Política

“Distritão” é retrocesso

O modelo está longe de representar uma alternativa para os atuais vícios e limites do sistema eleitoral brasileiro

O sistema traz uma série de desvantagens no comparativo com os sistemas proporcionais
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O modelo eleitoral “distritão” é um grave retrocesso para a democracia brasileira. A proposta, defendida por Michel Temer e pelo ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba, foi aprovada na Comissão Especial que analisa o novo sistema eleitoral e está em debate no Congresso.

Os defensores desse modelo argumentam que a principal vantagem do “distritão” é a simplicidade, uma vez que os mais votados são os eleitos. A medida evitaria os chamados “puxadores de voto”, na qual um parlamentar com muitos votos elege outros deputados da mesma coligação.

O exemplo clássico utilizado é o do deputado federal Tiririca (PR-SP), o segundo mais votado em 2014 para a Câmara. Com mais de 1 milhão de votos, o deputado conseguiu eleger mais cinco candidatos de seu partido.

No entanto, o modelo adotado em apenas quatro países ao redor do mundo – Afeganistão, Kuait, Emirados Árabes Unidos e Vanatu – está longe de representar uma alternativa para os atuais vícios e limites do sistema político/eleitoral brasileiro, além de trazer uma série de desvantagens no comparativo com os sistemas proporcionais, mais democráticos e permeáveis à participação das minorias.

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No atual modelo proporcional todos os votos dos cidadãos e cidadãs são contabilizados na hora de definir quem vai ocupar as cadeiras no parlamento.  Ou seja, nenhum voto é descartado. Já no “distritão”, os candidatos mais votados ganham as eleições e os votos dos outros candidatos são jogados fora.

Ao passo que o sistema proporcional favorece candidatos com bandeiras específicas e mais ligados às pautas de segmentos minorizados, o “distritão” nada mais é que a supremacia do personalismo, em detrimento dos partidos políticos, das ideologias e dos programas e projetos coletivos de sociedade.  Nenhuma democracia representativa sobrevive com personalidades atomizadas. Nenhuma pessoa sozinha é capaz de representar um projeto coletivo, sustentado no bem comum.

No “distritão”, a tendência é a eleição de figuras mais personificadas, de subcelebridades e de candidatos mais populistas. O modelo é conservador, pois amplia as chances de candidatos que já possuem mandato e controlam as máquinas partidárias, criando enormes dificuldades para a renovação política.

Os partidos serão induzidos a lançar seus nomes mais conhecidos e competitivos, em detrimento da aposta em novas lideranças. Haverá uma concentração de candidatos, excluindo candidaturas que defendem projetos e opiniões mais setoriais do debate eleitoral, a exemplo, de parlamentares que representam pautas ligadas aos direitos humanos, meio ambiente etc.

Não é à toa que tal modelo voltou de forma casuística ao debate da reforma política, uma vez que ele é visto como uma alternativa para os atuais parlamentares renovarem seus mandatos – muitos dos quais estão envolvidos em esquemas de corrupção – para manter o foro privilegiado.

Outro aspecto negativo do “distritão” é o aprofundamento de uma tendência nefasta para a democracia que é a proliferação partidária. Atualmente, o Congresso é composto por 28 partidos. Com o “distritão”, estima-se que esse número se ampliaria exponencialmente, em função do enfraquecimento da discussão ideológica, de ideias e do fortalecimento do individualismo.

Se a proliferação partidária já é um elemento dificultador da governabilidade, imaginem quando cada parlamentar se transformar em um partido, como preconiza esse modelo. As votações – que hoje são negociadas com os partidos ou blocos partidários – serão negociadas cada vez mais individualmente, o que torna o sistema impraticável.

O modelo também seria responsável pelo aumento dos custos das campanhas. Como o distrito eleitoral é o Estado, as eleições para deputados alcançariam cifras similares a de governadores e senadores, pois eles teriam que disputar os votos em todo o distrito.

O aumento da fragmentação partidária, o fim dos partidos políticos, eleições mais caras e a não combinação de representatividade e governabilidade são elementos que fazem do “distritão” um modelo que representa o oposto daquilo que uma verdadeira reforma política deveria propor ao País e a nossa ainda incipiente democracia.

Por isso, nós do Partido dos Trabalhadores seguimos reafirmando a necessidade de uma Constituinte Exclusiva para a reforma política, pois ela daria mais liberdade e isonomia na definição de modelos, os quais não seriam modificados com o único objetivo de atender aos interesses daqueles que são diretamente beneficiados por tais mudanças.

Até porque não se pode esperar que o parlamento – pacto de cartolas, bengalas e casacas – aprove regras que prejudicarão a reeleição das “excelências”. Eles jamais aprovarão uma reforma política e eleitoral que possa representar um suicídio político coletivo.

O PT não abre mão do financiamento público, embora considere que o Fundo de Financiamento da Democracia de R$ 3,6 bilhões não é razoável, frente a um esforço necessário de se reduzir os custos das campanhas com menos pirotecnia midiática e mais diálogo direto dos candidatos com os eleitores.

Maliciosamente colocaram o tal fundo bilionário em discussão num momento de ajuste fiscal para os pobres e as políticas pública, justamente com o objetivo de inflar uma rejeição popular e reintroduzir um debate que já deveria estar superado: o retorno do financiamento empresarial de campanhas.

Por fim, defendemos o fim das coligações proporcionais e o voto em lista fechada e preordenada com paridade de gênero, pois não podemos continuar convivendo com um Congresso que tem menos representação feminina (em torno de 10%) que países onde as mulheres usam burcas.

Permitir a aprovação do “distritão” é consolidar a sub-representação de grupos majoritários na sociedade e minoritários no parlamento. Seguiremos dialogando com as demais siglas partidárias no sentido produzir consensos que possam significar o aprofundamento da democracia e não a sua limitação.

*Erika Kokay é deputada federal e presidenta do Partido dos Trabalhadores no DF

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