Perifa Connection

Maravilhosa pra quem, Rio?

No campo político-partidário, violência gera voto e o óbvio não importa. 

Wilson Witzel, comemorando a execução por "sniper" de um homem que, com uma arma de brinquedo, mantinha pessoas como refém
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O ano é 2019, mês de Agosto. Nas primeiras horas da manhã na cidade do Rio de Janeiro, fatos diversos chamam atenção de diferentes formas para o que a cada novo dia se torna comum, mas não deveria ser. Logo de início, lembro a vocês que este texto não é um roteiro de minissérie, antes fosse. Mas uma reflexão que vou dedilhando no teclado do meu computador numa velocidade asfixiante, assim como a realidade que temos vivido neste estado.

Como no filme Cidade de Deus, na parte “pega a galinha” onde o personagem “Buscapé” se via entre a cruz e a espada, preso entre os dois grupos armados, eu resolvi pensar sobre o dia 20 de Agosto, o dia em que a ponte parou (Rio – Niterói), mas a população do Rio de Janeiro, de diversos modos e sem muito interesse em avaliar a fundo aquele dia, seguiu.

Enquanto um ônibus era sequestrado naquela manhã e depois, terminando na execução do sequestrador, outra imagem chamou atenção na Ponte Presidente Costa e Silva. Me refiro a cena onde um chefe de estado, o governador Wilson Witzel desce de um helicóptero eufórico, dançando e pulando, comemorando de forma absurda o fim da situação na ponte, expondo um total despreparo emocional para lidar com a realidade do cargo que ocupa. Ao menos tempo, em uma outra região da cidade do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus – Zona Oeste, outro helicóptero do poder público atravessa o céu da favela, desferindo terror de cima para baixo, quando fazia disparos de fuzil e arremesso de artefatos explosivos na direção de residências e uma escola.

Entre um fato horrível e outro, que estiveram marcando mais um dia no estado onde o discurso de violência direcionada às populações das favelas e periferias aumenta nas vozes do poder público, como na do próprio governador que dançou e pulou na ponte, está uma população dividida, embaralhada na incerteza, que se encolhe diante de um estado bélico, mas se expõe em discursos totalmente contraditórios entre quem acham que são e o que acreditam, versos o que desejam ao outro, muitas vezes não vendo que numa sociedade racista, desigual e injusta, a forma como você vê um possível outro, é a mesma forma como as elites veem cada um e cada uma de nós, que são de favelas, de periferias, ou juventudes negras dessa origem.

 

Ontem eu li muitas vezes a frase “mais um CPF cancelado” dita por pessoas que se intitulam cidadãos e cidadãs de bem, aqueles e aquelas que discursam pela família e que se acham um super exemplo de ser humano. Pessoas que muitas vezes estão todos os domingos na igreja, ouvindo sobre perdão, garantia de vida e direitos humanos na linguagem da bíblia, mas que porém, estão comemorando todas as vezes que nas favelas e periferias, o estado usa violência como justificativa acabar com a violência, construindo um ciclo vicioso e perigoso. Uma contradição enorme dessas pessoas. Mas uma estratégia certeira para governantes que vendem terror como forma de construção de segurança pública.

Digo isso porque no final das contas, novos discursos de ultra-direita e suas práticas atuais, que consistem em atacar instituições e pessoas que lutam por democracia, vida, respeito e menos violência, são também justificadas na ideia de “Guerra às Drogas”. A violência sempre existiu, mas governos como o do Wilson witzel, que não tem compromisso nenhum em garantir bem estar e direitos para as classes mais humildes, acentuam ainda mais a gravidade dos fatos. Não é atoa que hoje o blindado entra, de novo, em alta velocidade e atirando a esmo em muitas favelas, mandando bala em que estiver na frente. Ou que os helicópteros estão presentes em todas as operações policiais, disparando centenas de vezes de cima para baixo em áreas residências. Em sua maioria, operações que acontecem em horários inaceitáveis, como o dos turnos escolares.

Destruir instituições que brigam por direitos, respeito e vida é estratégico para quem quer alimentar terror, para vender uma falsa Segurança Pública onde nós, moradores e moradoras de periferia, não estamos inseridas como cidadãs plenos de direito, que merecem ter segurança. Fomos vendidos como inimigas e inimigos da ideia de sociedade, mas uma sociedade elitizada, branca e rica da cabeça do juiz/governador.

Porém, o óbvio desconstrói essa hipocrisia de “guerra às drogas” que todos sabem que não existe, ao menos desse tamanho que é vendida. A questão é que no campo político-partidário, onde violência gera voto e a busca por segurança pública é o carro chefe de quem usa violência e terror para falar de uma utópica segurança, o óbvio não importa.

Mas vamos refletir, não existe guerra às drogas se o helicóptero do estado só faz vôos disparando de fuzil e agora, jogando artefatos explosivos, em territórios específicos. Assim como não existe “bala perdida” se é nas áreas de favelas e periferias que essa violência acontece, se tem um território determinado onde se forçou uma aceitação social, através das elites, de que isso, essa violência pode acontecer ali. É como se nós valêssemos menos. Porém, sabendo-se que as drogas estão em todos os lugares, inclusive e principalmente nos endereços nobres, esse fato de só favelas e periferias terem na sua rotina o terror de uma fake “guerra às drogas” , já diz muito sobre como essa conta não fecha. Na construção da ideia de uma Guerra às Drogas, a favela vive em guerra, enquanto às drogas estão espalhadas nos endereços nobres do país.

 

É triste, terrível e grave que na nossa sociedade se construiu um cenário onde vende-se que, para haver segurança, é preciso intensificar a violência contra as populações mais humilde. Os dados, a história e o hoje gritam, apontando a crueldade e quantidade de violações de direitos de um governo, onde com o poder em mãos, usa-se do aparato bélico do estado para construir na bala, seus planos de segurança da elite, com ausência de direitos ao povo.

Quanto a população, torço e luto para que peguem essa visão rápido, pois em geral, as práticas e leituras que o indivíduo está fazendo de si próprio, não condizem com a realidade das atrocidades que estão apoiando em discurso, ações, likes e compartilhamentos. Outros governantes como o atual já vieram, falaram igual, agiram com violência e a favela sangrou em vão, diante da corrupção e desigualdade crescente no país Assim como a violência que também só aumenta e a ausência da sensação de estar em segurança, que não existe mais neste estado.

As favelas e periferias não são o problema, mas para quem usa do terror para lucrar com o mercado da segurança público/privada, é mais fácil acusar e apontar o lugar onde vivemos como culpada, pois é aqui que se construiu o imaginário de que as pessoas valem menos, ou que “estão acostumadas com isso”, quando na verdade, a sociedade que está falhando como ser humano e no “salve-se quem puder do capitalismo”, a regra da política pública de segurança para pobres é, mira na cabecinha e atira, para depois descobrir que na mochila só tinha um chuteira, que o tal “fuzil” era um guarda chuva, que o corpo caído era de um estudante e que embaixo do helicóptero que dispara, a grande massa populacional não está disparando de volta, mas sim, estão agachadas no chão, se abraçando, orando, chorando e torcendo para que hoje não seja no seu endereço que a hipocrisia e crueldade dessa sociedade vai dizer “mais um CPF cancelado”.

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