Quadrinsta

Glauber: “Precisamos nos preocupar com intervenção na América do Sul”

Deputado federal Glauber Braga alerta para interesse dos EUA por trás da crise na Venezuela, critica Gilmar Mendes e muito mais na Quadrinstrevista

Glauber Braga demonstra preocupação com possível ação militar dos Estados Unidos na Venezuela
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No momento em que os holofotes estão voltados para Brasília e a votação das reformas implementadas por Michel Temer, a política externa passa despercebida por boa parte dos brasileiros e um episódio, em especial, preocupa o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ): a crise na Venezuela e os interesses que envolvem um possível conflito na região: “Imagina o tipo de pressão que não sofre um país que é a maior reserva de petróleo do mundo”.

Personagem deste mês na Quadrinstrevista, o líder da bancada do partido na Câmara ressalta as relações íntimas do governo golpista brasileiro com os Estados Unidos, que incluem exercícios militares conjuntos na Amazônia, mas fala também sobre seu célebre discurso durante a votação da admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff, a judicialização da política, as perspectivas para 2018 e as negociações envolvendo os protagonistas do desmonte que o país atravessa. 

“Há uma articulação pública com figuras políticas diferentes, mas da mesma coalizão PMDB-PSDB, falando em parlamentarismo, e esse sistema de governo, na atual correlação de forças que temos do ponto de vista parlamentar, é a continuidade do golpe”, avisa Glauber. 

Quadrinsta – No próximo dia 31 de agosto, o impeachment de Dilma Rousseff completa um ano. De onde surgiu a motivação para seu target="_self" title="">discurso na sessão de votação da admissibilidade do processo na Câmara? O senhor chegou a chamar Eduardo Cunha de gângster. Depois da prisão do ex-deputado, acha que pegou leve demais?
Glauber Braga – Não me arrependo de nada do que disse. Foi uma fala para contestar aquela autoridade que, na nossa avaliação, estava presidindo um julgamento de exceção. Além de acreditar no que disse, é claro que havia um forte componente emocional do que estava sendo vivenciado no dia-a-dia que antecedeu a votação do processo. As mazelas estavam expostas e isso fez com que a fala fosse uma mistura, uma construção racional demonstrando que vivíamos um período de exceção, mas também uma descarga emocional colocada para fora.

Glauber Braga

Q – O fisiologismo da maioria dos partidos, atualmente mais evidente na exigência do “Centrão” por cargos no governo após barrarem a abertura de inquérito contra Temer, revela o caráter historicamente promíscuo da política. Porque até hoje não se criou uma sessão de classificados no Diário Oficial? 
GB Deveria existir, já passou da hora de isso acontecer. Nessa barganha que está acontecendo em Brasília, há coisas que não são ressaltadas. Normalmente falam em emendas parlamentares como moeda de troca, mas elas são a face exposta do que acontece. Há o processo de renegociação de dívidas de grandes empresas, que inclui deputados e senadores sócios ou donos de empresas renegociando em torno de 3 bilhões de reais que, coincidentemente, é o mesmo valor que o governo disse que arrecadaria com a diminuição da previsão do aumento do salário mínimo para 2018.

Na véspera da votação do seu afastamento, Temer se reuniu com os representantes da bancada do latifúndio, os maiores proprietários de terra do Brasil, para anunciar a renegociação das dívidas previdenciárias exatamente desses grandes proprietários. Então vemos que eles perderam completamente o sentido de qualquer tipo de ação que possa ser considerada razoável e que não têm limites para se manter no poder e colocar em prática esse projeto que é ilegítimo. 

Q – Quando a principal mudança preconizada pela reforma política leva nome de esquema de corrupção – distritão – é sinal de que a intenção é termos mais do mesmo? 
GB – Não tenha dúvidas. Distritão que estava sendo apelidado na Câmara de “Cunhão” porque era o modelo defendido por Eduardo Cunha e Michel Temer. Os parlamentares estão sentindo muitas dificuldades em se reeleger porque votam contra o povo nesse conjunto de matérias que citamos, para blindar o Temer, então buscam uma alternativa de sistema eleitoral mais fácil para tentarem seguir nos cargos e darem manutenção ao seu projeto de poder. Poderia ser chamado também, como o deputado Chico Alencar apelidou, de detritão. 

Q – E ainda tem a cláusula de barreira… 
GB – Temos de esperar outras iniciativas que poderão vir nas votações que acontecerão na Câmara e no Senado. O argumento que eles utilizam para a existência da cláusula de barreira não é verdadeiro. Falam da quantidade, da multiplicidade de partidos, mas há outras medidas que podem ser adotadas como, por exemplo, o fim das coligações proporcionais, o fortalecimento dos partidos programáticos garantindo que aquilo que for defendido na campanha eleitoral tenha registro obrigatório, discutido do ponto de vista popular. 

Uma coisa que não falam é que se existe partido pequeno que se vende, não tem ideologia definida, é porque há partidos grandes que querem comprar e ampliar o seu tempo de televisão. Outra medida que poderia ser adotada é não contar para o acréscimo de tempo de TV esses partidos que irão compor a coligação. Seria suficiente para que as legendas não programáticas perdessem sua força.

Glauber Braga

Q – Os partidos que estão trocando de nome vão se livrar dos pecados com o novo batismo ao invés da confissão?
GB – Dos pecados esses partidos não têm como se livrar, por isso estão tentando mascarar algum tipo de mudança para poder enganar as pessoas. Você veja o PMDB dizendo que vai se tornar MDB, isso é o máximo do absurdo. Quando pensamos que não há nada mais para acontecer, dão algum tipo de declaração ou tocam alguma ação para fazer com que as pessoas se revoltem ainda mais. É uma tentativa permanente de engabelação.

Q – As eleições de 2018 serão as mais importantes desde a redemocratização por conta do caos político e social que o país atravessa. Com o quadro que se apresenta, especialmente em relação às reformas, os avanços de Temer podem levar o próximo presidente a assinar sua diplomação com uma pena de pato? 
GB – Isso é perigosíssimo, e tem mais, precismos primeiro garantir a realização de eleições em 2018 porque não podemos dar como fato consumado. Há uma articulação pública com figuras políticas diferentes, mas da mesma coalizão PMDB-PSDB, falando em parlamentarismo, e esse sistema de governo, na atual correlação de forças que temos do ponto de vista parlamentar, é a continuidade do golpe, dessa agenda. Imagine quem seria o chefe de governo em um regime parlamentarista votado pelo Congresso Nacional. Algum tempo atrás seria Eduardo Cunha, hoje não sei se seria algo tão diferente para dar sustentação a esse governo. 

Q – Muito se fala na necessidade de unidade de agenda da esquerda contra o golpe, mas até agora não vemos nenhuma iniciativa efetiva dos partidos nesse sentido. Onde o discurso se perde: na corrupção, na vaidade ou na consciência de que essa ideia é apenas para a militância ver? 
GB – Acho que existem iniciativas de unidade, iniciativas que têm sido tocadas inclusive pelas frentes Povo Sem Medo, Brasil Popular, em conjunto. Onde precisamos encontrar unidade é na resistência ao programa que está sendo praticado porque, neste caso, há necessidade não só de unidade parlamentar, mas também dos movimentos. Isso não quer dizer uma coincidência de projeto eleitoral, especialmente porque os partidos têm seus programas que precisam se reafirmar no primeiro turno das eleições, mas necessitamos ter amplitude para resistir ao que está colocado. 

Nos atos públicos que foram realizados, conseguimos mobilizar até certo ponto, agora temos de ampliar. O tema que consegue mobilizar mais pessoas, inclusive para discutir as outras pautas, é a reforma da previdência porque todo brasileiro está com medo de não ter direito à aposentadoria. Se conseguirmos aglutinar atos contra a reforma da previdência e, a partir daí, discutirmos os outros temas, podemos avançar nessa unidade.

Q – Alguns partidos políticos têm anunciado a filiação de personalidades da mídia, especialmente atores. Os políticos estão precisando de aulas de interpretação para mentir melhor? 
GB – Não creio que seja falta de aula de interpretação, acho que alguns partidos têm se socorrido em personalidades que dêem uma limpada, uma escondida no que os partidos defendem, estabelecido uma agenda onde trazem aqueles candidatos chamados “outsider”, como o senhor João Doria.  

A personalidade conhecida tem de ser apresentada com aquilo que defende de fato, o que realizará se tiver acesso a um cargo na institucionalidade. Não deve-se votar pela simpatia por conta de sua atuação ou programa de TV, isso é muito perigoso. É o debate principal que não podemos deixar de fazer. 

Glauber Braga

Q – Se o Ministro Gilmar Mendes fizer um hemograma, vão encontrar sangue de Barata, sangue azul-PSDB ou não vão encontrar nada porque Temer consumiu tudo? 
GB – Acho que o sangue do Gilmar Mendes é de tucano. O Gilmar Mendes tinha de renunciar ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal e, de uma vez, assumir sua identidade como advogado de defesa da coalizão PMDB-PSDB, seria mais honrado. Essa judicialização da política é muito perigosa para o país. Quando você tem a ampliação do chamado estado punitivo, há uma diminuição do estado de direito. 

Precisamos ter um Estado, poderes Judiciário, Legislativo e Executivo cumprindo suas funções, mas sem que elas sejam exercidas com poderes absolutos porque isso necessariamente leva ao arbítrio e diminui o estado de direito e as garantias sociais conquistadas historicamente.

Q – O que é melhor para um país: ter um presidente Maduro ou um presidente podre? 
GB – Pior do que ter um presidente de uma coalizão podre como o que temos com Michel Temer não existe. Quando disse lá no discurso do impeachment que o que dava sustentação para a cadeira do Eduardo Cunha cheirava a enxofre é porque ele era o articulador de uma coalizão apodrecida e Michel Temer é a mesma coisa.

Q – O PSOL tem uma posição definida sobre a crise que atravessa a Venezuela? O deputado Jean Wyllys deu declarações que causaram alguma polêmica condenando o governo de Nicolás Maduro.
GB – Existem posições diferentes dentro do partido. Vou dizer qual é a minha para podermos falar francamente sobre o episódio: não dá para avaliar a situação venezuelana sem partir do pressuposto que você está tratando da maior reserva de petróleo do mundo. O Brasil é a 15ª reserva de petróleo e Dilma deixou de ir aos Estados Unidos quando foi publicizada a espionagem americana na Petrobras. Imagina o tipo de pressão que não sofre um país que é a maior reserva de petróleo, esse é o primeiro ponto.

Segundo ponto: nessa correlação de forças, já há exercícios militares anunciados para novembro onde o governo brasileiro está articulando com outros três países a presença de observadores internacionais americanos no espaço da Amazônia brasileira, no cangote da Venezuela. Nesse momento, com o anúncio que Donald Trump fez, precisamos ter preocupação com uma intervenção externa no território sul-americano.

E um terceiro ponto que não pode deixar de ser dito, na Venezuela o processo de esgarçamento e de tentativa de parte do país a não dar cumprimento àquilo que foi escolhido democraticamente não vem de hoje. Não dá para esquecer que, aqui no Brasil, tivemos uma comitiva de senadores onde Aécio Neves, o atual ministro das Relações Exteriores [Aloysio Nunes], Ronaldo Caiado e companhia foram à Venezuela não no sentido de facilitar o diálogo e garantir a paz, mas para fortalecer uma posição que ampliasse o conflito no país. 

Glauber Braga

Nossa posição não é essa, é de respeito à soberania, do que o Brasil pode fazer no sentido de incentivar o diálogo para levar à paz na Venezuela, mas sem esquecer que a maior reserva de petróleo do mundo pode fazer com que haja uma intervenção americana em um território que está muito perto da Amazônia brasileira. 

Q – O ministro Aloysio Nunes, aliás, é uma figura controversa. Filiou-se ao Partido Comunista na década de 1960, lutou com protagonismo contra a ditadura e hoje é um dos artífices do golpe… 
GB – Eu perguntei para Aloysio Nunes, em um dia que houve audiência na Câmara dos Deputados, se era real a notícia da articulação envolvendo os exercícios militares na Amazônia com a presença dos Estados Unidos. Ele disse que era praxe, algo normal, e perguntei se não havia nenhuma articulação com o governo americano, daí ele falou “tem, mas eles vêm para cá só como observadores”. Eu perguntei observadores de quê? Ele simplesmente não respondeu. Aloysio Nunes tem exercido papel de um dos principais articuladores entreguistas da coalizão PMDB-PSDB. 

Q – Como de costume, a última pergunta é de um dos nossos seguidores nas redes sociais. Selecionamos a pergunta do Haroldo Gomes, de Goiânia-GO: em uma eventual eleição do PSOL à Presidência, como o partido construiria sua governabilidade com o Congresso? 
GB – Se ficarmos dependentes, e digo que não é só na candidatura do PSOL, mas em um projeto popular, de mantermos a governabilidade baseada exclusivamente nas relações institucionais com o Congresso eleito, necessariamente teremos um impasse em que não será possível fazer a ruptura necessária do modelo vigente. Para que consigamos avançar é fundamental termos a ampliação dos mecanismos de participação direta da sociedade. Não é negar a via eleitoral, mas dizer que ela não é suficiente para resolver os problemas de governabilidade existentes nesse presidencialismo de coalizão que está colocado. 

Se fosse realizado um referendo sobre reforma da previdência, reforma trabalhista, o conjunto de medidas que estão sendo tocadas pelo governo Temer, não conseguiriam executar essa agenda. O Presidente da República tem a função também de articular uma ação permanente de mobilização popular. Não quer dizer que ele vai tomar o lugar dos movimentos sociais, de jeito nenhum, os movimentos têm sua autonomia, mas ele pode ser um articulador das ações de uma agenda nacional que fure esse bloqueio conservador.

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