Quadrinsta

Randolfe: “Lava Jato tem dificuldade em avançar no ‘Tucanistão'”

Senador Randolfe Rodrigues alerta para perigos da partidarização da justiça, denuncia tentativa de venda da Amazônia e revela onde está Marina Silva

Randolfe Rodrigues faz duras críticas às políticas ambientais do governo de Michel Temer
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Uma “constelação astral”. Foi assim que o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) definiu a Quadrinstrevista deste mês, motivado pelos fatos quase proféticos que sucederam o bate-papo descontraído e contundente.

A fala mansa e a fisionomia jovial escondem um dos parlamentares mais combativos da atual legislatura. Aos 44 anos, Randolfe remete aos principais figurões que já desfilaram por Brasília no discurso sem papas na língua e carrega no tom crítico à gestão atual do país, em especial ao que se refere às políticas ambientais. 

“Temer representa o maior retrocesso à floresta de todos os tempos, nem os militares conseguiram apresentar uma agenda de tanto atraso para a Amazônia quanto o governo atual tem significado”, dispara. 

O parlamentar, que tentará a reeleição em 2018, comenta a situação do também senador Aécio Neves, contesta a hipótese de uma intervenção militar e avalia a possibilidade de ministrar aulas de história àqueles que desconsideram os 21 anos de regime autoritário no Brasil: “até os livros da própria ditadura deixavam claro que se vivia naquele momento sob um estado de exceção”. 

Quadrinsta – Uma das práticas mais democráticas do Brasil é a corrupção. Recentemente, uma operação da Polícia Federal fez buscas no Jacaré, bairro pobre do subúrbio do Rio de Janeiro, e nos mais nobres endereços de Paris e Miami. Como levar a democracia da corrupção para a política?
Randolfe Rodrigues – Essa é uma dificuldade. Da mesma forma que todos são penalizados pela justiça indistintamente, no Brasil há uma triste tradição de que os corruptos não são punidos. Nesse aspecto, acho que a atuação mais recente da operação Lava Jato, do Ministério Público, conseguiu possibilitar a prisão de criminosos e não comungo da crítica que tem como alvo somente a esquerda. 

O Eduardo Cunha está preso em Curitiba, não são de esquerda os donos da Odebrecht, da OAS, então esse aspecto é algo que tem de ser saudado. A sustentabilidade do combate à corrupção com esses exemplos é que me parece um desafio porque temos assistido a uma aliança de setores dos diferentes partidos contra qualquer tipo de investigação.  Randolfe Rodrigues

Q – Se a Amazônia é o pulmão do planeta, Temer seria o enfisema?
RR– Ele é o cigarro que consome. A Amazônia é fundamental para o ecossistema planetário, tem uma dimensão além de ser o pulmão. Se o desmatamento for ampliado na Amazônia, a desertificação que nos atinge afetará sul e sudeste. Isso já foi comprovado pela chamada teoria dos rios voadores: cada árvore desmatada aqui no coração da floresta reflete em menos quantidade de chuvas no sul e no sudeste. 

Teve significado de diagnóstico o fato de todas as regiões tropicais do planeta serem desertos e somente a nossa região tropical, o eixo que está entre Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Buenos Aires, não ser. Isso tem relação direta com o fato de a maior floresta tropical equatorial do mundo estar acima desse trópico, que é a amazônica. Temer representa o maior retrocesso à floresta de todos os tempos, nem os militares conseguiram apresentar uma agenda de tanto atraso para a Amazônia quanto o governo atual tem significado. 

O discurso do senhor Presidente da República recentemente na ONU beira o cinismo. Não é verdade que o índice de desmatamento está diminuindo no seu governo, mas sua gestão está apresentando as maiores ofensivas contra a floresta. Projeto de lei para flexibilizar a Floresta Nacional de Jamanxim, no Pará, e agora o decreto* de extinção da reserva nacional do cobre (Renca). 

* Após enorme pressão popular, Temer revogou o decreto. 

Q – Por que o Brasil até hoje não substituiu a exploração das riquezas do subsolo pelo aproveitamento das maravilhas do cérebro humano?
RR – E por que não substituir isso pelo diferencial que temos? Todo padrão de exploração mineral na Amazônia fracassou, não há um que tenha sido bem sucedido, leia-se ‘construa uma cadeia produtiva, traga desenvolvimento sustentável para as populações locais e não desmate a floresta’. Nenhuma exploração mineral na Amazônia conseguiu alcançar esse trinômio, todas resultaram em danos para a floresta ou coisas do tipo o projeto da ICOMI aqui no Amapá, que retirou todo minério de uma das maiores minas de manganês do mundo. 

Mais da metade dessa mina hoje está no fundo do mar do Japão como uma reserva estratégica deles. Não se construiu uma empresa de beneficiamento de aço no Amapá para fechar o ciclo da cadeia produtiva, e onde havia projeto, hoje há abandono, caos social e devastação ambiental. A mineração ainda não apresentou uma conta aqui na Amazônia que seja rentável, que acumule riquezas para as comunidades locais. Em contrapartida a isso, temos uma infinitude de potenciais que podiam ser explorados. 

Temos a castanha, potenciais turísticos em toda a Amazônia, mas falta política de incentivo governamental. Por que o governo Temer apostou na mineração? Só porque interessa aos negócios deles, por isso propusemos uma comissão de inquérito. Não tenho dúvidas de que a Amazônia foi vendida internacionalmente para atender aos interesses da quadrilha que habita o terceiro andar do Palácio do Planalto. 

Q – Marina Silva é a potencial candidata da Rede para a presidência em 2018, como vem acontecendo nas últimas eleições, mas ela costuma se ausentar da cena política no período entre os pleitos. O que ela faz nesse intervalo de quatro anos? Um retiro espiritual na Amazônia?
RR – Cada um tem seu tempo na política e a Marina tem procurado se posicionar. Obviamente a Rede não tem a estrutura partidária das grandes legendas, não temos tempo de televisão e nem o espaço na mídia que os maiores partidos têm. Por exemplo, agora no episódio da Renca, Marina entrou em contato comigo no mesmo dia do decreto e sugeriu um ato em solidariedade aos povos da floresta aqui mesmo em Macapá, que teve repercussão internacional inclusive. 

Ela tem procurado se posicionar, mas obviamente suas manifestações ficam no espaço da estrutura de um partido muito menor que outros. O próprio perfil da Marina não impõe a ela posições de maior força, é mais fácil repercutir uma declaração como as do Bolsonaro ou de Lula, que já foi presidente da República, do que uma declaração de Marina, que nesses dois polos é uma opinião mais mediada. 

Q – O senhor, que está no Senado, deve saber: qual é o paradeiro de Aécio Neves*? Há quem diga que ele está no bolso de Gilmar Mendes, outros afirmam que o viram sendo despachado em uma mala de Joesley Batista e ainda há os que juram que avistaram o tucano em uma caixa com a inscrição CX2… Randolfe Rodrigues RR – As duas primeiras possibilidades são concretas. Tenho visto pouco o Aécio e ele quase não tem se manifestado, menos do que logo depois que foi definido como candidato a presidente da república. Junto com o desaparecimento dele, desaparece também uma instituição que se chama Conselho de Ética do Senado. No dia em que este conselho sepultou a denúncia contra Aécio, ele se autossepultou. Ambos estão na mesma cova. 

* Aécio Neves foi localizado: durante o dia, está no Brasil, mas longe do Senado. À noite, em sua residência, conforme decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal. Os senadores votarão a revogação do afastamento no próximo dia 3. 

Q – No Brasil, tucanos não são presos por conta da ameaça de extinção?
RR Acho que existe um sistema de proteção aos tucanos, principalmente no ‘tucanistão’, que é um estado que fica entre Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Especialmente naquele lugar, que é o berço da atuação de governos do PSDB no Brasil, é incrível a leniência, a dificuldade para alguma delação ou colaboração premiada triunfar, para algum membro do alto escalão ser preso. A Lava Jato tem papel importante no Brasil, mas em São Paulo, está empacada. No ‘tucanistão’, ela tem uma dificuldade enorme em avançar. 

Q – O STF resolveu validar as delações da JBS e enviou à Câmara a segunda denúncia contra Temer. O parlamento vai finalmente “estancar a sangria” do país ou “tem que manter isso”?
RR – É mais uma chance de se estancar a sangria do Brasil. Os deputados estão a menos de um ano das eleições e novamente terão que decidir entre o Temer e a própria biografia. Lamentavelmente tudo está caminhando para manter isso, só há uma chance de o enredo dessa novela ser modificado: o povo se mobilizar, pressionar, ir para rua, fazer placar, tabelinha com o nome dos deputados, perguntar qual é a posição deles. 

Não é possível que o mundo todo esteja denunciando Michel Temer por obstrução à justiça, corrupção passiva e por chefiar uma organização criminosa e o único que tem razão seja a defesa contratada pelo presidente. Se os deputados mais uma vez inocentarem o senhor Presidente, não receberem a denúncia, terão de dizer se moram na República Federativa do Brasil ou no ‘corrupistão’, Uma república onde todos os corruptos poderão ser liberados. 

Q – Eduardo Cunha, um dos caciques peemedebistas, era um conhecido comerciante de carne enlatada. A JBS, pivô das gravações que levantam suspeitas contra Michel Temer, é a maior fabricante de proteína animal do mundo. A solução para os escândalos de corrupção no PMDB passa pelo veganismo?
RR – Acho que posso mandar para o PMDB o nome da minha nutricionista que pede uma dieta à base da redução da proteína animal. Deve haver alguma coisa nesse sentido, porque junta-se a tudo isso que foi citado o fato de o chefe da organização criminosa ser um vampirão, é provável que haja uma vocação por carne e sangue.

Q – Rodrigo Maia participou recentemente de um jantar com a presença de colegas seus senadores do PMDB, mas que fazem oposição ao governo, como Renan Calheiros e Kátia Abreu. Qual foi o cardápio da refeição: vísceras de vampiro ou pizza de carne da JBS?
RR – Espero que não tenha sido carne. Tenho uma enorme esperança de que esteja em curso uma dissidência, porque só assim é que talvez haja espaço para que a segunda denúncia seja acatada. Nada é mais necessário para o Brasil hoje que o fora, Temer. Primeiramente e ultimamente. A única chance de isso acontecer é a organização de poder se dividir. Então espero como o vigia espera Aurora que Rodrigo Maia desça do barco com alho em punho e uma cruz na outra mão.

 Q – A reforma política, que deve chegar ao Senado nos próximos dias, traz o fim das coligações e o estabelecimento das federações, a cláusula de barreira, mas o tema mais polêmico é a criação do fundo partidário para financiamento de campanhas. A tendência é que a Câmara não aprove esta matéria, mas já tramita no Senado um projeto de lei* que trata do assunto. Em época de crise econômica e cortes de gastos, porque a classe política tem tanta dificuldade em dar o exemplo? Randolfe Rodrigues RR – E esse é um projeto do Romero Jucá. Coincidência, não? Isso ocorre porque eles têm muita dificuldade em ficar consoantes ao que acontece no mundo real. Às vezes, tenho a impressão que existem dois planetas: o Brasil e o que acontece no eixo monumental e no Congresso Nacional. Deve ter outro ar lá, não sei se seria a baixa umidade de Brasília que afeta a percepção de realidade deles, há uma distância enorme para o mundo real. 

O fim das coligações é uma ótima iniciativa, a cláusula de desempenho também, mas esse fundão do Juca é uma medida totalmente incoerente e sem conexão com a realidade que vive o restante dos brasileiros. Adivinha qual é o partido que vai receber a maior fatia desse fundo? O dele. E quem é o presidente do partido? Ele. A desfaçatez perdeu todos os limites. 

* A proposta foi aprovada no Senado e deve destinar ao menos R$ 1,7 bilhão em recursos das emendas impositivas de bancada e dos programas partidários exibidos em cadeia de rádio e TV em anos não eleitorais. 

Q – A ocupação das Forças Amadas na Rocinha, no Rio de Janeiro, pode inflar o discurso daqueles que querem os militares invadindo o Planalto?
RR – Essa argumentação não se justifica. As forças armadas devem existir realmente, mas não há essa história de que existe a possibilidade constitucional de intervenção militar. Onde está escrito isso? Não há uma linha na Constituição que possibilite a intervenção das forças armadas. É balela, é papo de maluco essa história de intervenção militar constitucional. 

O art. 142 da Constituição fala que as forças armadas poderão intervir para garantir a lei e a ordem por solicitação de qualquer um dos poderes constituídos. O Temer, o Rodrigo Maia, por pior que sejam, estão lá e só podem ser retirados pela vontade do povo ou pelas regras previstas na Constituição. Fora isso, não pode ser aceita nenhuma outra possibilidade. Não existe essa história de que forças armadas na política e ditadura combatem a corrupção. Todas as ditaduras do mundo, de direita ou de esquerda, levaram a mais corrupção. 

Q – No sistema de governo do Brasil, o presidente é responsável por escolher o procurador-geral da República, seu único possível algoz, já que só o chefe do Ministério Público pode pedir investigações contra o mandatário. O relator da CPMI que vai investigar em especial a delação da JBS e que tem como principal alvo a cúpula do PMDB, é o deputado Carlos Marun, pertencente ao partido e integrante da tropa de choque de Michel Temer. Em um momento em que tanto se fala em transparência e combate à corrupção, o que pode ser feito institucionalmente para que as raposas não mais tomem conta do galinheiro?
RR – No caso do Ministério Público, tem de ser constitucionalizada a lista tríplice porque isso garante e assegura autonomia na indicação do procurador-geral. Há uma PEC lá no Congresso, que sou inclusive relator, e parou de tramitar por razões óbvias pois os partidos majoritários não queriam a consolidação desse dispositivo. 

A CPMI da JBS, que é um instrumento legítimo de investigação que tem o Congresso Nacional, é claramente para retaliação. Nesse caso, a astúcia das raposas do Congresso utiliza uma CPMI com objetivo flagrante de desqualificar a denúncia contra o presidente e frear a atuação do Ministério Público. 

Eu não estaria tão otimista com a Raquel Dodge como Temer e seus cúmplices estão. Ainda quero acreditar muito em quem cerca a nova procuradora-geral na escolha que ela terá de fazer entre sua carreira honrada no Mistério Público e o chefe uma organização criminosa.  Randolfe Rodrigues

Q – O senhor, que é graduado em história, já pensou em ministrar o curso “ditadura no dos outros é militarismo vigiado” para o Zezé di Camargo, o Alexandre Frota, o MBL e outros grupos ultraconservadores?
RR – Eu recomendo que eles assistam a qualquer aula de história, não precisa ser a minha, podem procurar qualquer autor, qualquer livrinho de educação moral e cívica dos anos 1970 daria um pouquinho de noção sobre a história brasileira. Até os livros da própria ditadura deixavam claro que se vivia naquele momento sob um estado de exceção. 

Não há um historiador, seja de esquerda ou direita, conservador ou progressista, que advogue que o Brasil não teve uma ditadura, há um consenso absoluto neste sentido. Quem acha que nunca vivemos uma ditadura chegou realmente ao nível que chegou sem frequentar uma aula de história sequer e teve professores muito lenientes.

Q – A última pergunta é do nosso seguidor nas redes sociais Wilker Mendes, de Feira de Santana-BA. O senhor acredita em democracia em um país que o sistema político permite que empresários injetem milhões em campanhas políticas, onde boa parte dos políticos exercem seus mandatos atendendo a interesses particulares e não os do povo, em que a escola pública é uma farsa, onde a mídia distrai e idiotiza, em que parte da imprensa divulga mentiras em seus veículos, escondendo os reais inimigos do povo?
RR – Wilker, eu parto do pressuposto que acredito na democracia. Estamos em uma democracia inacabada, em construção, e alguns advogam a volta da ditadura, ou seja, é a síndrome do caranguejo. Precisamos avançar boa parte dessas agendas. No que tange à política, já foi um avanço enorme o Supremo Tribunal Federal ter declarado que o financiamento de campanha empresarial é inconstitucional. 

O que não pode é deslocar dinheiro público para aqueles partidos que foram eleitos pelo financiamento empresarial. É uma fraude na própria decisão do Supremo, por isso estamos contra. O primeiro passo para alcançarmos a democracia é aqueles que pensam, raciocinam e advogam, participem, se envolvam na política. Quanto mais pessoas de bem se abstraírem, se afastarem da política, mais Eduardos Cunhas, Temeres e companhia vão participar e continuar tornando a política um mecanismo antidemocrático como você está denunciando.

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