A Medida Provisória que promoveu as alterações foi editada depois que a Lei entrou em vigor, o que é uma sinalização de que não havia tanta vontade assim de mudar o que foi aprovado. Se tivesse, teria editado lá atrás. Além disso, a MP piorou o que havia sido votado, ficou pior para as mulheres. 

QHouve inclusive uma discordância em relação à forma como seriam promovidas as mudanças na proposta original, a Câmara queria por Projeto de Lei, mas o presidente Temer liberou por Medida Provisória… 

VG – A Câmara queria por Projeto de Lei porque o Rodrigo Maia fala por uma maioria que aprovou a reforma, não tem interesse nenhum em votar a MP. Para eles, do jeito que está, está de bom tamanho, mas como houve muita resistência no Senado, o Temer se comprometeu a mudar a lei de duas formas: veto e Medida Provisória. Ele de cara faltou com a palavra porque não vetou nada, sancionou tal como estava. Atendeu à Câmara porque foi quem votou os dois processos contra ele. Temer é refém do Congresso, mas muito mais da Câmara que do Senado, tanto que quem manda no governo são Eduardo Cunha e Rodrigo Maia.  Vanessa Grazziotinimage5.jpeg Vanessa Grazziotin

QA senadora é graduada em Farmácia. Qual é o remédio para essa corrupção endêmica que tomou conta da política brasileira? 

VG – O aprofundamento da democracia no país e a participação cada vez maior da população no processo político, de todas as formas, direta e indireta. Sempre digo que numa democracia eletiva, à população não cabe somente eleger, mas também acompanhar, e a melhor forma de se combater a corrupção é com transparência. Isso não significa dizer que vamos acabar com a corrupção porque ela é iminente ao sistema, quanto mais desigual for uma sociedade, maior é. 

Países como Suécia, Dinamarca, Noruega são pouco corruptos porque lá há sociedades muito equilibradas, onde uns não passam fome enquanto outros enriquecem. Do ponto de vista mais imediato, temos de fazer a reforma política que é realmente necessária e até hoje não reunimos as condições para tal. Não sou daquelas que diz que essa reforma política não presta, ela foi maior e melhor que as outras, mas também vai resolver pouco. 

Eleições com listas pré-ordenadas acontecem na maioria dos países, mas vão dizer que é antidemocrático porque as listas são feitas por Coronéis. Ora, se um sistema político não tem condições de instituir a democracia dentro do próprio partido, como vai estabelecê-la no país? Nesse modelo de lista você teria eleições em duas etapas: primeiro uma interna com seus filiados para estabelecer a ordem da lista e depois você iria à população com uma proposta. 

Temos de priorizar a ideia, o programa, o projeto, porque a pessoa é somente um instrumento para aplicação disso. Não vai resolver, mas vai melhorar bastante. Eu e o partido chegamos à conclusão de que todas essas ações contra a corrupção são mais efetivas na criminalização da política, na destruição do estado nacional, das empresas brasileiras, do que no próprio combate à corrupção. 

QMichel Temer vem loteando os cargos no governo de acordo com os votos que recebeu contra as denúncias na Câmara e dando foro a suspeitos de corrupção. Por que a primeira instância amedronta tanto a classe política? 

VG – Não podemos generalizar, achar que toda primeira instância é como a vara de Curitiba, do juiz Sérgio Moro. A prerrogativa de foro virou foro privilegiado no Brasil, o que é um equívoco porque se você começa ser julgado na primeira instância, tem como recorrer à segunda, à terceira. Na última, uma vez dada a sentença, não se tem a quem recorrer.  Vejo muita gente dizendo que fulano será candidato porque precisa de foro. Eu não entendo bem isso, acho que essa pergunta tem de ser feita ao Supremo.

QO novo diretor da Polícia Federal nomeado por Temer, Fernando Segóvia, tomou posse cercado de políticos que serão investigados por ele, incluindo o próprio presidente. Depois da célebre frase “estancar a sangria em um grande acordo nacional”, Romero Jucá já pode ser considerado o maior profeta do século XXI? 

VG – Não é um profeta, ele foi sincero e muito efetivo. Romero Jucá não é líder esse tempo todo à toa, é um homem da mais elevada e múltipla capacidade porque às vezes você é um bom orador, mas não é bom articulador, ou é um bom articulador, mas não é uma pessoa agradável, simpática, que tenha trânsito, e ele consegue reunir tudo isso. Naquele episódio, estava no papel dele tentando convencer o PSDB a embarcar na canoa do PMDB. Pena que grande parte da população brasileira só o levou a sério depois de muito tempo. 

QFernando Segóvia afirmou também que uma mala talvez não fosse suficiente para incriminar Michel Temer. Geddel Vieira Lima foi preso por excesso de bagagem? 

VG – É uma desmoralização completa porque como membro da corporação, melhor que qualquer um de nós, Segóvia sabe que essa história do Temer vai para muito além da mala. A mala já seria suficiente, mas não é só isso, é a mala dele, a do Aécio, o apartamento do Gedell… E tiraram uma presidenta que não tinha nem uma bolsinha, uma carteirinha, um porta-moeda, Agora quero dizer que confio na corporação porque o diretor, por mais poder que tenha, não pode tudo. 

O avião do PMDB está lotado, eles estão numa grande dificuldade para manter equilibrado o peso e não correr o risco de cair durante a turbulência. Sobre as eleições, especulações são muitas, e o momento é tão indefinido que tudo é possível, mesmo porque devemos ainda superar a indefinição da Lava-Jato.  Vanessa Grazziotin

QQual será a próxima escala do avião do PMDB? Presídio de Curitiba, algum paraíso fiscal? 

VG – É tudo muito incerto, mas eles trabalham pesadamente para que cheguem pelo menos a 2018. Estão fazendo um verdadeiro absurdo, gastando aquilo que tiram dos trabalhadores, da saúde, para fazerem propagandas milionárias e se manterem no poder. Aprovar a reforma previdenciária é uma exigência do acordo que fizeram com o grande capital, o capital internacional especulativo para isso. O problema do Brasil não é a Previdência. É lamentável tudo que está acontecendo porque estão retroagindo não a décadas, mas a séculos, estamos virando uma colônia. 

QNa esfera federal, o PSDB começou o ciclo eleitoral na oposição, passou à situação e agora é metade opositor, metade governo. Qual é o combustível que move o helicóptero do partido? 

VG – O PSDB é hoje um partido à deriva, estão provando do próprio veneno. Quem deu início a tudo que está acontecendo foram os tucanos com o senhor Aécio Neves. O país já viveu um momento muito difícil, o presidente Lula conseguiu com dificuldade ultrapassar a primeira crise econômica, não coletamos indicadores negativos. A presidenta Dilma teve problemas no primeiro governo, e no segundo, que era mais necessária a união de todos para vencermos a crise, fizeram com que tudo piorasse porque não aceitaram o resultado das eleições e quem tomou a decisão foi o PSDB. 

São tão responsáveis que depois veio a público o áudio do próprio Aécio dizendo que fez tudo aquilo para “encher o saco”. Um sujeito como esse devia ser imediatamente cassado por decoro parlamentar, não precisava nem ter mala porque é de uma irresponsabilidade enorme. O PSDB é um partido destruído, completamente esfacelado e não sei o destino deles. O partido não está rachado, tem muitos grupos. 

QOs partidos progressistas vêm pregando o discurso de unidade diante dos ataques que a ordem democrática sofreu nos últimos anos no Brasil, mas PT, PCdoB, PDT e PSOL já anunciaram que terão candidatos à presidência. Isso reforça a tese de que na esquerda união é só uma marca de açúcar? 

VG – É fato que a esquerda sempre teve muita dificuldade em andar toda junta, mas procuramos na medida do possível formar blocos mais consolidados. Nas eleições do Lula até a primeira eleição da presidenta Dilma, tivemos uma unidade maior das esquerdas com ampliação do centro. Agora os partidos estão lançando pré-candidatos e a novidade é o PCdoB, mas isso não quer dizer que há um racha nas oposições. Do ponto de vista prático, o discurso da unidade está sendo confirmado. 

Semana passada mesmo saiu uma nota muito importante de todos os partidos de oposição denunciando a possibilidade forte de um novo golpe, não podemos achar que a eleição de 2018 está garantida. Estão falando e será votado no Supremo a questão do parlamentarismo. Há alguns dias, o Senado votou no plenário um projeto do Eunício [Oliveira] e do José Serra aprovando o voto distrital misto. É estranho aprovarem isso agora, algo estão engendrando para o início de 2018. 

As oposições têm realizado encontros todas as semanas e atacado o alvo. Há entre nós também um consenso na defesa do direito do Lula ser candidato, isso mostra que apesar de todos apresentarem suas pré-candidaturas, estamos trabalhando com as mesmas bandeiras. O que temos de fazer é nos unir em torno das propostas, mas não necessariamente a defesa dessas propostas tem de se dar de forma conjunta. Até acho que seria menos efetivo estarmos todos juntos em torno de uma candidatura.  Vanessa Grazziotin

QA última pergunta é da nossa seguidora Débora Baptista, de São Carlos-SP. A senadora acredita que a força das ruas é realmente capaz de mudar o quadro atual do país? Como podemos nos organizar se na esquerda somos todos tão plurais? 

VG – Débora, só há uma forma de melhorar as coisas: a força das ruas. Aliás, só conseguiram derrubar a presidenta Dilma porque se aproveitaram muito das ruas, levaram as panelas para as janelas, para as varandas, tiraram suas camisas da seleção brasileira fora de época de Copa do Mundo, divulgaram ingenuamente um pato que foi usado, segundo o delator, como marketing da campanha do presidente da Fiesp, Paulo Skaff, ao governo de São Paulo. Fizeram o povo de pato, mas conseguiram chegar onde quiseram, tiraram uma presidenta sem nenhum crime. 

O que estão fazendo com o petróleo, o leilão do pré-sal foi um absurdo. O que a Petrobras ofereceu de pagamento em óleo excedente para o Estado brasileiro em regime de partilha é o dobro do que a Shell ofereceu. Todos agora tomamos conhecimento de que houve um acerto entre o governo brasileiro e a Shell e esse acerto está sendo aplicado agora, um deles é a aprovação da Medida Provisória que concede benefícios fiscais a empresas estrangeiras. 

Estamos deixando de cobrar impostos para que gerem empregos no país deles, e aqui aumentando o tempo de trabalho, a contribuição para aposentadoria do servidor público, fechando todas as farmácias populares. Tudo que estamos vivendo, só a população brasileira pode mudar e a capacidade daqueles que são mais militantes da linha de frente é agregar a grande massa popular. Só que a dificuldade é muito grande porque eles conseguiram com essas operações de combate à corrupção criminalizar a política. 

Para os olhos da juventude é tudo igual, o povo está desacreditado. Se tudo é igual, os pais, os avós dizem que no regime militar não eram corruptos, vão resolver tudo. É muito difícil, mas não podemos esmorecer. Às vezes cansa fazer tudo o que fazemos aqui no Parlamento e ver as ruas paradas, mas logo em seguida lembro que o melhor atributo de um ser humano é a persistência, então vamos persistir que chegaremos lá.

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