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Tico Santa Cruz: “Lula seria mais eficiente se não fosse candidato”

Na última Quadrinstrevista do ano, líder do Detonautas diz que prefere petista unificando esquerda, relembra episódio em avião e desdenha de Bolsonaro

Músico Tico Santa Cruz questiona capacidade do deputado Jair Bolsonaro tornar-se presidente
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Quem vê Tico Santa Cruz à frente do Detonautas Roque Clube com seu som rasgado e incontáveis tatuagens, talvez não imagine o cidadão politizado e o pai responsável que há por trás desta figura. “Filha, passou protetor solar?”, alertou à pequena Babi durante o bate-papo com o Quadrinsta. 

Em sua última entrevista sobre política, segundo ele próprio, o cantor reafirmou a posição independente e de certa forma polêmica em relação ao principal ícone progressista da atualidade: “Acho que Lula hoje seria muito mais forte e eficiente se indicasse ou apoiasse algum candidato, unificando a esquerda”. 

Sem economizar nas palavras, o músico disparou contra Kim Kataguiri, líder do Movimento Brasil Livre (MBL) e Michel Temer, os quais definiu como “ruídos”, além de criticar a postura de alguns companheiros de profissão. 

“Alexandre Frota é inescrupuloso, como foi o Lobão. O Zezé [di Camargo], coitado, é um artista que tentou participar do debate, mas é como aquele cara que não sabe jogar futebol, entra em campo e faz gol contra sem querer, achando que está ajudando”, ressaltou. 

A militância política, que Tico frequenta desde o final dos anos 1990 quando cursou ciências sociais, será deixada de lado momentaneamente por conta de ameaças que o artista e sua família vêm sofrendo. Entretanto, uma candidatura a cargo público no futuro não está descartada: “Sou uma metamorfose ambulante. Pode ser que daqui quatro meses eu veja que está acontecendo alguma coisa da qual não possa me omitir”. 

Quadrinsta – A classe artística, especialmente os músicos, tem relevância histórica na resistência aos ataques à democracia. Por que até hoje nunca tivemos um músico de renome concorrendo a um cargo no Executivo? Os cachês na política são muito baixos?

Tico Santa Cruz – Quando você é um artista já consagrado ou tem uma carreira estável, abrir mão disso e da forma como você pode atuar politicamente para entrar efetivamente no engessado sistema político é mais complicado. A política é universo muito denso, muito difícil em termos da prática no dia-a-dia. 

O objetivo da grande maioria das pessoas que entra na política é manter um cachê, uma profissão para garantir um bom salário, regalias. É difícil você ver alguém que está com a vida resolvida embarcar no movimento político pelo bem do país, por ideologia. Acredito que nós, como artistas, muitas vezes temos mais condições de fazer mudanças do que propriamente como políticos. 

Essa foi uma questão que veio a mim inclusive, porque fui convidado por vários partidos a me candidatar a deputado federal e fiquei um bom tempo estudando a possibilidade. Como político, você fica restrito muitas vezes a um partido que também tem suas orientações. Claro que não precisa seguir, mas não temos candidaturas independentes no Brasil. Hoje como artista, sou ouvido por pessoas que talvez não me escutassem se eu estivesse dentro de uma legenda. image4.jpeg Tico Santa Cruz

O Caetano [Veloso], por exemplo, que é um cara super politizado, participou dos movimentos contra ditadura, sempre se posicionou e esteve presente no debate político, se estivesse dentro de um partido político, será que teria a mesma ação e abrangência que tem como artista? Não entrar na política institucional é uma maneira mais eficiente, em termos práticos, de se atuar. 

Q – Ano passado você esteve diante de um episódio em um voo onde teve seu direito usurpado pela ganância de uma empresa. Você passou a levar notas de real na cueca ou malas repletas de dólares nos aviões para ser respeitado?

TSC – Acho que seria mais respeitado como cidadão se estivesse com uma mala de dinheiro dentro do avião ou com notas escondidas na cueca. Naquele episódio, não era o Tico como artista, era eu como um cidadão qualquer. Conhecendo meus direitos, sabia que nenhuma companhia pode fazer essa cobrança diferenciada com base no Código de Defesa do Consumidor. Não estava sentando na poltrona de ninguém, era um espaço vazio.

No calor do momento, tentei articular um debate, mas há uma intransigência muito grande das pessoas e, pior que isso, elas não conhecem seus direitos. Os passageiros ficaram contra mim, começaram a me xingar, é inócuo tentar argumentar. Cometi um equívoco porque acabei acionando a empresa aérea no Juizado de Pequenas Causas por danos morais, mas depois um advogado que me assessora disse que ações contra grandes companhias, o ideal é que você entre nas Varas Cíveis porque, nas de pequenas causas, existe uma correlação de convívio entre empresas e as pessoas que estão julgando. 

Perdi a ação sem nenhuma explicação plausível do juiz diante das provas apresentadas. As companhias aéreas têm uma influência muito forte em relação à elaboração das leis, até mesmo na forma como a Anac trabalha. Se eu ganhasse essa ação, causaria um transtorno gigantesco para todas as companhias que cobram esse valor abusivo.  

Q – A guitarra do Van Halen consegue ser tão veloz quanto o julgamento do Lula?

TSC – Nada consegue ser tão veloz. Prezo muito pela Justiça, mas ela se move de forma grosseira em relação a alguns personagens, fica evidente que há uma movimentação extrajudicial nesse caso. Não vou dizer se Lula é culpado ou inocente, mas acho que ele podia ter um julgamento imparcial, seria mais eficiente para o país.

Da maneira como está sendo conduzido, abrirá margem para que as pessoas questionem a Justiça e com razão. O julgamento foi contaminado por uma série de posicionamentos e posturas. Uma pessoa que tenha percepção mais aguçada ou só um pouquinho de bom senso percebe que foi o tempo todo um julgamento de cunho político. Gostaria que fosse justo e que se Lula tivesse culpa, fosse condenado. 

Q – Michel Temer era provinciano até que uma onda originária do centro-oeste apoiada por milhões de pessoas que não sabiam bem o que estavam fazendo o colocou nas paradas, mas o sucesso dele durou pouco porque é um presidente de qualidade questionável. Temer é o sertanejo universitário da política?

TSC – Não, é muito pior que isso. Não há um gênero musical que possa classificar Michel Temer porque ele é uma sabotagem ao país, ao sistema democrático, e a música, por pior que seja, ainda traz alguma coisa boa para alguém. Michel Temer não traz efetivamente nada de bom. Para defini-lo, só o ruído de alguma coisa estragada no som, algo que possa te incomodar quando você estiver ouvindo uma música. 

Q – Brasília é o berço do rock nacional e o túmulo do sonho de um país mais justo?

TSC – Brasília é um dos berços rock nacional, podemos dizer assim, do mainstream pelo menos, mas não gostaria de dizer que é o túmulo porque a cidade não tem culpa de comportar em seu território o Congresso Nacional. Esse sim é o túmulo, infelizmente, porque na verdade devia ser o espaço para ressurreição da democracia, mas as pessoas que são colocadas ali, e nós colocamos, acabam enterrando tudo isso. 

Particularmente acho que o Congresso Nacional devia ser em uma capital como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre ou qualquer outra mais próxima, onde as pessoas pudessem participar todos os dias das decisões. Brasília fica muito isolada, é difícil você juntar a população para ir até lá fazer uma pressão cotidiana. Se esses caras não estivessem tão isolados, talvez não fizessem as coisas que costumam fazer. O deslocamento de Brasília como argumento de desenvolver o centro-oeste do Brasil podia até ser cabível na época em que a cidade foi construída, mas hoje não mais.  image2.jpeg Tico Santa Cruz

Q – O Brasil atravessa uma fase de censura à liberdade de expressão provocada especialmente por grupos conservadores de extrema direita. Como seria uma música composta por Kim Kataguiri? 

TSC – É difícil imaginar que Kim Kataguiri tenha alguma sensibilidade para compor uma música, por mais tosca que seja. Ele é uma figura execrável, que ficará marcada para a História e talvez nem tenha se dado conta disso por estar sofrendo de alguma vaidade que o faça se sentir uma pessoa importante. No processo histórico, será como Judas, que na época foi exaltado pelo que fez e depois todos viram que era um traidor. O Kim me parece um daqueles caras que vai seguir para o Congresso Nacional e se aproveitar como esses sanguessugas que diz combater. 

Está na mesma classificação musical que Michel Temer, ambos são ruídos. Muitas vezes quando você está dentro de uma ópera, de um lugar onde há uma música legal tocando, um ruído, por menor que seja, incomoda no sentido negativo. Existem incômodos que te fazem mudar de posição e pensar, mas no caso dele não. O Kim é o que chamamos na música de ruído rosa, um ruído você não consegue equalizar na mesa e só acaba com ele quando desliga. 

Q – O Detonautas surgiu a partir de um diálogo em uma sala de bate-papo na internet. Nos tempos atuais de polarização e intolerância no mundo virtual, você teria estômago para encarar outro chat? E como seria uma nova formação da banda? 

TSC – O contexto é muito diferente. Nos conhecemos em uma época em que a internet não tinha conteúdo em português, as conversas no chat eram todas amigáveis, voltadas para a intenção de conhecer alguém. Hoje todo mundo se conhece pelo Facebook, Twitter, Instagram, o Detonautas não seria nenhuma novidade se conhecesse pela internet. Naquele primeiro momento, usamos muito esse hiato para poder chamar atenção ao nosso trabalho, às vezes a ideia vale mais que a própria execução. 

Existem pessoas na rede que estão discutindo, mas muita gente não está nem aí para nada, está só trocando amenidades. Nós que estamos ligados à política sentimos mais porque tocamos em assuntos espinhosos e que geram polarização, mas ela não existe para quem está postando só o dia-a-dia, foto do cachorro, o que fez de manhã, para onde viajou. Se eu for postar uma foto viajando com minha família…

Fui com minha esposa a Londres e falaram: “ainda bem que o capitalismo existe, por isso você está aí em Londres. Porque não foi para Cuba?”. Eu respondi: “se você está agradecendo ao capitalismo, porque não está aqui em Londres viajando, porque está aí no Facebook reclamando e não usufruindo do seu capital?”. Sou um crítico do capitalismo, sobretudo pela falta de condições que ele oferece para que as pessoas entendam como funciona o próprio sistema. Não estou propondo que o Brasil se torne um país socialista, comunista, mas que as pessoas tenham o básico para entenderem qual é o sistema que as rege. 

Q – No debate político, um Lobão vale mais que uma Frota de Zezés? 

TSC – Sempre defendi o direito de o Lobão falar o que pensa, mesmo não concordando, mas ele adotou uma estratégia que é muito ligada a setores da política de um modo geral, mais especialmente os extremos, que é a do fake news, de inventar factóides, inclusive inventou ao meu respeito. Nessa questão da Lei Rouanet,, fez uma crítica que poderia servir para melhorar, mas na verdade se tornou um ataque a mecanismos que privilegiariam a cultura. 

A Lei Rouanet necessita de reformas para que possa atender a quem de fato precisa. No momento em que o cara sai da linha das ideias e parte para o ataque pessoal, como é o caso do Alexandre Frota, que tem muito menos intelecto que Lobão, ele perde a credibilidade, o que é uma pena porque precisamos de pessoas sérias também no campo da direita. O Lobão é um cara inteligente, uma pessoa articulada, culta, não precisava recorrer a esse tipo de ataque. 

A diferença da direita para a extrema-direita é que a direita séria, interessada em desfrutar da democracia, defende seus interesses, que obviamente são dela e não do povo, mas usa argumentos. A extrema-direita não, ela mente, faz ataques pessoais, intimida, tenta censurar, assim como acho que a extrema-esquerda, o totalitarismo, também o faz. Qualquer extremo totalitário que queira se impor e anular a existência do outro, do contraditório, não é bom. Infelizmente o Lobão caminhou para esse espectro da política, foi para o extremo.  image5.jpeg Tico Santa Cruz

E o Zezé di Camargo, coitado, é um artista que tentou participar do debate, mas é como aquele cara que não sabe jogar futebol, entra em campo e faz gol contra sem querer, achando que está ajudando. Não acho que falou por maldade, mas por ignorância, ao contrário do Frota. Ele é um cara que faz as coisas para aparecer, para aproveitar do momento e é inescrupuloso, assim como foi o Lobão, e o Zezé di Camargo foi um ignorante, um inocente útil, achando que estava abafando. Se você sentar meia hora com ele, talvez reveja os conceitos e possa desfazer a besteira que falou em relação principalmente à ditadura militar

Q – Você chegou a cursar ciências sociais, mas não concluiu a graduação. Já pensou em retomar só para dar umas aulas à turma do MBL? 

TSC – Pensei em voltar para estudar mais, até porque o que estudei não foi suficiente. Leio muito até hoje em relação à política, sociologia, antropologia, temas relacionados ao campo de estudo que escolhi na época que era mais jovem, mas acho que o MBL é o movimento do anticonhecimento. Dar aula pra quem não quer aprender não serve para nada 

Q – A última pergunta é da nossa seguidora Tânia Alves, de Araguari-MG. Ela quer saber qual é sua opinião em relação ao desenrolar do golpe. Você acredita que a eleição 2018 será normal? O que você acha da denúncia de que Gilmar Mendes disse em discurso de que irão formatar a vitória do PSDB? 

TSC – Alerto através das minhas redes em relação ao Gilmar Mendes desde 2006. Tenho um blog que se chama Clube da insônia e foi tirado do ar da Globo.com, onde fiz uma campanha aberta e consegui adesão de vários artistas sinalizando a questão do Gilmar Mendes, isso em uma época em que ninguém falava sobre política. Ele é uma figura que trabalha em favor de interesses muito estranhos e não tem vergonha nenhuma de deixar clara sua posição. Como indivíduo, tem o direito de apoiar e atuar como quiser, mas como juiz, precisa ser imparcial e não me parece. 

O golpe foi dado para privilegiar esses setores que agora estão desmontando todos os direitos conquistados com muita batalha, sobre alcunha principalmente de se aproveitar do antipetismo, dos equívocos cometidos pelo PT. Não dá para isentar o partido dos erros que cometeu e o PT precisa reconhecer, pois usou o sistema do jeito que é e poderia de alguma forma se fortalecer dentro do Congresso Nacional para revertê-lo, mas não o fez. 

A tendência é que esse golpe se perpetue em todo o processo para tirar Lula da disputa em 2018. Talvez eu seja criticado pela esquerda por conta da minha posição, mas acho que Lula hoje seria muito mais forte e eficiente se indicasse ou apoiasse algum candidato, unificando a esquerda, do que propriamente como uma figura que está sendo combatida em toda essa tentativa de desmoralizá-lo, para que pudéssemos disputar as eleições em pé de igualdade com os setores conservadores. 

Se não unificarmos o campo, vamos perder, porque de certa forma a ala conservadora conseguiu fazer uma coisa que é muito importante quando você quer tomar o poder: ganhar a simpatia da classe média. A classe média é o setor da sociedade que decide as eleições, se haverá um golpe, é o fiel da balança e não tem consciência de classe. Muita gente que se tornou classe média com os governos do PT esquece sua origem, não tem uma visão política sobre o quanto a legenda foi necessária para que ela transitasse na pirâmide social.  image3.jpeg Tico Santa Cruz

Os partidos agora estão olhando para o poder porque há uma crise geral de representatividade. Isso acontece na direita também, vão lançar Alckmin, Bolsonaro, Doria. É uma chance que estão vendo de aproveitar essa confusão para chegar mais perto de ocupar o poder. Estamos muito próximos do que foi a eleição de 1989, que tinha 10 milhões de candidatos de todas as legendas. 

Não sei até que ponto Bolsonaro é real nas urnas. Na rede social é forte, mas posso dizer que não é um parâmetro real, tem muito fake, muito robô. Sou super atacado nas redes e ando na rua tranquilo, e vejo gente que é exaltada na internet e no dia-a-dia circula com medo. 

Quando começarem os debates, a coisa começar andar para uma candidatura real e o povo tiver de entender quem são os candidatos, a própria direita vai discutir Bolsonaro porque ele é uma figura que se alavanca baseado na antipolítica, aproveita a indignação justa das pessoas e a falta de esperança para alimentar com discursos muito rasos, mas isso não funciona quando o eleitor está olhando as propostas na TV. 

O Bolsonaro não tem conhecimento de nada, é a mesma coisa que eu pegar uma orquestra para reger, não conheço de música o suficiente para isso. Sei pegar três acordes e tocar, o que alcança muita gente, mas se eu precisar reger uma orquestra, não tenho condições. O que Bolsonaro está querendo fazer é isso, reger uma orquestra sem ter nenhuma condição. Vai ficar claro quando os instrumentos todos estiverem posicionados para começarmos a tocar a sinfonia que ele não tem conhecimento para conduzir sequer um garoto tocando violão.

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